ARISTOCRACIA FANTÁSTICA

VILLIERS DE L'ISLE ADAM, 1838/1889, escritor francês simbolista, estilo de tortura lírica, o mestre da LITERATURA FANTÁSTICA. Apesar do conto "Véra" ser tomado por TZVETAN TODOROV, filósofo e linguista russo radicado em Paris, como paradigma de sua concepção de fantástico, esse aspecto é apenas qualitativo e não quantitativo. Os contos ressaltam a classe social de Villiers, a aristocracia - se não aristocracia de sangue, é a nobreza do espírito ou união das duas. O insólito, o absurdo e o maravilhoso transgridem as leis naturais e o personagem sempre nobre serve de pretexto para a vaidade de classe social. Os textos de Villiers se destacam na antologia universal do fantástico. Todorov dá um exemplo para ilustrar sua definição. ----- "Véra e o conde d'Athol, casados, loucamente apaixonados, acertam levar vida isolada do mundo para atingirem juntos o êxtase do amor, em intensidade e duração; mas a mulher morre subitamente. O viúvo dispensa a criadagem, resta o fidelíssimo mordomo, e passa a viver a ilusão de que ela não morreu até que, no dia do primeiro aniversário de sua morte, ela reaparece na alcova (quarto) do casal. Leitor hesita entre alucinação ou fenômeno sobrenatural, decidindo-se pelo segundo após o desfecho: a chave do túmulo de Véra é introduzida concretamente na alcova do solitário aristocrata que se mata em seguida." ----- O gênero fantástico, segundo o crítico, tem a duração efêmera, o tempo da hesitação do leitor. Quando ao final da leitura escolhe uma resposta ou explicação, constata se as leis da natureza foram ou não derrogadas, isto é, anuladas, ele abandona o fantástico e cai fatalmente num dos dois gêneros "vizinhos": extraordinário ou maravilhoso. Portanto, a vida do fantástico dura apenas o tempo da leitura, sem ser uma realidade formal. Na concepção de Todorov, Villiers, do ponto de vista qualitativo, pode ser classificado como autor do gênero fantástico - obra característica como cruel, extraordinária, insólita (incomum), com base no real, enquadramento dentro do possível, tendo como fim o enaltecimento , até romântico, da aristocracia, herói personagem nobre, sendo a sociologia de conto fantástico deste auyor a de ufanismo de uma classe - o nobre de Villiers é sempre generoso, bom, justo, apaixonado, fleumático, bonito, capaz de grandes gestos, mas... infeliz, que é para ter maior grandeza pelo simples fato de ter nascido naquela família. E como remate, esse nobre, sozinho ou acompanhado de um amor, isola-se do mundo, recolhe-se para saborear sua virtudes, não aceitando ideias modernas dos novos tempos. No caso do conto "Véra", o amor desvairado eleva-se à própria vida e ressalta o idealismo, a espiritualidade e a 'finesse' do espírito do casal aristocrata. Necessário alterar as leis da natureza e admitir chaves que atravessam portas tombais ou valorizar atitudes esquizofrênicas ou alucinatórias. // "Duque de Portland" é a estória de um nobre inglês que se isola misteriosamente do mundo, deixando até mesmo a corte e a Câmara dos Lordes, porque contraíra, e disso guarda segredo, uma lepra antiga, a Lepra-Seca, e sem remédio. Contraiu em visita a uma gruta numa das suas viagens ao Oriente, onde vivia o último desses doentes - em atitude de grande fidalgo, num segundo de bravura apertara-lhe a mão. Aqui, não componentes fantásticos e sim o insólito: estranha descrição da contaminação imediata de uma doença cuja incubação na realidade dura mais de dois anos - há sobretudo a valorização aristocrática do personagem. // O conto "Uma cartada singular", inserido em "Estórias insólitas", é obra prima da utilização da elipse (omissão do que é subentendido) num texto literário do século XIX, com a finalidade de ressaltar um aspecto