O ANDARILHO NOTURNO.
Primeiro cápitulo:“Entre para um chá. – Disse a aranha para a mosca”.
Ao começar a ler essas turvuosas palavras, deste escritor amador, peço que desde o início tente me ver como alguém que poderia lhe ser conhecido. Um vizinho, um colega de trabalho ou até quem sabe mais próximo de você... Como um amigo. Um amigo que não se vê com tanta freqüência, mas que ainda assim faça parte de sua vida. Peço também que tente não me condenar logo de princípio, pelo menos não antes de terminar toda a história. E acredite, você irá me condenar.
Mas para me compreender melhor eu devo lhe familiarizar um pouco com meu passado, na verdade com minha infância, que é a fase em que mais sofremos influência em nossas vidas. Mas irei começar mesmo são com meus pais, pois acredito que essa parte, antes de nossa existência, afeta de algum modo nosso modo de ser.
Minha mãe era, e continua sendo, uma mulher que nunca teve medo do trabalho. Na realidade ela possui uma necessidade de sempre estar em movimento. Seu lado espiritual é tão intenso quanto seu caráter, creio que nunca a vi perder sua fé alguma vez... Sei que ela teve que sair de casa cedo, devido ao seu padrasto, que foi o único avô que tive, apesar de isso não significar absolutamente nada. Sei que ela passou fome e muitas dificuldades por minha causa e isso mostra o quanto forte ela é, pena que não herdei essa sua força. Quanto ao meu pai não posso dizer muito. A última vez que o vi eu tinha seis anos e só me recordo do último encontro que tive com ele em uma pequena lanchonete, de sua cor de bronze de praia, da sua barba negra e cheia... E de uma moto. Sei que ele possui uma esposa e mais quatro, ou cinco filhos (meio vago, não?) e que a primeira se chama Joana, em homenagem a ele. Eu nunca conheci meus irmãos e do mesmo modo como eu nunca o procurei ele também nunca me procurou. E já se passaram trinta anos, o que quer dizer que não o vejo a vinte e quatro anos de minha vida. É algo comum eu sei, dá até vontade de rir, mas tenho que dizer que minha mãe contribuiu com essa parte, ela realmente fechou o caminho dele até mim, como toda mulher magoada faz. Mas nunca a condenei por isso, e nem poderia. Afinal de magoa eu sei bastante e de como uma ferida assim pode nos levar a cometer atos tolos, egoístas, imperdoáveis e até cruéis. Mas assim eu já estou me adiantando, então me direcionarei a falar de minha infância. Eu morava com minha tia, mais meus dois primos e minha mãe. Lembro que minha mãe trabalhava enquanto minha tia tomava conta da casa. Eu era o caçula, o que não me ajudou muito em meu crescimento emocional. Mas não irei falar sobre minha tia e nem sobre meus primos, direi rapidamente que por ser o mais novo, apesar da casa ser cheia, eu me sentia sozinho. Na realidade esse sentimento me acompanhou por minha vida inteira. Tive muitos brinquedos e alguns amigos, mas inevitavelmente sempre me senti sozinho.
Não era um aluno muito dedicado, na realidade odiei todos os colégios em que estudei. É... Foram muitos colégios. Na verdade eu tive uma mudança muito drástica quando saí de onde eu cresci e vivi até meus seis anos, para morar em um outro Estado completamente diferente, em uma Cidade pequena e atrasada. Atrasada até os dias de hoje...
Depois disso minha família se mudou de bairro em bairro e juntamente fui colocado de um colégio a outro. Acabei me acostumando a não fazer mais amigos, pois quando os conhecia eu tinha que me despedir em seguida deles. É difícil para uma criança não ter opinião de sua própia vida, e isso foi algo que fez com que me tornasse quem sou hoje. Como comentei no início, a infância é a época em que mais sofremos influências, seja de pessoas ou das casualidades da vida.
Minha adolescência... Bem. Foi uma experiência que realmente não gosto de recordar. Me surpreendo ter conseguido chegar tão longe vivo, mas não inteiramente completo. Muita coisa dentro de mim foi quebrado aos poucos, alcancei a maior idade com muitas perdas de mim mesmo, rachaduras em minha personalidade e uma cabeça transbordando de pensamentos ruins. Não estou dizendo que sou uma má pessoa, mas sim, devido a tudo que passei, carrego comigo uma coisa que dá medo. O que posso dizer? Há dias que me sinto mais próximo do Diabo do que de Deus.
