A BAIANA - Cap. XXV

A BAIANA

XXV

No fim-de-semana que se aproxima, Francisco vai levar para Salvador as trouxas e outros artigos de uso pessoal. Irá fazê-lo na companhia da namorada, tendo os seus pais declinado a sugestão do filho, para também irem. Duas malas de viagem é quanto Francisco levará nesta primeira fase, com o essencial para o seu dia-a-dia. O restante levará nos próximos dias. No início da semana começarão as aulas e a tortura da ausência para ambos. Josy sente depressionar-se com o afastamento de Francisco e ainda mais porque ele vai estudar com Elaine na mesma faculdade, embora em turmas diferentes, o que ajuda a parecer esbater um pouco as preocupações de índole afectiva. Francisco parte confiante em que Josy saberá perceber que o facto de Elaine estudar com ele, não irá prejudicar o amor que existe entre eles. E parte confiante porque Josy lhe passou uma confiança que efectivamente não a acompanha. Conseguiu ardilosamente falar de Elaine, dizendo-lhe até, que sempre que precisasse de qualquer coisa, que recorresse a ela. Soube usar o nome de Elaine sem que se vislumbrasse ponta de ciúme. Foi pois com bom desempenho e em aparente calma que Josy se dirigiu a Francisco, levando este a crer no bom estado de espírito da namorada. Tal não é verdade. Josy sente ciúme e até raiva da condiscípula de Francisco, e parece antever um final pouco feliz para o namoro entre eles. O ciúme assenta em razões que Josy valoriza e que tem por base as relações que entre eles (Francisco/Elaine) passarão a existir, além de outras como o património dos pais e a carreira académica que ambos seguem. Estes predicados escapam a Josy, que em tudo é diferente. Não terá nunca o estatuto social nem os bens de fortuna que Elaine poderá exibir no futuro. Josy sabe que os bens físicos pesam muito nas decisões de muitas pessoais e teme que Francisco possa ser um desses, embora tenha recebido da parte do namorado promessas juradas de fidelidade e confiança.

Sabemos que a D. Francelina tem por Francisco admiração apreciável e isto já terá chegado ao ouvido de Josy, que recebeu a notícia com pessimismo. O namoro doravante vai ter por parte desta, uma especial e discreta vigilância, que se reforça por culpa desta notícia.

A vida de Romeu continua em ritmo alto, outro tanto acontece com Rosa Maria que quer um, quer outro estão a levar à risca a prescrição do Dr. Jesualdo. Os desenhos de figuras humanas, de Rosa Maria, estão a revelar-se com franca melhoria de qualidade, de tal modo que quem tiver boa leitura de pormenores físico-caracteriológicos, descobrirá nos esboços já elaborados, alguém presente.

As flores estão a ser pintadas com acentuada qualidade. Belíssimos quadros com ramos de Bem-me-queres e de amores-perfeitos estão em bom ritmo de elaboração. Rosa Maria já tem alguns quadros acabados, com a finalidade de mostrar ao Dr. Jesualdo.

De todas as prescrições, aquela a que tem dedicado menos tempo é à leitura de poesia, ainda assim, hoje vai mandar uma pelo correio para o Centro de Dia, ao cuidado de Romeu.

Este por sua vez, também continua a ler e a colocar poemas na caixa de correio de Josy, que nesta fase de namoro, mais as valoriza.

Romeu parece estar a dar tiros certeiros que colocam confusão na cabeça de Josy. Em face deste pressentimento, Romeu avançou com um poema um pouco mais ousado e que reflecte um sentimento de desejo que o toma de assalto.

BEIJO

Beijo na face

Pede-se e dá-se:

Dá?

Que custa um beijo?

Não tenha pejo:

Vá!

Um beijo é culpa,

Que se desculpa:

Dá?

A borboleta

Beija a violeta:

Vá!

Um beijo é graça,

Que a mais não passa:

Dá?

Teme que a tente?

É inocente…

Vá!

Guardo segredo,

Não tenha medo…

Vê?

Dê-me um beijinho,

Dê de mansinho,

Dê!

Como ele é doce!

Como ele trouxe,

Flor,

Paz a meu seio!

Saciar-me veio,

Amor!

Saciar-me? Louco…

Um é tão pouco,

Flor!

Deixa, concede

Que eu mate a sede,

Amor!

Talvez te leve

O vento em breve,

Flor!

A vida foge,

A vida é hoje,

Amor!

Guardo segredo,

Não tenhas medo

Pois!

Um mais na face,

E a mais não passe!

Dois…

Oh! Dois? Piedade!

Coisas tão boas…

Vês?

Quantas pessoas

Tem a trindade?

Três!

Três é a conta

Certinha e justa…

Vês?

