Sem arrependimentos

Danusa fechou a porta do seu apartamento e tomou as escadas do prédio. O sol do meio dia feriu seus olhos e ela abriu a bolsa, tirou seus óculos escuros e os colocou no rosto. Bem melhor assim, apesar de não dar pra fazer nada a respeito do calor de dezembro, e com o sol que insistia em lhe queimar a pele.

Seguiu andando e ouviu as crianças do prédio brincando e gritando, alheias a qualquer tipo de problema. Teve inveja delas por isso. Mas resolveu tentar não pensar mais, para não chorar. Era difícil se acostumar a ser sozinha depois de tanto tempo. Mas ela estava tentando. Desde que o seu relacionamento tinha acabado. Desde que havia descoberto as traições. Desde as perdas de tantas pessoas importantes em sua vida, ela sentia que pouca coisa tinha lhe restado pra dar sentido em continuar andando. Mas ela andava, mesmo que só por teimosia.

parou no ponto de ônibus e esperou, tentando se esconder no pouco de sombra que existia atrás de um poste. Quando a sua linha passou, ela deu a mão e subiu. Cumprimentou o cobrador e passou pela catraca. Havia apenas um lugar vazio, e ela se sentou agradecendo por isso.

Ficou com a cabeça encostada na janela, vendo as ruas e postes passando, e as pessoas vivendo suas vidas do lado de fora. Ela só queria viver um pouco. Queria viver algo que durasse e que fizesse sentido. E não sentir esse buraco vazio se abrindo no peito. Ela muitas vezes queria gritar e enlouquecer um pouco. Deixar o pânico tomar e sair correndo, só pra acordar em algum lugar distante. Talvez estar sob controle fosse exatamente o problema. Mas ela se agarrava ao que tinha sobrado de calma. Se agarrava às lembranças, que iam amarelando feito fotografia, mas ainda assim pareciam mais vivas que ela.

O ônibus parou no sinal e um garoto gritou da rua, oferecendo pipoca.

- Vai uma pipoca, moça bonita? Só cinquenta centavos. Tem doce e salgada.

Sorriu pela primeira vez no dia. E deu uma moeda ao garoto.

- Me dá uma doce.

O menino se esticou e deixou a pipoca na sua mão.

Danusa abriu o pacote e começou a comer.

Tudo pareceu um pouco melhor com algo doce na boca.

O sinal abriu e o ônibus voltou a andar.

O vento entrou pela janela, espalhou os seus cabelos e Danusa teve que prendê-los com uma presilha.

O ônibus então parou num ponto e algumas pessoas subiram.

O estômago de Danusa pareceu se encher de pedras de gelo, ao ver quem estava passando pela catraca.

Era uma pessoa que com certeza não faria questão de ver.

A mulher com quem o seu ex-namorado a havia traído. Ela se desvencilhava da catraca e soltou um sorriso malicioso ao perceber que Danusa estava sentada logo a sua frente.

Um sorriso que denotava maldade e veneno, de quem sabia o que estava fazendo. De quem queria ferir, de quem queria ver a dor do outro. De fato aquilo a feria, mas Danusa simplesmente voltou a comer sua pipoca e olhar para o lado de fora da janela.

A mulher seguiu aos risinhos e veio andando lentamente, até parar ao seu lado e murmurar.

- Olha só que rapariga.

Danusa ignorou. Apertando as unhas contra as palmas das mãos.

- Olha pra isso. Além de puta, é surda. – Continuou.

E então quando outro passageiro se levantou, a mulher sentou-se numa cadeira que ficava logo à frente de Danusa.

O ônibus voltou a andar, e a mulher continuava entre risinhos, mexendo no celular.

Não demorou muito, para que ela se levantasse e pedisse parada.

Antes de ir embora, a mulher soltou uma última graça.

- Pode ficar tranquila que não tá faltando nada pra ele, viu?

E seguiu até a porta traseira.

Danusa respirou fundo e esperou o ônibus parar no ponto.

A mulher gritou lá trás.

– Vai descer.

Antes que a porta se abrisse, Danusa se levantou e andou até o fundo, sem que a mulher percebesse. E quando ela ia descer, acertou as suas costas com o pé, de forma que ela caísse sobre a calçada.

Sem demonstrar muita emoção, Danusa desceu as escadas do ônibus e parou do lado da mulher estatelada.

Quando ela olhou para cima, para tomar pé do que estava acontecendo, Danusa segurou firme na base dos seus cabelos e bateu o seu rosto contra a calçada apenas uma vez.

- Quem é mesmo que é rapariga aqui? – Falou.

E a mulher a olhou, com desespero nos olhos, e com sangue escorrendo do seu nariz e lábios. Não conseguiu dizer nada.

- Imaginei. – Danusa falou.

Deixou a mulher no chão, entre lágrimas e seguiu andando. Afinal, tinha descido três pontos antes de onde desceria normalmente.

Apesar do sol e do calor, não se arrependia.

Na verdade, se arrependia de muito pouca coisa nessa vida.

Rômulo Maciel de Moraes Filho
Enviado por Rômulo Maciel de Moraes Filho em 08/11/2019
Código do texto: T6790292
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