Não preciso mencionar sobre a minha solidão, e nessa época eu sentia realmente o peso disso, e de como tive meios condenáveis para tentar suprir ou preencher o vazio que me queimava por dentro. Como não tinha com quem falar tive que aprender a sufocar a dor que eu sentia. Agora penso como eu consegui sobreviver tanto sem enlouquecer no caminho. Ou talvez eu tenha ficado, pois um louco não sabe quando é louco, mas isso você poderá concluir depois por conta própia.
Deve estar, nesse momento, se perguntando se não estou sendo exagerado ou pensando que sou dramático demais. Mas vou lhe dizer algo que aprendi bem cedo... Minha reação jamais será igual a sua, nem meu grito, nem meu rugido nem a minha dor, mesmo que tenhamos passado pelo mesmo maldito abismo no mesmo dia e na mesma hora. Cada um sabe o que sente e cada um possui seus própios limites. Ninguém possui a mesma armadura e há aqueles que nasceram para ferir e há os que nasceram para serem feridos. É a nossa cadeia alimentar urbana.
Durante toda a minha vida eu nasci para ser ferido, então após o ápice de todo meu tormento inacabável eu tomei a decisão de ser o que fere. Decidi ser o monstro e não mais a vítima. Só que para você entender como pude chegar a esse ponto terá que ir até o fim do livro, me acompanhado e vendo o mundo pelos meus olhos. É agora em que lhe aviso se quer prosseguir nessa jornada em que a moral e o que é certo perdem o sentindo, ou se prefere fechar esse livro e mudar para outro, um que fale de algo mais agradável, ou mesmo que seja de terror, mas tenha um final feliz ou plausível. Pois a minha história não possui nada de belo ou de gratificante. Não é um livro de prateleira, e sim, uma confissão de um crime hediondo e inaceitável. É um livro sobre vingança, sobre a ausência da piedade e como uma pessoa pode perder sua humanidade completamente.
Agora se você está lendo essas palavras é porque decidiu atravessar a porta que lhe mostrei. Seja bem vindo, ou bem vinda. Saberá agora do que um ser humano é capaz e de até onde ele pode ir para saciar seu ódio e sua dor.
“Dor, dor e dor... E todo meu rancor”.
Como você já sabe um pouco sobre meu passado irei para o ínicio de onde tudo começou. O dia em que acreditei que tinha encontrado o amor verdadeiro (afinal nenhuma história é realmente boa sem ter amor) até aquele triste e terrível agosto negro. Aquela manhã que jamais saiu de minha mente.
Mas antes vou apresentar-me a você, meu novo amigo, ou amiga. Não com meu nome verdadeiro, pois não tenho mais direitos sobre ele, não depois do que me tornei. Me chame de Sandoval, somente de Sandoval. Apesar de antiquado eu sempre gostei desse nome. Então irei usá-lo para você ter como me chamar. E para quando for a hora de me condenar...
Lembro-me bem daquela noite, na realidade recordo-me do dia inteiro. Foi naquela manhã que tinha decidido me matar e estranhamente, em vez de uma carta, como é de um certo costume, eu resolvi escrever uma lista com nomes de pessoas que eram importantes para mim e visita-las para me despedir sem que soubessem do que viria em seguida. À noite eu estava indo visitar uma amiga, na realidade mais uma mulher de meu passado, seu nome era Marta, e digo “era” porque não somos mais amigos. Foi próximo a casa dela quando ouvi meu nome ser gritado por uma voz de garota, vindo do alto de uma janela do quarto andar de um edifício que me assombra até hoje:
- Sandoval... ! É o Sandoval... ! Hei! Não saia daí que vou descer...
Sinceramente não fazia a menor idéia de quem era e para ser franco não sei por que fiquei esperando. Até hoje me arrependo de ter ficado parado em vez de ter seguido adiante. Mas há um outro momento em que me arrependo ainda mais do que esse.
