Péssimo com despedidas
G. saiu do banheiro montada nas minhas sandálias, de um jeito que era quase cômico. Os seus pés de número 35, pareciam ainda menores sobre minhas sandálias número 43, e ela andava como uma criança que tentava fingir ser adulta. E isso tudo por que ela odiava andar descalça, ainda mais na casa dos outros. E tendo esse tipo de mania, eu me perguntava como ela suportava andar no meio da minha bagunça, nem que fosse por algumas poucas horas.
- Eu vou embora – Ela disse.
- Para onde você vai?
- Vou voltar pro meu marido.
- Certo.
- O que foi?
- Imaginei que você não fosse ficar muito tempo por aqui. Mas nunca pensei que você fosse voltar pro seu marido.
- Não queira dizer como eu devo viver minha vida.
- Eu não estou dizendo nada. Só me surpreendi.
- É por que você acha que sabe tudo que precisa saber... sempre.
- Bem. Eu sei o que você me disse.
- Pois é.
- Pois é.
G. largou as sandálias e se sentou na minha cama.
- Você está decepcionado, não é?
- Estou um pouco.
- O que você esperava?
- Eu não esperava muita coisa. Mas achei que seria diferente.
- Veja só. Você é um cara massa. É uma boa foda. Tem uma boa conversa. Mas tenho certeza que no fundo você sabe que isso entre a gente não iria durar.
- Eu não estava pensando nisso.
- E no que estava pensando?
- Que você engole muita merda pra estar nesse relacionamento. Não parece certo.
- E quem é você pra dizer o que é certo ou não? Sou eu que sei o que é certo pra mim. E mesmo que eu estivesse enganada, a escolha é só minha.
- Ok. Não precisamos entrar nesse mérito.
- Que bom... Eu realmente não queria ter que entrar mesmo.
Ela começou a juntar as roupas e entulhar dentro da mochila e eu me levantei da cama e fui até o banheiro. Fechei a porta e liguei o chuveiro. Deixei a água correndo e encarei meu reflexo no espelho, tentando segurar minhas lágrimas e minhas frustrações. Não seria dessa vez que eu pedira que ela ficasse.
Desisti de tentar segurar o choro e enfiei a cabeça debaixo do chuveiro e deixei que minha raiva escorresse.
Não sei quanto tempo se passou, mas eventualmente desliguei a água e enxuguei minha cabeça com uma toalha.
Quando voltei ao quarto, G. já estava vestida e com a mochila nas costas.
- Vou pedir um uber – Ela disse.
- Tudo bem.
- Por favor, não leva pra o lado pessoal. Não tem nada a ver com você.
Fiquei com os olhos cravados nos meus próprios pés, tentando manter as palavras dentro da minha boca, mas enfim deixei que tudo escorresse pra fora, como se fosse um tipo de vômito.
- Porra! Você sempre foi minha amiga. Minha melhor amiga. E eu me acostumei a ter a sua presença na minha vida. Até que você caiu na minha cama, e eu acho que caímos um dentro do outro. Mas ai, por algum motivo que eu desconheço você deixou de ser quem era pra ser alguma coisa que eu não reconhecia. Tá. Eu posso ser um cuzão do caralho com minhas ausências. Mas eu nunca sumi por tanto tempo como você fez. Como você está fazendo. E nunca me importou que você estivesse com outra pessoa, desde que eu pudesse ouvir tua voz de vez em quando.
G. ficou calada e guardou o celular no bolso.
- Era justamente esse tipo de coisa que eu não queria ter que discutir.
- Você não precisa dizer nada. Pede teu Uber e vai que está tudo certo.
- Você é um péssimo mentiroso.
- Você é pior. Só que é mais teimosa.
- Sou.
- Pois é.
G. sacou novamente o celular e começou a digitar.
Eu me sentei na cama e comecei a folhear um livro que ela havia me dado.
Hollywood , de Bukowski. O que tinha sido um presente bem apropriado, afinal, tinha sido ela que me apresentara o escritor, quando nos conhecemos.
Não se passou um minuto até que ela dissesse.
- O uber chegou. Ele estava aqui perto.
Tirei a chave do bolso e entreguei a ela.
- Joga na escada quando sair.
- Ok. – Ela disse, pegando a chave e desaparecendo atrás da porta.
Foi melhor assim, enfim.
Eu sempre fui péssimo com despedidas.