DESTINO FINAL.

- Senhor - disse o mordomo - o seu vestido de púrpura novo está pronto, deseja usá-lo agora?

- Sim, prepare-o agora mesmo, tenho um encontro com alguém muito importante em frente ao templo.

O mordomo ajeitou os trajes de seu senhor, o linho finíssimo, as essências aromáticas, aprontou a sua carruagem. Enquanto o seu senhor banhava-se, o mordomo observava do alto da janela da mansão certo mendigo aproximar-se. O mendigo chamava-se Lázaro, era costume seu vir até a mansão daquele rico comerciante para alimentar-se das migalhas que o mordomo jogava pela janela, como sempre fazia, o mendigo sentou-se na lateral da entrada da mansão, aguardando se receberia migalhas, ou qualquer outra coisa para comer.

O rico terminava de se arrumar, o mordomo pegou os resto das migalhas e as jogou para Lázaro.

- Vamos, disse o seu senhor, tenho pressa. O que você está fazendo aí na janela?

- Jogando as migalhas para Lázaro meu senhor.

- Esse maltrapilho novamente, olhe só para ele… Olhe… Veja… Tendo que dividir com os cães o que você jogou.

- Meu senhor, ele está muito ferido, veja as chagas em seu corpo, não é melhor ajudar esse pobre homem.

- Nem pense nisso, estou atrasado, ele que morra junto com os cães, será um problema a menos.

O rico montou em sua carruagem suntuosa, uma das mais belas da região, com belíssimos cavalos. O mordomo passou pela porta principal da mansão, parou um pouco a frente, desceu para fechar os portões. Lázaro estava caído, gemendo de dor, todo sujo, sangrando. Os cachorros lambendo-lhe as feridas. Vendo a cena, o mordomo compareceu-se de Lázaro, desejava ajudá-lo. O rico percebendo a demora do seu empregado, vendo que ele se aproximava do mendigo, censurou-o, chamado-lhe a atenção.

- Deixe que morra, vamos logo, não tenho a manhã toda.

O empregado subiu na carruagem, seguiu rumo ao seu destino, ao lado do Palácio de Herodes, na cidade alta. O tetrarca idumeu figurava em seus primeiros anos de reinado, e desejava fazer negócios com aquele rico comerciante. Designou alguém para negociar com ele.

Seguiram rumo a Jerusalém.

O templo estava movimentado naquela manhã, nos arredores do templo bem como dentro dele, havia todo tipo de comércio, animais para o sacrifício, vestes, essências aromáticas, temperos, amuletos, e tudo mais que se possa imaginar. Os próprios sacerdotes eram coniventes com o que acontecia, faziam vistas grossas, por vezes, recebiam propinas. O rico e o seu mordomo ficaram no pátio do templo, aguardando o negociante do tetrarca aparecer. Enquanto aguardavam, sacerdotes acompanhando o sumo sacerdote passaram em frente aos dois. O mordomo ficou admirado com a veste do sumo sacerdote, o rico, percebendo a admiração de seu empregado, questionou-o.

- Qual o motivo de tanta admiração?

- Veja, no peitoral, aquelas pedras, qual o significado?

- São doze pedras ali, cada uma para uma das tribos de Israel, a primeira, Carbúnculo, tribo de Zebulon. Depois, Topázio, tribo de Issacar. Sardio, Judá. Diamante, Gade. Safira, Simeão. Esmeralda, Ruben. Ametista, Benjamim. Ágata, Manassés. Jacinto, Efraim. Dez, Jaspe, Naftali. Onze, Ônix, Aser. A última, Berilo, Dã. Essas são as doze tribos de meu povo.

- Belíssimas meu senhor, na minha terra não existem tais coisas, minha cultura é muito diferente da de vocês, lá, na minha terra, adoramos muitos deuses. Como conheceis tanto? Eras um deles?

Antes que respondesse, o rico avistou o negociante aproximar-se. Foi ao encontro do misterioso homem, deu sinal ao mordomo que aguardasse ali mesmo.

