APARIÇÃO
Tarde de céu limpo, sem ventania...
Surgiu às carreiras, sem tropel, repentino e apeou do alazão
Passado o susto, o menino perguntou-lhe o porquê da pressa...
Sorriu, sentou-se no chão e disse, cruzando os dedos à boca:
“Se jurar segredo posso contar - se minha memória não falha...”
A história é tantinho louca... Difícil de acreditar...
“Viajo dia inteiro por essas terras... De manhã, no alto das serras... Fico até à tardinha, quando o Sol por lá se esconde... Sigo pelo vale, onde corre o rio, navego seu leito até a madrugada e descanso no mar
Prosseguiu, explicativo:
“A vida é diária batalha e continuar em frente é desafio pra gente valente...
Viajo todo o tempo por esse universo desde pequenino até a cabeça ficar grisalha...”
“Companheiros de estrada?”
“Encontrei tipos diversos... Jovens, animados e sorridentes... Senhores silentes e sisudos...”
“Lembro-me de cada rosto - se minha memória não falha.”
“Passado o ânimo inicial, pra tristeza e desgosto, desejavam boa viagem e desistiam da empreita...”
“Via-me só nas estradas cheias de pó“.
“Cá entre nós: Já ajuda quem não atrapalha!”
Perguntei se teve dúvidas?
“Ora, claro, viver é decidir em cada desvio, um dilema todas encruzilhada. De pouco, a gente se ajeita, desata os nós dos problemas.”
“Pedia ajuda, sim. Entrava pelos vilarejos ou se encontrava matuto de passagem, pedia informação sobre o caminho mais curto, a tempo de encontrar, antes da noite, alguma estalagem e também onde encontrar alguma refeição”.
E prosseguiu:
“Se a memória não me falha, encontrei um cego. Apontou-me o caminho erguendo a bengala. Disse ter segura certeza. Sabia os caminhos de ouvir dizer. Contou sobre a trilha da ponte rumo ao infinito. O trajeto devia ser bonito, pois sentira o perfume das flores.”
“Agradeci e o cego despediu-se, desejando-me: Boa viagem!”
“Se a memória não me falha, encontrei um surdo-mudo. Sabia caminhos de tanto errar, por aí.”
“Mostrou-me o pedaço de papel. Era um mapa e apontando o céu, rabiscou no chão uns traços, como fizesse um mapa astral.”
“Agradeci e o surdo-mudo despediu-se, desejando-me: Boa viagem!”
“Se a memória não me falha, encontrei, cambaleante, um manco carregado de tralhas”
“Ofereci montaria para acelerar o passo, mas ele agradeceu, negaceando e dizendo: Devagar se vai ao longe. De ligeiro, basta o vento. E neste ritmo lento, admiro a paisagem... Sinto o perfume das flores “
“Agradeci e o manco despediu-se, desejando-me: Boa viagem!”
No céu limpo, repentino raio e trovão furioso.
O homem levantou-se assustado, mãos, em concha, aos ouvidos, como ouvisse um chamado.
Montou o alazão e partiu...
Deixou no rastro a curiosidade...
O menino indagou a alguns do povo sobre quem era o homem.
Todos juraram, de dedos cruzados, nunca tê-lo visto.
Às vezes, o menino parece vê-lo.
Se a memória não falha, ele acena lá no infinito horizonte...
Parece desejar-lhe boa viagem.