Convenção das borboletas

Aquele final de semana era sempre muito esperado, desde o dia do anúncio da sua data, contava-se os minutos para o grande encontro: vestes e histórias, tudo sendo preparado com grande ansiedade.

Considerando a brevidade do ciclo de vida das borboletas, esses eventos não eram muito frequentes, mas sempre comentados. Logo, poder participar dele e contribuir com seus registros era uma experiência magnífica, independente do momento em que se encontrava no ciclo: ovos, larvas, pupa e imagos, um holometabolismo completo retratado por diversos olhares em um único momento.

Donas de uma beleza única, uma vida resumida em escolher uma planta para depositar os ovos, de ovos virar lagarta, de lagarta a pupa, com seu casulo, e enfim se transformar em borboleta, ali eram revelados os seus segredos e histórias mais fascinantes.

Embora esse resumo de vida seja extremamente entusiasta e simbólico, revelando sentidos como despertar do ser e de potencialidades, renovação na forma de pensar, sentir e agir, transformação da existência, havia muito mais a ser explorado por suas experiências de vida.

Deram espaço para alguns ovos falarem primeiro. As borboletas mais velhas contemplavam com saudade, pois sabiam que estavam perto de esgotar suas vidas. A fala deles em geral era breve, recebiam muitos conselhos das mães e ficavam impressionados com a beleza do local.

Um deles gritou assustado:

- Uau, quantas cores! É assim mesmo que vou ser quando crescer?

Um mais curioso questionou:

- Posso escolher a cor, o formato e o tamanho que vou ter?

Não há como não mencionar aquele ovo que exclamou:

- Prefiro ficar aqui no meu cantinho, é muito mais seguro!

Entre as risadas que observavam os sonhos e a inocência daqueles ovos, ouviu-se ainda outros questionamentos e histórias, mas sobretudo percebeu-se que ali ainda havia a disseminação da mãe sobre o futuro dos filhos, que ao depositarem os ovos diziam a eles que seriam borboletas.

Foi quando as lagartas ganharam passagem. A experiência de rastejar no chão modificava a memória da fala materna, deixando-as incertas sobre o ser borboleta. Entre elas então habitavam personalidades conformadas em ser lagartas, outras temerosas ou descrentes em ser borboletas, ou aquelas apressadas, que tentavam voar sem asas.

- Eu decidi que queria voar e voei! - Exclamou uma lagarta de peito cheio - Me aproximei de diversas borboletas, e me apaixonei por elas. Escutava suas histórias e logo aprendi sobre seus sonhos e desejos e, com isso, consegui carona em suas asas. Já sou muito experiente nisso de voar, posso chegar aonde eu quiser.

O público ficou admirado com tanta audácia, mas percebeu a tristeza escondida atrás do peito cheio com o resto da história, pois de nada adiantava voar, se não podia bater as asas para onde de fato desejava. Além disso, estava perdendo o tempo das outras etapas do ciclo pelo qual deveria passar, talvez não pudesse um dia ter as próprias asas, nem todos conseguem completar o ciclo.

Outra lagarta então disse:

- Meu sonho também é poder voar, mas, no jardim em que moro, dizem que isso é coisa de borboleta e que eu não passo de uma lagarta.

- Eu gosto de ser lagarta! - Exclamou uma terceira. - É tudo muito tranquilo e seguro, o alimento é acessível, não me canso em distâncias. Sou muito feliz assim, não quero passar por essas mudanças todas. - E olhando fixamente para as borboletas, perguntou - Dói virar borboleta?

Algumas borboletas bateram as asas forte, mas esperam o momento certo para discursar e emitir as suas opiniões. Era um momento de grande recordações e aquelas perguntas e falas faziam mais sentidos a seus enfrentamentos depois de tanta experiência de vida.

- Eu nem acredito no que virei! - Exclamou a primeira pupa. - Imaginei que fosse começar a melhor etapa da minha vida e me transformei nisso daqui. A tristeza me assombra, tenho medo de sair, fico sempre quietinha na minha, receosa de que essa fase não acabe nunca.

- Meu sentimento é parecido, mas tenho certeza que é apenas uma fase! Todos os dias experimento se já estou próxima de bater minhas asas! - Falou uma pupa esperançosa.

- Asas? - indagou novamente a primeira pupa. - Outro dia vi uma amiga sendo arrancada do seu repouso e aberta por outros animais. Não tinha asas ali. Isso tudo é uma lenda.

Uma outra resolveu permanecer no seu canto em silêncio. Não queria partilhar as dores da transformação. Escutou tudo entre lágrimas, mas o que mais chamou sua atenção foi a fala daquela pupa:

- Eu nunca esqueci o que mamãe falou. Estou vivendo com intensidade esse momento de transformação para viver os sonhos mais lindos do voar. Às vezes é dolorido, mas jamais perdi a esperança e sei que vou chegar lá.

A primeira borboleta então já ansiosa tomou a voz:

- É isso! Não perder a esperança jamais. Bater as asas hoje somente acontece pelo tempo de espera que passamos e como é maravilhoso viver esse sonho.

- Nunca gostei de voar, mas passei por tudo isso e hoje preciso enfrentar o céu. Se eu pudesse voltar no tempo, continuaria lagarta para sempre. - Falou uma outra.

- Eu tive minhas asas feridas e machucadas, mas não parei de voar.

- Estou cansada de carregar os outros! - Falou uma linda borboleta de asas grandes. - Sei que minhas asas suportam muitas coisas, mas não posso ir aonde quero em razão de estar sempre levando alguém.

- Eu vou para eu bem quero! - Falou uma outra pequenina - Passo por vários tipos de frestas, sem medo de qualquer perigo.

Falas calorosas tomaram o salão até encerrar-se o evento. Ouviram-se lágrimas e risadas, tudo devidamente registrado no livro da vida das borboletas. Contudo, o mais importante entendido ali foi o respeito pela experiência pessoal de cada uma, em cada diferente fase.

Val Medeiros
Enviado por Val Medeiros em 08/12/2019
Código do texto: T6814215
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