O Andarilho
Manhã de quinta-feira. Por volta das oito horas do dia entrou na pequena cidade, aquele homem de média estatura, claudicando e trazendo aos ombros, um pequeno saco pendurado numa vara. Parecia um pouco cansado, talvez devido a fraqueza imposta por alguma doença. Suas roupas remendadas, que mais pareciam as de um espantalho, um sapato de cada cor e modelo nos pés, e as várias cicatrizes no rosto e braços, contribuíam para acentuar seu aspecto negativo. Sim, sua imagem não era das melhores e isso fazia com que as pessoas se afastassem e o trouxesse a distância. Melhor dizendo; o evitavam mesmo, mas verdade seja dito, não tinham assim tantos motivos, pois, não estava sujo e tão pouco cheirava mal e além do mais, a maioria dos moradores do lugar não era nenhum modelo de beleza, e como ele, também não tinham lá muita saúde.
Não dando qualquer importância ao tratamento que lhe dispensavam, continuou perambulando pelo lugar e ali foi ficando.
“O pobre coitado”. Era assim que as pessoas dali se referiam a ele, sempre às escondidas é claro. Sabia disso e achava graça.
Na única e pequena praça arborizada da cidade, vários bancos espalhados a sua volta, e ao centro, três gangorras, cinco balanços e dois escorregas tudo feito de madeira, compunham o cenário onde praticamente todas as tardes se reuniam velhos, jovens e crianças para conversar e brincar.
“O pobre coitado” notou que alguns bancos e dois dos brinquedos estavam quebrados. Não perdeu tempo, depois de muita insistência, conseguiu na precária prefeitura algumas madeiras, pregos, parafusos e porcas. Pacientemente deu início à restauração das peças que estavam danificadas, e em dois dias tudo estava novo e pronto para ser usado. Descobriram o que ele carregava naquele pequeno saco; – suas ferramentas.
O seu Joaquim, dono da mercearia, um eterno sofredor de bronquite asmática, sensibilizado com a dedicação daquele estranho, durante esses dois dias trabalhados, ofereceu-lhe o alimento necessário para sua subsistência e deixou que ele se lavasse no banheiro da loja e permitiu que ele ali dormisse.
Assim, aos poucos, “o pobre coitado” foi adquirindo, a confiança dos moradores e com isso ia fazendo um bico aqui outro bico ali sempre em troca de alimentação, higiene e estadia, nada além disso. Também perceberam o quão sereno ele era e que sua voz suave penetrava, acalmava e calava fundo quem com ele conversava.
Suas obras, não deixaram dúvidas. Nas redondezas não existia melhor carpinteiro que ele. Sabendo disso, o padre Mário, que era cardíaco, logo passou a usufruir a habilidade daquele homem. Bancos e portas foram consertados, até o altar da igreja entalhado na madeira foi por ele restaurado.
Dona Clotilde a diretora da escola, que sofria de artrite crônica, seu Gonzaga o prefeito, que já não enxergava nada, também tiveram várias peças por ele, restauradas, inclusive nas suas residências.
Com o tempo, não havia na cidade e redondezas, uma única peça de madeira, que não tivesse sido restaurada pelo “o pobre coitado” e não existindo nada mais em madeira que precisasse de reparo, foi embora.
Entretanto, por onde o carpinteiro passou restaurando madeira deixou também restaurada a saúde dos que dela precisavam. Só então as pessoas se deram conta, de quem realmente era, aquele que chamavam de “o pobre coitado”. JESUS.