Pé-de-vento
A vida seguia seu curso. A colheita de 1938 havia sido a melhor de todas até então. Deolinda estava sempre às voltas com os nascimentos que não cessavam, tinha um carinho todo especial com o afilhado José, mas encantava-se também com a pequena Lia que, próxima de completar um ano, já trocava seus primeiros passinhos. Maria Assunta aparecia às vezes quando seus recursos minguavam, trazia a filha Mariinha que já caminhava e sabia falar palavrões, esperava para almoçar e pedia tudo que via. Continuava bonita e subsistia da mendicância e de seu comércio pecaminoso.
O cachorro Tranquilo perdera a visão e seus dentes estavam caindo, uivava enquanto dormia como que atormentado por sonhos ruins. Deolinda, compadecida do pobre animal, garantia-lhe o angu e uma cama macia. Paçoca, bem mais jovem do que o companheiro, continuava vigilante. Foi ele que numa noite daquelas deu em cima de um invasor no galinheiro. Despertado pela latomia, João correu munido de um facão até onde o cachorro estava, mas só pode ouvir o barulho de mato quebrando na direção da grota. Pelo jeito era bicho grande.
Na manhã seguinte Maria José encontrou no cercado das galinhas um grande chapéu de cambaúba, todo esfiapado. João quando viu o objeto achou muita graça. havia desvendado o mistério do assalto ao galinheiro. À tardinha saiu a passear com o pequeno José e levou consigo o chapéu. Foi até os Córregos, chamou em casa de Osíris que veio de lá com a cabeça descoberta e os pés descalços, sempre segurando a calça frouxa que teimava em cair:
—Boa tarde, Sô João! Cumé que vai o sinhô? Dona Maria José tá boa?
—Estamos bem, Osíris. E vocês ai?
—Vamos ansim, ansim, conforme Deus manda. O sinhô sabe.
—Encontrei esse chapéu lá dentro do meu galinheiro. Por acaso é o seu?
—Óia! Num há de vê que é o meu, sô! Foi aquele pé-de-vento de onte à tarde. Me arrancou o chapéu da cabeça.
Pegou-o e ajeitou na cabeça:
—Tava me fazendo farta. Muito agradecido, Sô João!
Pé-de-vento! Não houvera pé-de-vento algum.