O VENTO LEVOU
Parece que vai chover.
Espero que não, homem! Hoje é o aniversário da menina da Dalva.
Que dia é mesmo, Tornica?
É dia 32.
Dia 32, dona Tornica?
Sim homem, é hoje.
O tempo está é bonito!
Tu vais é gostar de sair de casa com guarda-chuva que Marluce te deu!
Tu gostas é de coisa para acumular, mulher!
Nada José, vem até uma chuvinha do lado de baixo. Espia só!
É verdade, que milagre é esse chovendo nesta altura do ano?
Vai lá coisa ruim, mostrar o teu guarda-chuva, que chuva aqui no Sertão é difícil!
Que ventania é essa, meu Deus?
Ai meu Deus o vento está levando Tornica. Se segura mulher!
Socorro, me espendurei no gancho do guarda-chuva.
Eu estou indo pelos ares.
Estou com medo.
Socorro... estou cada vez mais alto.
E agora meu Deus, o que que faço para ajudar a minha mulher, a minha Tornica?
Foi um alvoroço mendonho no Vale da Pipa. Não tinha como controlar o vento e a danada da dona Tornica é tão magra, que a ventania passou, e a danada não descia de jeito nenhum, e o povo sem saber o que fazer, para acudir.
A pobre nunca comeu uma fruta; não tem um dente na boca; o osso dela é igual a papel...
Credo, essa criatura não tem carne naquele corpo, tem só pele e vento dentro dela.
O prefeito parece um boi, de tanto comer.
A vaca dele gastando dinheiro para fechar o estômago.
Onde estão os bombeiros, que não chegam!
Bombeiros só na capital, meu filho. Daqui para amanhã eles chegam.
Ela não pode passar a noite ao relento, no escuro!
Chegaram os bombeiros. Chegaram os bombeiros.
Até que enfim.
Vocês vão fazer o quê, para descer a minha mulher?
Infelizmente não podemos fazer nada que a escada que temos de 70 metros, e a mulher está mais ou menos ha uns 300 metros do chão.
E qual vai ser a solução, meu Deus?
Infelizmente não temos, Sr José.
A culpa é dos políticos que privatizam tudo e nós pagamos para viver e dar luxo à esses mangotes de chico-espertos.
É verdade!
Nós somos escravos dos ricos e ainda ensinam aos nossos filhos que ser rico é para poucos, vocês roubam dos mansos e vivem nos escravizando.
É verdade!
A escravidão não acabou, os espertos mudaram a forma de nos escravizar.
O político tem auxílio de tudo, até de roupa.
O manso, que é o pobre, sai do Sertão se tiver o dinheiro da passagem.
Vai para a cidade grande passar fome, sede, dorme no canto de parede e, quando trabalha, é para pagar o aluguer e comer. Não sobra nada. Nem para roupa e muito menos para ir ao dentista.
Pior, tem ainda tem ser gente que ri da desgraça do desdentado.
E político tem de tudo e mais um pouco.
A pele chega a brilhar de bem tratada.
Até parece um boi bem tratado, gordo e pronto para o abate.
E a coitada dessa mulher aí, o vento levou.
Não existe rico.
Existem corruptos e doentes do caráter, assim como existem pessoas mansas, que o permitem.
Se o político tira férias é porque o trabalhador não tira e deixa.
Porque o rico explora e rouba o manso, e este aceita tudo de boca costurada.
Já é boquinha da noite, no Vale da Pipa, e a mulher não desce...!
Vamos fazer assim: já que a polícia está aqui, vamos pedir que eles atirem no guarda chuva e aí nós pegamos numas cobertas e seguramos a danada.
O que você acha, José?
Eu não tenho o que achar! Já que não tem outra solução, temos que arriscar.
Sr. polícia tem como algum de vocês atirar no guarda-chuva, para ver ser a mulher desce?
Tem sim. Deixa-me chamar o cabra que atira numa laranja no ar.
Depois de cinco tiros a pobre da dona Tornica começou a descer, a pairar e... olhem só, nem precisou dos homens a amparar.
A infeliz era magra de verdade... igual a fome.