UM SÓ BRUXO E MUITAS MÁGICAS - PARTE I
Classificados de jornal de domingo e EU me interesso particularmente pelo 'correio afetivo'que por vezes servem de inspiração para meus trabalhos literários. Sem deboche e com respeito, li ao acaso um anúncio de Pai Rubem Mário. Quase meu nome... reclamar com quem? Na segunda-feira fui incumbido de entregar uma encomenda pré-paga de 500 parafusos, saquinhos plásticos largos a cada dez, volume maior na embalagem - os redondos tradicionais, havia também quadrados e retangulares, endereço na nota fiscal, bota longe nisso, outra cidade......... Carro na estrada, lá fui EU sem ter lido o nome do cliente. Campainha num longo muro, fui recebido por uma moça de camisolão estampado até os pés descalços que (deve ser assim com todos que chegam), dedo vertical sobre a boca, me impediu de falar e numa fração de segundo jogou por cima de mim a água de um copo, metade em cada ombro. Perguntou se EU estava trazendo a encomenda: "Sim!" Descarreguei do carro a lacrada e grande caixa de papelão, pois não havia menor. Espantou-se: "Tudo isso, moço?" E praticamente me empurrou para uma saleta onde havia um homem num traje de feitio semelhante, porém branco. Sentado, me ofereceu uma cadeira e me vi diante de vários objetos usados em adivinhação espiritual - ué, tevê mostra, espectador comum apreende a visão e aprende... A chuva aumentara muito... Relâmpagos fortes, a luz faltou, velas acesas já eram do ambiente mesmo e ELE se apresentou: o nome do homem do anúncio. Pelo que entendi, uma consulta de elemento masculino fora agendada por telefone. Começou dizendo que EU viera de longe - num certo sentido, sim. Homem solteiro, morava sozinho, mas com um papagaio no meu ombro (sim, tivera um aos nove anos de idade, morto nos dentes de um pitbull atropelado, moribundo, por certo vingativo... / era o espírito verde voltando?) Esclareceu meu 'companheiro' que, expressão popular, falava pelos cotovelos. Ele me amava de verdade, embora ambos fôssemos muito egoístas. (Encuquei: parafusos para vodu?) Fiquei com receio de exibir três namoradas alternativas, atraentes peles variadas (quando me decidirei pela princesa única?), esclarecer minha preferência como hetero e deixei que ele falasse - no mínimo, tema para algum conto ou crônica. Sei que há pais-de-santo sérios jogos de búzios sérios... mas aquele não me pareceu. Deixei rolar. (Chuva cada vez mais forte.) Perguntou se EU trouxera as cuecas. minha e do 'companheiro', as sete penas de uirapuro macho seresteiro cantor (onde vendem isto?!), mas servia também de canário /mais fácil!/ e um ovo de ornitorrinco (no Brasil?), mas servia também de galinha caipira de penas vermelhas e crista arriada /troca esquisita!/. Muito estranho o "serve também"... Fui confirmando. Ele não se exaltava, não me contradisse, continuou lendo o meu destino: a "união" iria terminar em casamento oficial e futuramente a família (EU e o 'papagaio') aumentaria com uma criança... adotada - "Putz", pensei. Recebi um cartão - mandingas para união, desunião, olho grande, calvície, impotência (epa!), doenças ditas incuráveis, estudo, emprego, desemprego, indenização por danos físicos e morais, aluguel-compra-venda de casa ou carro, lista imensa. Que poder mágico! Ou não? Farsante? Apresentou a conta altíssima, pagamento à vista, aleguei que não trouxera cheque e propus pagamento online. Sorriso enorme de orelha a orelha, ofereceu latinha fechada de refrigerante gelado (portanto, nenhuma química hipnotizadora), luz voltou, chuva diminuiu, cumprimento em reverência (à moda japonesa?) de parte a parte, agradeci, saí. Aberto mais tarde o pacote, o estorquista nunca daria queixa de mim, estoquista de parafusos, a uma empresa laica.
EU lamento pelos verdadeiros religiosos e clientes de boa fé.
Na minha infância, rezadeira idosíssima da vizinhança a que as mães levavam crianças caídas com quebranto (olho-grande, olho-gordo, inveja, despeito) - raminho verde, preferencialmente arruda ou oliveira, molhado em água benta, rezas comuns da igreja católica e uma mini figa colocada em nosso pescoço. Pagamento? Nenhum. Apenas aceitava um bombom que não fosse... assim... muito caro... se a cliente pudesse comprar na padaria da esquina.
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NOTAS DO AUTOR:
ORONITORRINCO ou ANATINUS - Do grego 'ornitho', ave + 'rhynchus', bico, e do latim 'anati', pato + 'inus', semelhante a com bico de ave, pato - mamífero ovíparo semi aquático da Austrália (ícone, mascote nacional, face de moeda) e Tasmânia.
HQ - DUSTIN, de Steve Kelley e Juff Parker - 4 quadrinhos - Heteros - Menino-adivinhador, turbante na cabeça, bola de cristal na mesa: "Qual a sua pergunta para o mundo espiritual?" Dustin: "Eu quero alguém para sair comigo! Alguém bonita!" Menino: "Acho que estou recebendo uma mensagem.. O mundo espiritual quer saber... Você aceita sair com alguém mais jovem?" Dustin: "Claro! Por que não?" Menino: "Beleza! Vamos começar com um sorvete!" // BICHINHOS DE JARDIM, de Clara Gomes - 3 quadrinhos - Mãe Joana -cartomante, ceo e mezzo soprano, com bolinha de cristal: "Me perguntaram qual o animal da astrologia chinesa rege este ano... A verdade é que não sei... Na dúvida, joguem em todos!" --- 3 quadrinhos - Previsão de ano novo - "Neste ano, muita gente vai morrer... alguns vão chorar... e outros vão vender lenço!"
F I M