Tempos de refúgio

Saí andando sem saber aonde eu queria chegar. Sabe quando você não sabe ao certo o que você quer? Sabe quando falta expectativa para seu dia? Quando falta querer? Então, esse era o dia.

Saí procurando uma sombra. A sombra de uma árvore ajudaria a colocar as ideias em ordem; ajudaria na verdade, buscar uma ideia. Há dias que são muito atarefados, dias em que nos falta tempo para tantos afazeres, mas há dias em que faltam afazeres para tanto tempo. Eu me deitei na primeira sombra que eu avistei, parece sorte, pois aquela era a sombra que eu precisava, achei sem procurar. A sombra me achou.

Eu me deitei e adormeci. Adormeci imediatamente. Parece que fui anestesiada no exato momento em que me aconcheguei naquela grama.

Apaguei.

Vi tudo passar em minha mente como se fosse um resumo. Um filme que já estava pronto e só faltava estrear. Minha infância, tão vaga infância. Ausência, muita ausência. Falta de carinho, falta de rumo e de objetivos. Daqui pra ali, como aquelas folhas que voavam no chão ao meu lado.

Eu estava meio apagada, mas eu via tudo. Na verdade, faltava-me voz e força. Tantas vezes vivi esse momento, no qual faltam a voz e a força.

Dormindo-acordada, estava eu. Acho que, atualmente, todos estamos.

Muitas vezes eu estivera naquele parque. Ele era municipal e morávamos perto dele. Vivi momentos de infância lá, me diverti naqueles brinquedos simples. As crianças são simples e se divertem. Quero voltar a minha infância. Vivi amores de adolescência naquele parque. A gente sempre gosta de alguém, que bom, que ruim. Gostar de alguém ilude a gente, bom ser iludido. Vivi a juventude naquele parque, muitos encontros com amigos... Estou dormindo agora no parque. No meu sono eu sou criança, adolescente e jovem... vejo todos passando. Vejo o pipoqueiro, vejo casais de mãos dadas, vejo algodão-doce e sinto sede.

Estou com sede. Peço que alguém me traga água, mas ninguém ouve. As pessoas estão passando com pressa. Elas não me ouvem. Quero água. Sinto sede. Estendo a mão.

Uma criança tropeçou em mim, a mãe dela ficou chateada com ela. A senhora olhou-me nos olhos e pediu-me desculpas.

Meus olhos estão abertos. A senhora fixou os olhos nos meus e disse:

_ Acho que está morta. Gente, ela está morta!

Eu escutei aquele anúncio. Nada pude fazer.

Cátia Moura
Enviado por Cátia Moura em 09/12/2019
Reeditado em 09/12/2019
Código do texto: T6814486
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