Minutos depois saindo do prédio vejo uma jovem magricela, alva como leite, correndo a toda pressa em minha direção. Eu levei alguns segundos antes de reconhecê-la. O nome não importa, realmente não importa! Nem o fato da irmã mais velha dela estar presente... Nada desses detalhes importam. Somente uma pessoa que estava mais atrás, após os abraços e gritinhos estéricos, é que devo mencionar. Uma jovem de quatorze anos, mas com corpo de mulher. Admito que a principio ela não me chamou muita a atenção, até por que naquela noite, nada poderia me impressionar mais. Mas acabei subindo em vez de ir visitar a minha amiga, afinal acabava de ter encontrado duas pessoas que não tinha colocado na minha lista, pois havia perdido contato com elas. Naquela noite, parecia ser destino, pensei realmente nisso. Lembro-me que conversamos por poucas horas, depois todos desceram para o ponto de ônibus e minha amiga gritalhona e sua irmã foram embora com seus amigos. Restaram a jovem que mencionei antes e sua prima de consideração. Uma baixinha branquela de óculos e sorriso frouxo. Eu, por educação, as acompanhei até o edifício, que no caminho soube que era da jovem que se chamava Natália. A sua amiga era quem mais falava, e de modo rápido, ela era agitada, elétrica. Natália somente ficava calada e perguntava às vezes alguma coisa, mas era calma e não me olhava nos olhos. Após uma caminhada curta estávamos no portão do edifício. Ainda conversamos na entrada do prédio por algum tempo, então, antes de partir e das despedidas casuais a Natalia disse em alto e bom tom, pouco antes de me virar e ir embora:
- Quando você quiser aparecer, é só vir, ta? Meu nome é Natália e vê se não esquece.
Infelizmente eu nunca esqueci... Foi nessa noite que o destino decidiu brincar comigo e me destruir de todas as formas possíveis. Ou talvez tenha sido Deus em um segundo de tédio. Eu devia ter entrado na casa de minha amiga e ter terminado o que tinha planejado naquela manhã. Seria mas fácil, menos doloroso, menos humilhante e ainda partiria daqui mantendo minha humanidade intacta. Seria um pecado terrível, mas seria leve se comparado ao que fiz depois. Apesar de não ser possível me arrepender de nada.
Monstros não possuem remorsos. Monstros só devoram, são para isso que eles existem, são para isso que eles são criados... Eu só me pergunto, por quem?
No dia seguinte, após uma noite mal dormida, fiquei pensando em meu plano e de como seguiria minha lista, quando o telefone tocou logo depois de ter tomado meu café da manhã, o que aconteceu lá para o meio dia. Ao ouvir a voz do outro lado da linha eu gelei. Era uma voz que tinha me acostumado a não mais escutar.
- Sandoval?... Sou eu... Carmem... – A única coisa que eu pensei na hora foi que eu era um amaldiçoado. Fiquei surpreso ao saber depois que realmente eu sou.
- Eu sei que é você, moça... Reconheci sua voz. O que manda?
Antes mesmo de ela falar eu já sabia que era coisa que não prestava, ela só me procurava quando não tinha mais ninguém. Por que eu a respondia em vez de mandá-la pastar? Bem... Pode ter sido falta de amor próprio, ou só a solidão que me açoitava sem cessar, mas a verdade é que eu não sei. Eu acreditava que eu a amava, mas sempre pensamos isso de alguém que mexe demais com a gente até depararmos com o amor de verdade. Aí tudo se torna claro como água cristalina, como um fino vidro perfeitamente trabalhado... Como só a verdade pode ser. Mas em alguns dias ela não mais conseguiria me alcançar, e nem me machucar novamente, uma outra pessoa teria esse papel, e ela interpretaria de forma graciosa e implacável. Uma linda jovem de quatorze anos e corpo de mulher seria meu algoz, após me enganar fazendo-me acreditar que alguém nesse mundo poderia me amar. Engraçado, normalmente a fé é a chama que nos mantem vivos perante as dificuldades e atrocidades da vida. Para mim a fé de dias melhores foi a minha ruína, a fé de que um dia eu conheceria o amor foi minha facada íntima em minhas costas... Eu tinha que saber, estava na minha frente o tempo todo. Sempre esteve. Ninguém pode me amar... Ninguém. Mas não quis acreditar nisso.