tido como componente obrigatório da nobreza, ou seja, o sangue frio, a fleuma, mesmo em face dos acontecimentos mais estranhos possíveis. O conto é praticamente uma grande elipse: a duquesa de Kériéanor, retirada no seu solar bretão, leva uma vida rígida em piedosas práticas, simplicidade linear. Sem receber visita alguma, a não ser de religiosas e camponeses que a servem em sua solitária região, ela quase todas as noites, entre 8 e 10 horas, senta-se para uma partida de 'whist' (jogo de cartas anterior ao bridge) com o abade Lebon, cujo presbitério não fica longe, e um fidalgo provinciano, despojado e pobre, que vive em modesta acomodação, tipo pombal, nas cercanias da morada nobiliárquica. Numa noite, numa bela jogada, o religioso nobre deita enfaticamente um 10 de paus sobre a mesa, que resvala e cai ao chão - os homens se abaixam para pegá-la, à luz do candelabro, e notam juntos algo de anormal na superfície da mesma; boquiabertos, tentam esconder o assombro, mas a duquesa que também notou o acontecimento, pronuncia um "E dizer que nós jogamos com isso há tantos anos!" - chama uma criada e manda jogar na lareira todo o baralho e conclui a noite com: "Meus cumprimentos, Cavaleiro, o senhor nos fez uma bela jogada esta noite!" E o leitor sem nenhum esclarecimento sobre o ocorrido com as cartas... // Essa valoração do caráter positivo da aristocracia não se limita a passado ou presente, e projeta-se para o futuro. "A Eva futura" não é um conto, mas narra a estória de um sensacional autônomo (robô) feminino construído por Edison, que imita o corpo humano com todas as qualidades da alma - aristocracia ou nobreza de espírito. // O conto "Claire Lenoir", da antologia "Tribulat Bonhomet", ilustra bem essa intenção - Tribulat, o protótipo "acabado" do burguês metido a sábio, senhor do discurso científico, vê todas as suas crenças abaladas por uma participação concreta de um morto no mundo dos vivos - ao longo da narrativa, clara a oposição entre este grotesco personagem e a nobreza de caráter do casal Claire e Césaire Lenoir, principalmente pela fineza filosófica de Claire. Bonhomet é vencido e termina o conto de cabelos arrepiados. Aqui o fantástico ou o insólito tem função pedagógica de enaltecer a aristocracia de nome ou a de espírito - o ideal para o autor é unir os dois níveis. // Villiers, nobre de alta estirpe, ancestrais espolidos na Revolução de 1789, pobre, mas de brilhante inteligência e aguçadíssima sensibilidade, criador inesgotável de também estórias orais, se não pôde manter a aristocracia no sangue, defendeu-a exaustivamente Sua bibliografia não exclui o fantástico, o extraordinário, o misterioso - rápido olhar sobre seus trágicos amores de juventude, busca de celebridade, pretensos casamentos com ricas herdeiras estrangeiras, candidatura ao trono vacante da Grécia, deputado em Paris, amizade com Baudelaire-Wagner-Mallarmé e outros, seu reacionalismo, participação na Coluna, contestando progresso, tecnologia, poluição, publicidade e todas as revoluções, sua liderança espiritual no jovem movimento simbolista, a alternância de miséria (às vezes escrevia no chão por falta de mesa) e, finalmente, seu casamento "in extremis" com sua própria criada, com quem tinha um filho, para perpetuar seu nome. No caso de Villiers, autor e obra profundamente relacionados, vida e ficção não se excluem; Verlaine o incluiu na sua edição de poetas malditos.

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FONTE:

"Aspectos sociológicos de alguns contos de V. L. Adam", artigo de SIDNEY BARBOSA - SP, Revista de Letras, UNESP, v. 22, 1982.

F I M

Rubemar Alves
Enviado por Rubemar Alves em 17/11/2019
Código do texto: T6797163
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