Amigos químicos
Tatiane queria ficar loira, pois no ambiente de trabalho, as colegas, na maioria, eram. Viu que as meninas chamavam a atenção do público em geral, e dona Terezinha, a chefe do setor, sempre elogiava os cabelos delas. Sentia-se o patinho feio da lagoa do setor pessoal. Até na hora do almoço, era deixada de canto, na roda dos enjeitados.
Chegava em casa sempre pensativa, e quando alguém perguntava, a resposta estava na ponta da língua: - É o cansaço! Emburrada, tomava o banho, forrava o estômago com alguma coisa, e jogava-se na cama. Pela manhã, já renovada, partia para o trabalho. Um dia, acordou cedo, e resolveu mudar a cor dos cabelos.
Saiu bem cedinho, não falou com ninguém, e foi num salão especialista em loiros. A recepcionista já foi logo perguntando: - Vai puxar os fios com a touca ou vai usar as lâminas, senhora? Sem saber para que lado ia, respondeu: - Lâminas! Pensou sobre a touca e teve a impressão de dor. - Dinheiro ou cartão, senhora? Perguntou a recepcionista.
Ela sem pensar duas vezes, falou: À vista! E a recepcionista completou: - Vai ficar em torno de R$450,00. Ela esbugalhou os olhos e disse: - Quanto? E a recepcionista balbuciou: - R$450,00. Ela sem jeito, e tomada pelo roubo ao seu mísero salário, perguntou: - Parcela em quantas vezes? No cartão é R$ 600,00, e a senhora poderá parcelar em 5 vezes.
Tatiane sem graça, sem ânimo e sem jeito, concordou em distribuir a dívida em suadas parcelas. O procedimento durou umas quatro horas, mas valia a pena ficar Cinderela. Tomada pelo sentimento de alegria, e com a autoestima nas nuvens, foi para casa. No caminho percebeu a diferença, as buzinas pareciam sabiá, gorjeando cantadas.
O público feminino olhava para ela com ar de aprovação, o que aumentou a sua confiança. Chegou em casa outra pessoa, talvez, uma identidade melhorada. A família teceu elogios, e a Tatiane foi dormir extasiada. Na cama pensou em voz alta: - Um simples clareamento nos cabelos e minha vida deu uma guinada.
De manhã, apressou-se para trabalhar, já na chegada, o segurança não reconheceu ela, e barrou sua entrada: - Só é permitido funcionários, senhorita. Aguarde na recepção! Ela sorriu e disse: - Sr. Rodrigo, sou eu, Tatiane. Ele imediatamente, retratou-se: - Mil desculpas, não reconheci a senhora.
Ela dirigiu-se à sua sala, e quando entrou, todo mundo parou o que estava fazendo, para olhá-la. Recebeu muitos elogios, e as colegas chamaram-na para fazer as perguntas triviais. Pela primeira vez, tinha sido notada, e tinha algo em comum para ser compartilhado. Dona Teresinha, quando chegou e percebeu a mudança, rasgou-lhe um senhor elogio: - Nossa, Tati, você ficou linda! Parabéns!
A manhã foi atípica, mas depois tudo voltou ao normal. Na hora do almoço, as colegas fizeram questão de ficar com ela na mesa; nesse instante a ficha caiu, e a roda dos enjeitados que acolheram-na por dois anos? Esse pensamento foi igual ao clareamento dos seus cabelos, luminosos e radiante; contudo, não moveu uma palha para mudar de mesa.
Em time que está ganhando não se mexe. Pensou. Acenou de longe para o grupo e continuou com o sorriso largo com as, quimicamente, loiras.
Às vezes, não percebemos a força do grupo ditador de modas e tendências, e para ser aceito mudamos a nossa aparência; não sei se a influência compromete a identidade ou se nossa crença não tem base. Mas as relações interpessoais são importantes e capazes de gerar momentos de qualidade no indivíduo. Ninguém deve viver à margem social ou nas famosas rodas dos enjeitados.