VOLTANDO A DORIVAL CAYMMI

1---DORIVAL, o pintor e músico baiano. Acompanhou a polêmica entre abstracionismo e figurativismo sem tomar partido, DORIVAL apenas um lírico entre telas, pincéis e harmonia das cores. Cantou a Bahia na prosa e na arte visual, sonho desde garoto - desenvolvimento precoce, aprendeu desenho sozinho - certa vez desenhou um galo na parede caiada do galinheiro: opinião em família, "imagem perfeita", ensinou à garotada mais nova - caligrafia bonita, 'desenhava' letras do Hino Nacional e Hino à Bandeira, fazia o dever de casa... dos outros. Desenhista no Rio em 1938, só pesquisadores biógrafos sabem disso, tentou emprego na revista semanal "O Cruzeiro", uma das mais famosas na época - publicou poucos desenhos e logo caiu na tentação do rádio. Mesmo já trabalhando como cantor, foi estudar Belas Artes em escola no Rio de Janeiro e em 1943 aproveitava qualquer intervalo para pintar, misturando melodia e cor, duas criatividades simultâneas. Num dia qualquer de 1950, sozinho em casa, mirou sua imagem ao espelho e fez um autorretrato a óleo - de repente, deixou de lado o pincel e esboçou uma lendária canção, "Eu vou para Maracangalha, eu vou"........ Ilustrou suas próprias canções, sempre tão cheia de personagens reais, como em 1979 o LP duplo "Setenta anos - Caymmi", desenhos que fez para "Rosa morena", "Dor", "A preta do acarajé" e outras músicas - exposição em galeria, Centro do Rio. STELLA receava que desistisse da música, JORGE AMADO interviu, com a franqueza habitual, era contra a "dedicação exagerada aos pincéis", mas foi na pintura que se refugiou em 1946 com o fechamento dos cassinos, palco principal dos artistas brasileiros na época. Pintava casarios, orixás, a si mesmo e amigos - em 1954, pintou RUBEM BRAGA em três sessões, quadro favorito do cronista, que 20 anos depois elogiou - um "jeito de ser, meio triste e meio bobo", de quem tinha sido também retratado por PORTINARI.

2---DORIVAL, o patriarca ----- Duas figuras do Olimpo do meio artístico (a cantora e o compositor) se apaixonam, casam e geram... três músicos - nem estória de ficção nem romance e sim um álbum de família intitulado CAYMMI, letras douradas na capa. STELLA era uma grande cantora de rádio e abdicou disso para se dedicar à família... como fruto, o talento das gerações seguintes. Explicação espiritual religiosa, seria influência do orixá Xangô, ideia da neta ALICE - também a genética e o ambiente extremamente musical. Genes de pai e mãe - do lado dele, DORIVAL, todos cantavam - do lado dela, STELLA, pai tocava piano e mãe cantava, assim como os cinco irmãos. Algo genético na voz que passa de geração em geração, a "determinação biológica" - época muito saudável, sem TV e Internet, somente encontros musicais. Em recordações familiares, STELLA cozinhando ou lavando roupa, sempre cantando, e DORIVAL ouvindo músico do mundo inteiro, até ópera, e artistas visitando a casa. Ele trazia 'mil' discos para a casa. Numa época antiga, músico era profissão dura, difícil, da madrugada. Aos 90 anos, os três filhos gravaram uma homenagem ("Para Caymmi - 90 anos - De Nana, Dori e Danilo") e a reação foi de felicidade pelos filhos estarem na música. Ele se emocionou e foi vê-los/ouvi-los no (extinto) Canecão - valeu como terapia. Ele era bem-humorado e fazia graça com músicos da idade dos filhos: "Isso vai pegar no carnaval". Só respeitou a geração quando ouviu CHICO BUARQUE, coisas como "Junto à minha rua havia um bosque" (verso de produção inicial de Chico). Lugares inusitados: Stella levava Nana ao teatro muito cedo, e criou nela um medo de Nelson Rodrigues ao longo da vida (apavorada com "Os sete gatinhos") e paixão por "Chéri", prostituta experiente com rapaz mais jovem, mesmo entendendo só metade. Dorival era janeleiro e se deliciava em observar o andar das pessoas. // Stella Maris - A maré do amor, neta STELLA CAYMMI falando. Fortes alicerces de amor que uniu o casal - ela, valores da tradicional família mineira ("já era", há décadas!!!); ele, oriundo de família modesta, mas conservadora, família ítalo-afro-baiana. Exatos 68 anos de convivência, ambos morreram em 2008, ela onze dias depois, sem um saber milagrosamente do outro... Segredo? "Da porta para fora, sou Dorival Caymmi. em casa sou marido e pai". Casaram no civil por falta de dinheiro para a cerimônia religiosa, que só foi acontecer em maio/1942, Capela da Santa Casa da Misericórdia, por insistência das freiras, ela operada no hospital. Para Dorival, amor à primeira vista e ela só soube quando se tornaram colegas na Rádio Mayrink Veiga, 1939. Um ano antes, recém-chegado da Bahia, dinheiro contado, via na rua os artistas da Rádio Nacional; num domingo de 1938, ainda desconhecido, foi assistir ao programa de calouros "Raio K /inseticida patrocinador publicista/ em busca de talentos" e viu uma bela mulher, alta, loira, olhos verdes, modesta elegância, que ao som do regional da emissora cantou "Último desejo", de NOEL ROSA, e o encantou... Tempos depois, pediu-a em casamento e ela avisou pai e noivo que iria abandonar a carreira artística - muito jovem, 17anos, pai era um policial de mais de 2 metros de altura e avisou que era proibido bulir com a moça. O compositor ficou a vida toda com fama de machista porque imaginaram tê-la tirado da vida artística......... Anos depois, veraneio em Rio das Ostras, foi buscá-la na praia onde ela costumava pescar toda tarde. Diálogo: "Caymmi, cai na água"; "Tá muito frio" - na verdade, o autor de "É doce morrer no mar" não sabia nadar.

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LEIAM meu trabalho "Almoçando com Dorival Caymmi e Stella Maris".

FONTES:

"Um artista entre a melodia e a cor", artigo de MAURÍCIO MEIRELES -- "A casa onde a família respira música", artigo de LEONARDO LICHOTE - Rio, jornal O Globo, Segundo caderno, 27/4/14.

F I M

Rubemar Alves
Enviado por Rubemar Alves em 14/12/2019
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