JUCA AOPÉDALETRA

Eis que vos apresento Juca Aopédaletra, um sujeito merecedor de um filme, uma série ou mesmo um pedaço na História. Desse tipo de gente, gente. Nada além de gente! Juca fazia tudo no significado concreto da palavra, da ação. Bem conhecido no Bairro do Bigode por se intrometer em tudo que promoviam no bairro, na cidade, no Estado. E vou contar para vocês umas atitudes e um pouco do estilo de vida de Juca, um tipo de louco.

Domingo de futebol, jogadores e torcedores ansiosos para o tão esperado dia do torneio do Bigode, evento que já fazia parte há 11 anos do calendário de festa do bairro, uma das prioridades da Associação dos moradores, afinal, é o cego lazer. E Juca há 5 anos participava do torneio, tudo nos conformes. O fato é que ele não sabia jogar, mas não queria por nada fazer parte da torcida, queria mesmo era estar em campo, jogar muito, porque na cabeça dele jogo era para jogar e ponto. Pois bem, chegou o grande dia e ele foi o primeiro a chegar, aliás chegou adiantado:

- Este ano eu serei melhor do que ano passado! Treinei muito, minhas pernas de pau evoluíram.

-Ano passado você foi bem, contribuiu bastante para o nosso primeiro lugar. Com fé em deus nós vamos ganhar de novo, e depois cair no samba e tomar todas aquelas grades de cerveja depois do jogo. Amanhã eu não trabalho.

- É por isso que eu garanto em fazer dois gols, no mínimo. Que prêmio maravilhoso hein! Cada ano melhor, este ano dez grades de cerveja, carne assada à vontade, samba tributo a Beth Carvalho no Bar do Bigode e um troféu simbólico. Pense num cara que vai jogar!

-Juca não se afobe, mano. Os nossos adversários são muito bons hein, já ganharam duas vezes.

- Que nada, futebol é pra fazer gol, jogar e ponto.

-Não é só isto, há técnicas, cruzamentos, dá trabalho. Eu mesmo vou jogar por jogar, tô enferrujado, treinei pouco...

-Vamos fazer tudo isso, e gols, muitos gols.

-Pense num homem confiante, esse Juca!

Na verdade Juca estudava em casa todas as técnicas, se preparava teoricamente e depois praticava, pegava algumas aulas com treinador profissional, mas não era fanático. Ele jogava em vários times, não torcia para nenhum, só jogava, futebol se jogava e fazia gols. À propósito, este ano Juca chegara com um diferencial... como o nome do time era Clube Do Bigode Verde, ele foi com o bigode verde. E justificava:

-Temos que fazer jus ao nome do nosso time, até mesmo pra dá um toque original, notório...eu represento este grupo! Vocês deveriam vir de bigode verde também, seria espetacular!

-Você é louco, não precisa tudo isso não, meu chapa.

-Vocês que são, normais demais, quão chato isto é. Vocês enquanto grupo que luta por uma causa, não gostariam de estarem sincronizados com o nome do clube, ao qual carregam há mais de uma década?! Somos o Clube do Bigode Verde, nada de estranho. Garanto que a torcida vai vibrar quando entrarmos com os nossos bigodes verdes (falava numa elegância banhada de risos), e ficarão perplexos e jocosos, e nós numa empolgação sem fim. Nunca houve isto na história do torneio do Bigode. Vamos?! Eu trouxe tintas verdes e bigodes pra todo mundo que não tem...quem quer?

-Eu, eu, eu

-Eu, eu, eu

Todos foram atraídos pelo discurso de Juca Aopédaletra, sociólogo por formação, estudou como manda o figurino, agora estava no mestrado cursando Filosofia Político Social, de fato aplicava seus conhecimentos teóricos na sociedade, às vezes dava certo, às vezes nem tanto por incomodar o sistema, as morais, os bons costumes, os caretas, os infelizes, os hipócritas. É preciso falar desses aspectos essenciais de Juca.

É chegado o grande momento do jogo! O bairro do Bigode foi palco de um espetáculo irreverente na história do futebol. Todos (sem exceção), entraram em campo abigodados esverdeados, a torcida faltava derrubar a arquibancada de tanta vibração.

Os jogadores não se sentiam cômicos, nem ridicularizados, nem estranhos, se sentiam estrelas. Os organizadores do clube nunca tiveram uma ideia assim, sempre acharam os torcedores mortos, sem tanta paixão. Porém, nunca fizeram nada para mudar. E agora se encontram assim, vivos, apaixonados, agitados, tudo por causa do novo e diferente. O novo sempre vem...

Foi simplesmente o torneio mais especial, e Juca pensou: como eu nunca tinha pensado nisso antes. E não deu outra, o time do Bigode venceu a competição. Claro, que Juca chamou mais atenção, os torcedores comentando que o mesmo estava jogando como profissional, sem tirar nem pôr. Pense num sucesso!

-Vocês são demais! Fizeram como deveria ser feito, se o nome do time é Bigode verde, nada mais coerente do que estarmos com o bigode verde! Deixemos de conversa... vamos aproveitar o calor dessa emoção, pirar ao som de Beth Carvalho e apreciar cada copo de cerveja, cada item do prêmio...ah, não se importem se do meio pro fim eu cantar Cartola, Adoniran Barbosa, bêbado em fios! (E eram altas gargalhadas).

-Aí sim, hein! Bora, meu chapa!