- Liguei para saber como você está... Nunca mais nos falamos... – Essa era a idéia.
- Me conta como você vai... O que anda fazendo?
- Estou vivo... – Uma resposta chavão minha. – Mas ainda caminhado...
- Não gosto quando você diz isso... – Tinha mais alguma coisa na voz dela, isso era algo que sempre me incomodava, eu sempre sabia o que ela estava sentindo, por mais que tentasse esconder, eu percebia. Escondido na voz dela dava para sentir algo de ruim. Caramba... Vendo isso agora, eu realmente era um idiota muito burro mesmo.
- Carmem... ! O que houve? Dá para perceber que não está bem... Quer conversar?
(idiota estúpido).
- Eu nunca consigo esconder nada de você, não é? (como se quisesse).
- Não... Quer que eu te encontre debaixo do seu prédio? Posso ir à noite, depois das dezoito horas... O que acha?
- Vai ser ótimo...
- Ta combinado então... Até mais tarde.
- Até.
Pode dizer... Sou um idiota de primeira ou não sou? E ainda piora. Mas para você compreender sobre essa pequena novela de Carmem é preciso saber sobre o que houve entre nós. Farei isso como um resumo de um Conto.
“Quando o jovem e fodido Sandoval conheceu a dançarina e sensual Carmem, foi na época em que ela tinha seu coração pertencente a outro, um homem chamado Brutos... Dizendo assim parece a velha e tradicional história, não é? Sandoval que ama Carmem que ama Brutus que... Bla, blá e blá. Porem, diz a lenda, que Brutos não a amava e sim que possuía sentimentos de posses por ela. Ele também era casado e tinha sua própia família. Também parece bem tradicional essa parte. Mas a lenda também diz que Brutos utilizou de meios de magia negra para possuir a Carmem em todos os sentidos. Ele quase conseguiu exatamente o que queria, mas foi o quase que fez tudo ser pior que deveria. Como ela não aceitava ser sua amante e de servi-lo quando ele desejava assim ser, Brutos, com seu amor devorador fez de tudo para que a sensual Carmem não tivesse nada em sua vida e nem ninguém. Ele tentou destruí-la para que assim pudesse ser seu salvador. E quase conseguiu. Em que o pobre Sandoval foi se meter, hem?
A Carmem se apoiou no tolo Sandoval por desespero e esperanças de se livrar de seu amor impossível, já que para ela, era amor verdadeiro, algo que saberia mais tarde que não. Mas o mais tarde é sempre tarde demais. Quanto a Sandoval, que nunca teve ninguém em sua vida, e somente andou com prostitutas e mulheres vadias que não valiam nada, se encantou com a dançarina sensual. E o irônico é que ele nunca a viu dançar. Contudo isso não vem ao caso... O importante é como Carmem usou os sentimentos de Sandoval, mesmo que não sendo por más intenções, e de como isso foi a primeira vez que ele conheceu a intensa e perturbadora dor que um coração pode sentir. E de como se pode morrer apesar de ainda permanecer vivo. O que Sandoval fez? Imagine só, ele escreveu. E escreveu até não poder mais. Em um caderno simples, escrito a lápis, está um mundo inteiro que se formou em sua mente. E isso o ajudou a não enlouquecer... Pelo menos dessa vez.
A novela durou uns cinco anos, com intervá-los longos e intermináveis e quando ele começava a esquecê-la ela surgia para enterrá-lo novamente. Por que Sandoval permitia isso acontecer? É por que em uma ironia do destino, sempre quando ela aparecia era justamente quando mais ele estava se sentindo sozinho e triste. E para quem sentiu solidão, alguma vez em sua vida, sabe o quanto isso pesa.”
