A obra-prima da humanidade
Um pedreiro muito velho estava a construir uma parede em meio ao deserto. Esta era feita com um milhão de tijolos e sumia no horizonte tão descomunal era seu comprimento. Media quinhentas braças de altura e, quando passado o meio dia, cobria todo o horizonte com sua sombra opressora. Muito tempo após começar a levantar a parede, o pedreiro terminou sua obra e sentou para contemplá-la. Cada tijolo que fazia parte daquela grande estrutura fora por ele colocado. Cada grama de cimento fora por ele misturado e por ele aplicado. Cada centímetro milimetricamente coberto de argamassa fora obra sua.
Embora sua obra fosse grandiosa, para ele faltava algo: uma cobertura de tinta. Foi então começar o árduo trabalho de cobrir a grandiosa parede com tinta azul, sua cor favorita. Por milhares de anos o pedreiro, agora pintor, passou dia e noite a brandir seu pincel sobre a tela em branco até que um dia terminou e parou para analisar novamente sua obra. Quando tocada pela luz, a muralha azul a refletia e brilhava tanto quanto o céu.
Mesmo que agora estivesse coberta, o artista sentia que algo ainda lhe faltava. A tintura azulada ainda era muito simples: era necessário algo a mais para saciar seu desejo constante pela perfeição. O pintor então tornou a pensar e, após algum tempo, estava decidido a criar os mais belos arabescos existentes, tão belos quanto a própria natureza. Por eons o artista fundiu ouro e desenhou sobre sua tela azulada. Ao terminar, ele mais uma vez se sentou para observá-la. Ao serem tocados pela luz, brilhavam mais que os raios de sol.
Mais uma vez, insatisfeito com o resultado, o artista sentiu que faltava um pouco de si em sua obra e com o próprio sangue decidiu terminar sua obra. Nesse dia, cortou os pulsos e deixou escorrer pela muralha o sangue que lhe concedia a vida, que o mantinha na árdua missão de construir seu muro em meio a um mar de desolação. Por cinco dias o sumo de sua vida escorreu por toda extensão da grande muralha erigida nas areias. Terminara, por fim, sua bela obra e, para os olhos debilitados do mestre que o construira, parecia perfeito.
Finalmente estava completa sua obra. O sangue dera vida ao ambiente desenhado. Os arabescos do mais puro ouro entrelaçavam-se com os filetes rubis em uma dança quase erótica e desarmônica na plenitude azul da parede. Estava finalmente completa sua obra-prima.
Em seu último suspiro antes de deitar nos braços de Tânatos, o valoroso pedreiro notou algo no trabalho de sua vida: a areia sobre a qual a muralha se apoiava cedia ante a seu peso, fazendo desaparecer a maravilhosa arte na qual trabalhara por tanto tempo. O artista nada pode fazer, ambos ele e a obra estavam condenados ao esquecimento. Ele por ter dado sua vida a algo que, em uma efemeridade desaparecera e sua obra por não ter sido erigida em solo mais firme.
Em sua amargura o pedreiro deu seu último suspiro e caiu em desgraça enquanto sentia o último fio de vida se esvair em seu corpo, contemplando agora vazio o espaço onde antes se encontrava aquilo que, um dia, fora a menina de seus olhos.