MAMÃE NOEL, DE BURCA

Mamãe Noel sentia a burca incomodar. O pano estava pinicando desde cedo devido ao calor… Papai Noel prometera uma vida de neve… Bolas de neve, guerras de bolas de neve, sorvete… e até mesmo açaí – sempre que passassem pelo Brasil – mas Papai Noel era apenas mais um marido gorducho cheio de fama, preguiça e promessas… muitas vezes pensando tanto em si mesmo que ignorava a mulher de burca vermelha, sentada sozinha na cozinha. Mamãe Noel foi ao banheiro e fechou a porta… retirou toda a burca, assim como toda a roupa. Os cabelos brancos e longos escorreram pelos ombros também brancos, idosos… Olhos azuis ainda se destacavam. “há quanto tempo sou velha assim? Já não sei...”, sussurrou se perguntando.

O mundo não mudou… Papai e Mamãe Noel viveram tempo suficiente - a mais do que os “normais” - para saberem que tudo na vida se resumia a um jogo… Um vai e vem de acordo com a conveniência das pessoas. Papai Noel pôde, há centenas de anos atrás... tratá-la mal, e surrá-la sempre que quisesse… e ele podia fazer isso com ela ainda hoje… Só que não fazia e nunca fez. Mamãe Noel usava a burca pra se lembrar de suas origens. O “bom velhinho” fazia jus ao nome como um marido carinhoso e amoroso. Porém o tédio da idade tomara conta dos dois.

O Bom Velhinho andava frustrado. A crise dos brinquedos estava sendo BEM PIOR do que durante a revolução industrial e outras crises. Eram cartas e mais cartas, milhares… lhe pedindo tablets, celulares e computadores de última geração… Games de luta, jogos de tiro, armas de brinquedo. “eu não faço essas… COISAS!”, ele reclamava em voz alta, sozinho na oficina. As renas dormiam exaustas... todos os duendes morreram de velhice ou tristeza. Mamãe Noel se ajoelhava em frente a porta da oficina enquanto o marido trabalhava e bradava sozinho. Ela rezava por horas… sem parar.

Durante a noite, ainda estando muito quente... eles se deitavam numa cama velha, sem travesseiros e sem cobertores. Vestindo dois pijaminhas listrados, tão velhos quanto eles mesmos… Se deitavam de conchinha abraçados... se cheirando e apertando os olhinhos de tanto carinho e amor. Conseguiam até sorrir nessas horas.

“vai melhorar”, ela dizia de olhos fechados… “vai melhorar”, ele repetia com lágrimas nos olhos. “Só precisamos dormir… acordar… resistir...”. Riam sem achar graça. Na verdade era a felicidade de saber que estariam sempre juntos nas eternas jornadas de natal. Mesmo que ninguém mais acreditasse que eles fossem reais. E na verdade, sua jornada durava o ano inteiro… eras vidas inteiras. Vidas sem fim. “vai melhorar...”. E eles se abraçavam e se apertavam ainda mais. “Vai melhorar, vai melhorar...”.