Esse é o resumo do Conto de Carmem, a dançarina sensual. Mas voltemos para as dezoito horas de uma segunda feira, que é quando eu me senti livre dela para sempre. E talvez essa seja a única vitória que eu tive por toda minha miserável e patética existência. Me vesti sem pressa, apesar de me sentir ansioso, sempre ficava assim antes de me encontrar com ela. Na hora marcada eu já estava aguardando-a no local combinado. Ela demorou para descer como era de seu costume, mas diferente daquela noite, não fomos caminhar como era tradicional e ir para um local discreto, nós subimos para seu apartamento que encontrava-se vazio. Sua família tinha ido viajar. Não conversamos muito, ela sabia exatamente o que queria naquela noite. Me beijou na sala de leve segurando meu rosto com as duas mãos, depois pegou a minha e me conduzio ao seu quarto. A luz estava apagada, mas a luz da janela era suficiente para vê-la despir sua roupa e admirar seus seios rosados, tão redondamente perfeitos que pareciam um desenho. Ela me beijou novamente, com mais intensidade, como se quisesse me engolir por inteiro, minhas mãos inevitavelmente percorriam seu corpo macio e perfumado. Ela se sentou nos pés da cama e abriu as minhas calças e... O resto já é obvio. Era sempre o que eu queira, cheguei a sonhar com esse momento, muitas vezes, mas não foi o certo a se fazer. Já não era mais a mesma coisa, a magoa que sentia dela não me permitia mais sentir a mesma emoção que havia antes. Naquela noite eu descobri que não a amava e não fiquei melhor depois, nem mesmo aliviado. Era uma pequena vitória saber que eu poderia vê-la como qualquer pessoa na rua, não haveria mais os ciúmes, ou aquela saudade doída, nem a tristeza de saber que ela estava com outra pessoa. E isso tinha me acontecido por muitas vezes. Eu estava livre, mas não contente. É... Até minha vitória é vazia.
Pela manhã seguinte tive que sair bem cedinho, antes de sua família retornar. Nos despedimos na porta mesmo, com um beijo simples, sem nenhuma paixão. Eu sabia que ela tinha me usado, talvez para se vingar de seu “amado”, ou só para se provar alguma coisa, eu não sei. Não me importava quais as razões. Eu saí de lá do mesmo modo que entrei... Sozinho. Livre... Mais sozinho. O resto da semana foi cinza para mim, eu não conseguia sentir e fazer nada, além de prosseguir meu plano. E foi o que fiz. Visitei todos quem eu queria, me despedindo do meu jeito. Acredito que levei quase um mês, pois algumas dessas pessoas eu tive que encontrar. Na última visita, retornando para casa, eu me sentia leve, aliviado até. Era com se eu fosse fazer uma viajem bem longa para qualquer lugar. Caminhava sem sentir aquele peso que só a solidão consegue jogar sobre nós, estava tranqüilo apesar do que eu estava prestes a fazer. Era domingo, me lembro bem, pois aos sábados eu sempre me encontrava com alguns amigos, uma reunião que por anos tornou-se sagrada. Foi quando eu cometi a estúpida decisão, após olhar para o auto e ver aquela janela onde minha amiga tinha gritado meu nome. “Quando você quiser aparecer, é só vir, tá?” Foi o que me veio na cabeça no mesmo instante. Como um eco. E por alguma razão, que até hoje não compreendo, eu queria subir e ver aquela jovem que nem sequer lembrava o nome. Mudei meu percurso e entrei no edifício. Pela posição da janela eu sabia onde ela se encontrava. Ao subir as escadas mais um eco me veio. “Meu nome é Natália e vê se não esquece.” Ah, se pudesse voltar no tempo...
Enfim, estava no último andar, fiquei de frente a porta, parado por um momento que jamais saberei dizer quanto foi, e toquei a campanhia. Foi ela quem abriu a porta com uma cara de espanto. Em seguida sorriu surpresa e falou para entrar. De onde me encontrava eu podia ver que ela estava com um amigo que me olhava curioso e desconfiado. Mais tarde saberia o por que. Sua mãe também estava me fitando, mas normalmente. Nunca poderia imaginar que aquela mulher pudesse ser uma pessoa absurdamente contraditória. Mas não haveria como saber disso, nem precisava. Eu só tinha que ter escutado aquela vozinha que surge dentro da gente quando passamos em um beco escuro, em uma rua vazia demais no meio da noite. Era só preciso isso para tudo ser diferente. Mas não o fiz e agora eu posso usar a melhor forma de descrever a realidade daquele dia com uma citação que não é minha. Talvez você já tenha até escutado, se não, conhecerá agora: “-Entre para um chá. - Disse a aranha para a mosca”. E eu entrei.