E que te custa?

Não sejas tonta!

Três!

Três, sim: não cuides

Que te desgraças:

Vês?

Três são as Graças,

Três as Virtudes;

Três.

As folhas santas

Que o lírio fecham,

Vês?

E não deixam

Manchar, são …quantas?

Três!

Este poema de erotismo inocente irá pôr Josy a meditar na sua proveniência, que é coisa que a importuna, ainda mais de há uns tempos para cá. Josy tem feito vigília para tentar identificar a pessoa que coloca os poemas na sua caixa de correio, mas tem sido infrutífera a tarefa. Romeu tem estratégia bem montada que escapa à sua identificação. Nunca o faz à mesma hora nem em dia certo. Com a mesma intriga vive Romeu em relação aos poemas que recebe anonimamente pelo correio no Centro de Dia.

Estes últimos que Rosa Maria enviou não são excepção.

EU

Eu sou a que no mundo anda perdida,

Eu sou a que na vida não tem sorte,

Sou a irmã do sonho, e desta sorte

Sou a crucificada… a dolorida

Sombra de névoa ténue e esvaecida,

E que o destino amargo, triste e forte,

Impele brutalmente para a morte!

Alma de luto sempre incompreendida!...

Sou aquela que passa e ninguém vê…

Sou a que chamam triste sem o ser…

Sou a que chora sem saber porquê…

Sou talvez a visão que Alguém sonhou,

Alguém que veio ao mundo pra me ver

E que nunca na vida me encontrou!

DE JOELHOS

Bendita seja a mãe que te gerou.

Bendito o leite que te fez crescer.

Bendito o berço aonde te embalou

A tua ama pra te adormecer!

Bendita essa canção que acalentou

Da tua vida o doce alvorecer…

Bendita seja a Lua, que inundou

De luz, a Terra, só para te ver…

Benditos sejam todos que te amarem,

As que em volta de ti ajoelharem

Numa grande paixão fervente e louca!

E se mais que eu, um dia, te quiser

Alguém, bendita seja essa Mulher,

Bendito seja o beijo dessa boca!!

Estes dois poemas vão pôr a cabeça em água a Romeu. Vários nomes lhe sugere a reflexão e nem por um momento o nome de Rosa Maria lhe ocorre. Estes dois jovens estão desencontrados nos seus amores e estão-no porque não assumem com frontalidade o que lhes vai na alma. A ausência de coragem é ditada por estratégia do medo da não correspondência e ainda pela juventude que se envergonha do primeiro namoro. Rosa Maria, mais que Romeu, vive estas circunstâncias. Prefere manter com Romeu uma amizade com cheiro a namoro que só ela experimenta, fazendo passar para o amado a ideia de amizade que Romeu interpreta como tal. Efectivamente, este nunca teve por Rosa Maria interesse de índole afectiva e a jovem sente isso na conduta da abordagem que lhe faz.

Outro tanto não se pode falar de Olegário que hoje irá ter a segunda grande oportunidade de encontro a dois e a sós com Micaela. De manhã acordou bem disposto, tomou banho, barbeou-se e perfumou-se. A mulher já se vai habituando a estes procedimentos mais produzidos do marido e não fez observação e nem sonha as razões subjacentes a estes comportamentos. A última noite foi mal dormida a pensar neste dia. Definiu programação. Assim, uma das primeiras coisas que vai fazer é comprar uma lingerie para oferecer a Micaela. De manhã passou pela ÍNTIMA, a melhor casa no género e comprou uma camisa de noite, um soutien e dois pares de cuecas. Como referência de tamanhos indicou uma cliente a quem se dirigiu e lhe solicitou que aceitasse servir de modelo, uma vez que possuía estatura semelhante a Micaela. Esta, além de aceitar, ainda deu sugestões de qualidade e gosto nos produtos a comprar. Olegário estava feliz por ter encontrado a pessoa certa para o ajudar numa área que nunca havia experimentado. Acontece porém que Olegário não conhecia a moça, mas esta conhecia-o e estranhou o tipo de compras que o sexagenário estava a fazer.

Sabe, dizia Olegário, minha mulher vai ficar radiante com estas prendinhas. Estamos casados há trinta e cinco anos e eu nunca lhe ofereci destas coisas. Senti sempre vergonha em comprar mas os homens das novas gerações fazem-no com normalidade e se o fazem porque não eu, dizia para mim tantas vezes. Apesar de sermos ambos na casa dos sessenta, gostamos de roupas íntimas que nos desperte desejo e paixão. É que nós ainda não estamos “velhos” e vivemos um amor mais louco que no início.

A moça apreciou as palavras e deu os parabéns a Olegário, que se encheu