Desceram pro Bar do Bigode e o resto não precisa nem contar, mas vou contar... Na volta, iluminados pelo o pôr do sol, Juca insistiu em passar na padaria, não tinha um dia que não tomava café. As eleições iriam acontecer de alguns meses pra frente, e Juca já vinha pensando na possibilidade de se candidatar. Estava cansado daquela velha raposa política, das promessas não cumpridas e não se via numa democracia, não sentia o poder do povo emanando. O sociólogo estava numa elaboração de tese, algo a ver com representatividade do povo, no seu sentido mais coerente e real. Então, queria ser sua própria pesquisa, e decidiu se candidatar a deputado estadual, queria mesmo era o poder das leis nas mãos, o que era mais estratégico na sua visão, para a realização de políticas públicas.

Inicia-se outra vivência de Juca, a sua introdução física na política. Como dizia Chorão: pirou o cabeção. Pirou mesmo, cuidou de todos os critérios da propaganda eleitoral; contratou uma boa equipe, mas fez praticamente tudo; escrevia e memorizava cada discurso:

“Olá, todos e todas reunidos aqui nesta noite...não é preciso tanta formalidade, conheço pessoas que falam muito bem, mas suas ações são sujas, e de político mesmo só fica o discurso. Nós temos uma sociedade à ser olhada em cada departamento. Fazemos parte de comunidades virtuais aos quais estamos aprendendo a conviver nela ainda, ainda! E a luta da convivência real caminha a passos lentos, ainda. Sempre estaremos em processo, e é melhor com progresso! Há sérias falhas na pirâmide da educação e em todo o sistema de saúde brasileiros. Eu cansei, na minha posição de cidadão, de não poder mudar com o meu voto, não ver retorno dos meus impostos, não poder comer tudo que tenho vontade, mesmo trabalhando, tudo muito caro; além de não ter minha própria moradia. Eu sinto que posso fazer mais como deputado, com projetos de ampliação das políticas de inclusão, de acesso, de progresso...a política não é isso que transformaram, num circo, numa máquina de desvio de dinheiro público, na corrupção, num espaço de deboche com a cara do cidadão brasileiro. Não, companheiros, fazer política não é para os lixos que estão lá, contra o povo. Vamos juntos?!”

Nas primeiras palavras, uma multidão batia fortes palmas. Juca levava tudo ao pé da letra, e por esta característica própria atraia muitas pessoas ao seus discursos, mostrou outra versão de político, ao mesmo tempo a mais original, o que também levou à vitória já na sua primeira candidatura. Havia as pessoas desacreditadas com os seus discursos, sua postura tão séria e próxima ao tratar de política.

-Todos os políticos são iguais, tudo ladrão (dizia Dona Toinha)

-Já eu sinto verdade no que ele diz. Não é possível que não exista um político no planeta disposto a praticar a representatividade do povo. Eu e um montão de gente o colocamos no congresso, vamos ver se ele nos defende naquele ninho de cobra e de fato trabalha (disse um jovem politizado, mexendo na internet).

Olha, Juca não enganou ninguém. No seu primeiro ano de mandato implantou bibliotecas nas praças; Montou feiras culturais pela cidade aos fins de semana; e estava com diversos projetos para a diminuição do desemprego e valorização das classes trabalhadoras mais oprimidas dentro mesmo das comunidades. Não faltava um dia sequer às reuniões do congresso, mesmo sendo devorado pelos outros políticos. Estava firme, na defesa do povo, tanto que abriu mão de vários auxílios para investir em cestas básicas para a população mais miserável. Uma vez por mês realizava reuniões com a população no Bairro do Bigode para discutir os anseios, as ideias e alternativas do povo. Na visão de Juca isso era o certo, não à toa passou a viver para a política sempre junto à população.

Mas era um compromisso árduo, nos bastidores do congresso era como se Juca fosse uma pedra. Amado pelo povo e odiado pelos seus pares, simplesmente por ser o joio do trigo. O sociólogo agora deputado também, andava muito preocupado com a condução contrária na administração pública, sentia muito cheiro de retrocesso. Quando viu estava sozinho nos ideais.

Não viu outra alternativa a não ser lutar pelo certo. A cada subida na tribuna a fala com garras para combater certas reformas da morte. Não ficava calado diante das injustiças e não entendia os discursos antagônicos dos demais deputados. Ficou desapontado, revoltado e violento a cada vez que se aprofundava naquele cenário de gente podre. Tudo pelo dinheiro do povo, nada de real trabalho.

Já na metade do seu mandato, tinha conseguido responder as expectativas do eleitorado em geral, um bom legado construído em pouco tempo. Nenhum indício de corrupção, subia de cabeça erguida sem cinismo à tribuna e fazia o seu papel, na certeza de que estava do lado certo.

-Boa noite, temos uma reforma da morte em votação, explicitamente contra o povo. ( entre muito barulho no congresso) Eu vou falar bem alto para todos e todas ouvirem. Quem faz o Brasil são os trabalhadores de baixo escalão, quem vende comida, assenta portes, limpa a cidade, constrói casas e prédios, asfalta as ruas, a massa está todo dia em busca de sobreviver. É errado trabalhar pela a melhoria de vida da maior parte da população? Seus, seus....aaah uuuuh ( discurso interrompido, Juca começou manobrar todo o seu corpo)

-O que está acontecendo com o deputado? ( pergunta que saiu do meio de gente)

Juca não mais atraía os olhares para o discurso provocante e corajoso, mas agora para uma convulsão manifestada no meio de suas palavras proferidas na tribuna. O sociólogo ao qual levava tudo ao pé da letra, caiu brutalmente no chão e se calou. Do meio da multidão de pilantras, cochichava um ao outro.

-Toma conta da situação. Leve-o para um hospital e dá um fim nesse louco, se possível enterra! Política aqui não é nada do que ele pensa. Que mané “povo”, é tudo nosso!

Gracy Morais

(Juca Aopédaletra, In. Contos de [des]Encantos)