luz

Nos meus resquícios de memória, há apenas uma em que amargamente regozijo ao tocá-la. O deslize preciso, veloz e rítmico de dedos calejados pela melódica sequência de cordas e notas, é o que mais me leva a encontrar minha preciosa recordação já que assim foi eternizada.

Em algum mês do passado e em um dia que seduz o meu presente, os meus devaneios estavam novamente a me excruciar, me pondo em coma corroendo o meu presente através de falsas memórias de um futuro passado. Passei dias, segundos, horas, minutos –eu realmente não sei o quanto de tempo se passa em minhas viagens mentais– senti algo me puxar de meu interior. Acontece que perdi-me na realidade, e estava em um uma escura noite nua, sem estrelas ou lua, tudo era quebrado por uma enorme fonte de luz curvosa, dividindo seu espaço com pontos fulgorosos e coloridos que se chocavam, se calavam e criavam cores que meu simplório cérebro não soube processar. Curiosamente, meus olhos não se fecharam e tão pouco se incomodaram quando tentei olhar, mas, profundamente –em minha alma talvez– me senti perfurado, atravessado por uma lança invisível forjada pelas dores suportadas apenas por atlas, do que consigo lembrar, a brilhosa forma ficou de meu tamanho e se aproximou a ponto de sumir em mim.

Curiosamente, desde então, nenhum devaneio me torturou. Perdi todas as memórias que não me eram essências, cada dia era um novo dia, eu um novo ser, a vivencia era sempre única e o meu presente pertencia apenas a ele mesmo.

A vida nunca me proporcionou tal encontro novamente, a luz nunca me deu as minhas memórias ou devaneios de volta. Talvez tenha sido um anjo que me salvou de mim mesmo, ou um demônio que me condenou. Apenas sei que agora, muitos anos mais velho eu sinto aquela mesma sensação, vejo aquela mesma luz, saindo aos poucos de meu frágil corpo... o que irá me acontecer?

Mthew
Enviado por Mthew em 07/10/2019
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