Passados certo tempo, o misterioso homem afastou-se, o rico aproximou-se do mordomo, sorriso no rosto. O moço conhecia bem quando seu senhor era favorecido em algum negócio de ilegalidade, aquele não foi diferente.

Ambos voltaram para sua mansão logo em seguida, o rico alegou ser um dia muito cansativo, e desejava repousar o resto da tarde.

Aconteceu que, ao chegar nos portões de sua mansão, notou que Lázaro ainda estava lá, no mesmo lugar, caído. O mordomo admirou-se, pois não era do costume de Lázaro ficar tanto tempo assim na porta do rico. Parou a carruagem, desceu, foi ao portão, Lázaro nem se mexeu, parecia morto. Abriu o portão, antes de subir na carruagem foi verificar se estava tudo bem com Lázaro. Foi quando tomou um tremendo susto, Lázaro estava morto…

Correu na carruagem, avisou o seu senhor do acontecido, que nem ao menos deu importância, pediu apenas que depois levasse o corpo para fora da cidade para ser queimado. O mordomo entristeceu-se com a arrogância do seu senhor. A tanto tempo que conhecia Lázaro, dando-lhes as migalhas, e agora morto, nem ao menos teve sentimentos.

Mas o dia daquele rico também estava marcado, e naquela mesma noite, enquanto esbanjava-se em um suntuoso banquete, engasgou-se, tentou chamar o mordomo, foi em vão. O Rico também faleceu…

Abriu os olhos, escuridão…

'Onde estou'.

Sombras monstruosas e diabólicas surgiram, agarrando-o, acorrentaram suas mãos e pés…

'Gritos de desespero'.

Escuridão…

As sombras desceram o abismo profundo, parecia não ter fim...

De repente, o jogaram em uma cela feita na rocha. Tiraram-lhe as correntes, o lugar onde estava tinha um cheiro insuportável de carne podre e queimada, havia mais celas, gritos e desespero, foi quando percebeu, chamas ardentes surgirem na cela, queimando sua carne, que caía aos pedaços, expondo os ossos, depois crescia, e novamente o fogo as devorava…

'Estou no inferno', disse.

No inferno, em tormentos, levantou os olhos, ao longe, viu Abraão e o mendigo que ficava em sua porta, Lázaro, ao lado de Abraão, de vestes brancas como neve.

Então, clamando, disse:

- Pai Abraão… Tem misericórdia de mim! E manda a Lázaro que molhe em água a ponta do dedo e me refresque a língua, porque estou atormentado nesta chama.

Disse, porém, Abraão:

- Filho, lembra-te de que recebeste os teus bens em vida, e Lázaro igualmente, os males; agora, porém, aqui, ele está consolado; tu em tormentos. E, além de tudo, está posto um grande abismo entre nós e vós, de sorte que os que querem passar daqui para vós outros não podem, nem os de lá passar para nós.

Disse ele então:

- Rogo-te, pois, ó pai, que o mandes à casa de meu pai, porque tenho cinco irmãos; para que lhes dê testemunho, a fim de que não venham eles também para este lugar de tormento.

Disse-lhe Abraão:

- Têm Moisés e os profetas; ouçam-nos.

Respondeu ele:

- Não! pai Abraão; mas, se alguém dentre os mortos for ter com eles, hão de se arrepender.

Abraão, porém, lhe disse:

- Se não ouvem a Moisés e aos profetas, tampouco acreditarão, ainda que ressuscite alguém dentre os mortos.

O rico então começou a chorar desesperadamente, enquanto sua carne era queimada, caía, crescia, caía novamente... Na mente vinham como flechas flamejantes todo pensamento, lembranças, de tudo quanto fez de ruim, das falcatruas, roubos, enganos, de toda maldade que fez, de tudo quanto poderia ter feito de bom e negou em fazer, a exemplo de Lázaro. Era tarde demais para ele, o inferno, era o seu destino final.

Tiago Macedo Pena
Enviado por Tiago Macedo Pena em 06/11/2019
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