Sobre Cafés, Arrepios e Tempestades
Ela caminhou com os dedos sobre o meu peito e sorriu quando chegou perto do meu umbigo.
as unhas vermelhas com o esmalte carcomido arranharam levemente a minha pele e ela pareceu ficar satisfeita com o arrepio que tinha causado.
O sorriso desapareceu pouco antes dela recostar a cabeça sobre o meu peito e tudo o que eu pude ver enfim, eram os seus cachos espalhados sobre mim.
- Eu tenho que ir embora. - Disse-me.
- Vai por que quer. - Respondi.
- Meus boletos não vão se pagar sozinhos.
- Você tem razão. Eu tinha esquecido que vivemos pelo capital e pelos bens de consumo.
- Bem. Minha cerveja não vai se pagar sozinha. Muito menos o meu baseado.
- Agora você está falando a minha língua.
Ela ergueu a cabeça e sorriu, como se fosse uma menina.
- Você também devia se levantar, procurar alguma coisa pra fazer.
- Eu estou de férias, mulher. E o melhor de estar de férias é não ter o que fazer.
- Tá bom, tá bom. Mas pelo menos faz um café. Eu vou tomar um banho.
Ela se levantou e correu para o banheiro em dois pinotes.
Segui atrás e tomei o rumo da cozinha. Botei água na cafeteira e deixei que fervesse.
Andei até o banheiro e dei de cara com ela de ponta de pés, tentando ligar o aquecimento do chuveiro.
Ela percebeu minha aproximação e olhou para trás, irritada.
- Não vai me ajudar?
- Estava tão bonitinho ver você tentando...
- Porra. Vem cá. Eu não gosto de banho frio.
Fui até o chuveiro e liguei o aquecimento. Saí de perto e ela girou a torneira.
A água escorreu e ela molhou os cabelos, que ficaram grudados em suas costas.
Os seus mamilos endureceram, apesar da água quente e eu pensei em me juntar a ela,
mas a cafeteira apitou na cozinha e eu deixei que ela tomasse banho só.
Apaguei o fogo e coloquei o café na garrafa térmica.
Um relâmpago iluminou a casa e logo depois um trovão estourou bem em cima de onde estávamos.
Ela deu um grito no banheiro, assustada, e a chuva começou a desabar do lado de fora.
enchi duas canecas com o café e só adocei a minha, já que ela preferia o dela amargo, e levei até a sala.
Ela estava enrolada na toalha olhando pela janela, para o céu que ia desabando.
- Desse jeito vou ter que ficar aqui mesmo. - Falou.
- Tem certeza que não vai dar problema?
- Eu vou ligar pra minha chefe e pedir pra compensar no próximo final de semana.
- Parece uma boa ideia. - Eu lhe disse, entregando a caneca com o café fumaçando.
- Você não botou açúcar, né?
- Não botei, menina. Só no meu.
ela tomou um gole e abriu um sorriso.
- Amargo como a vida. - Ela disse.
- Por isso eu prefiro o meu doce.
- Você é um menininho mesmo. Não importa que tenha passado dos 30.
- E você é o que?
- eu sou a louca que gosta de passar por aqui pra bagunçar um pouco mais o seu cafôfo.
- Parece uma definição apropriada.
- Eu sou boa com definições, bebê. - Disse-me, por fim.
ela terminou de tomar o café e encostou a caneca na janela.
- Agora vai tomar um banho também. Você tá suado. Eu vou pra cama.
Assenti com a cabeça e tomei um gole do meu café.
A chuva caía com ainda mais intensidade que antes e eu achei que era realmente apropriado que ela estivesse comigo naquela manhã.
Enquanto eu juntava as minhas coisas para tomar um banho, ela tirou um vinil da capa e colocou na minha radiola.
Era um presente que havia me dado.
Olhei para trás antes de entrar no banheiro e percebi que ela olhava pra o disco girando no aparelho, como se tivesse hipnotizada.
por fim ela cantou, com uma voz que me arrancou um arrepio da pele.
"I want you to know
He's not coming back
Look into my eyes
I'm not coming back
So knives out
Catch the mouse
Don't look down
Shove it in your mouth"
Então ela levou um baseado aos lábios e acendeu. tragou profundamente e soprou em direção ao teto.
Eu também respirei fundo nesse momento. A fumaça, o perfume dela e o cheiro de terra molhada.
Talvez aquilo fosse realmente o meu vício,
e me perguntei, por quanto tempo aquilo poderia durar.