As três marias

- E aquelas, estão em fileira, veja! Aquelas três!

- São as “Três Marias”, Juliana. É um asterismo, um padrão nas estrelas. Essas daí fazem parte do cinturão de Orion, o Caçador.

- Ah... Por um momento, pensei ter notado um padrão irregular, mas me enganei.

- Não há padrões irregulares, só padrões. As estrelas estão imóveis, pelo menos aos nossos olhos. Mesmo que uma das Marias já tenha morrido, nós só deixaríamos de ver seu brilho depois de milhões de anos; é uma cronologia totalmente inconcebível a nós, eu diria até indesejada.

- Milhões de anos...

- É, uma eternidade, as estrelas são eternas. Essas coisas que se acostumamos a taxar de “distante demais”, “quatrilhões de quilômetros”, “bilhões de anos-luz”; enfim, todas, todas essas expressões que abusam da elasticidade do nosso imaginário não passam de tenebroso eufemismo para dizer: Eterno.

Houve breve silêncio.

“Vejam! um planeta em que chove diamantes!” ou então: ‘Olhem! Aquele planeta parecido com a terra, tenho certeza que há vida por lá!’ e, logo em seguida: ‘Bem... Por enquanto só podemos conjecturar, visto que seria impossível enviar uma nave até lá (...). Mesmo navegando a 10mi km/h, demoraríamos 10 bilhões de anos e consumiríamos 10 milhões de vezes o combustível disponível na terra e o nosso ônibus espacial mais rápido viaja a apenas (...)’ Pro inferno todos

esses astro-lunáticos. Estudam isso a vida inteira e ainda assim parecem não entender a dimensão das próprias palavras...”

Suspirou, ponderou e continuou:

“Você está entendendo? Não são ‘só 10 zilhões de quilômetros de distância’, é uma distância eterna, é isso que está implícito. Nunca, absolutamente nunca, será possível ao ser humano atingir 1/3 dessa margem insana. As estrelas e os planetas de outras galáxias simplesmente não foram feitos pra nós. Esta imensa e intransigível barreira é a prova disso. Tudo que está pendurado na abóbada celeste é eterno, belo e intocável. Quer saber também?! Eu não acredito que o homem pisou na lua. E, se pisou, foi um erro.”

Era madrugada de uma noite estrelada. Ambos estavam deitados na laje de uma pequena e humilde casa. Juliana deixou escapar um sorriso envergonhado.

- Hahahaha, o homem não pisou na lua? Você acredita em qualquer coisa que pareça bem elaborada, mas eu não caio nesse discurso bonitinho... – Respirou fundo e voltou a se deitar – (...) Mas você não deixa de ter razão. Olhando por esse lado, para apreciar a beleza de certas coisas, distância é essencial... – Aconchegou-se na superfície – Até mesmo um pintor na prática do ofício estende o braço para ter uma visão ampla da tela e não se perder em detalhes bobos.

- Exatamente. Nossa casa cintilava como essas estrelas, era linda! E como ela está hoje? A beleza, artificial ou natural, deve ser preservada. E preservar significa afastá-la de seres tão voláteis como nós. Deus sabe o que faz, por isso não nos deu as estrelas. Nós aos poucos estamos estragando tudo que de belo herdamos, mas os astros são tão belos, tão belos, que o próprio Deus não achou criatura digna para doá-los. As estrelas... elas são as flores do jardim celeste, de onde fomos expulsos.

Então, podemos apenas apreciar. De longe, muito longe.

Dani Alvez e José Fluminense
Enviado por Dani Alvez em 02/10/2019
Código do texto: T6759732
Classificação de conteúdo: seguro