ESCRAVO DO LAR - PARTE III

Pensamento dele (dele?): "Desaparecida?! Para sempre?! E EU, coitado........." ----- Ou auto confissão de um gato largado no caos?

Montaram um bufê de festas infantis. Fácil, ELE (ou EU?), desenhista técnico, fazia trabalhos para metalurgia (onde trabalhava de segunda a sexta) e fabricação amadora de móveis (servicinho extra), porém não tinha a menor sensibilidade artística. Quando muito, planejava em madeira bons palcos ou cenários montáveis... Estórias dramatizadas sempre encantam. ELA rascunhava mal, porém bastante criativa de ideias e os bolos artísticos eram magníficos inspirados em tradicionais contos de fadas ou heróis que apareciam na tevê. Festas de sucesso. Durante a reunião, ELE se derretia com as mães, as tias, as madrinhas, as professoras da garotada aniversariante, pode-se dizer que nada acanhado e sim um tremendo... assanhado. Por último, comprou um avental com a palavra "Mulherólogo", que usava na hora de servir bebidas com a bandeja.

Havia antecedentes. Tinha sido um entre muitos alunos, indiferença da professora do momento, entre o quadro-de-giz e prova corrigida, mas por acaso essa ex (professora, bem entendido) o viu como dirigente numa festa, descobriu-ser SÓCIO (fingiu ignorar "...da esposa"), entusiasmou-se toda. Assédio descarado na telinha do computador - a esposa lia, sorria, DONA do Bonecão: "Na hora H do amor (o dia D do comandante CHURCHIL se referia à guerra), vai dar conta... de duas no mesmo dia???" E o mulherio das falsas admiradoras foi aumentando... Gente que mal olhava para a cara dele, vizinhas e antigas conhecidas de origens variadas. Solteiras, casadas, separadas! ELE iludido com tantas agora admiradoras oferecidas... Porém recuava. Facebook passou a ficar lotadão. Se a mulher de casa publicasse uma única frase amistosa, ELE excluía na maior cara de pau. Ah, cachorrão, para o núcleo feminino queria se fazer de... carentinho, largado, abandonado?

A parte final da estória me foi contada pelo próprio (EU, em vergonhosa auto confissão?), tom de voz bem esquisito, quase choroso, mas não alertei o cara... Mulher Geminiana tem imaginação fértil, mascarada inventiva e sempre certa nos mínimos detalhes que ninguém consegue desmentir nunca. Apresenta provas concretas - papéis, fotos... ELA passou a dizer que um dia sumiria de casa e da vida dele. (Ariano se ralando de medo.) Nada de surpresa: uma noite chegar do trabalho e da segunda faculdade noturna, agora quer ser político (mulherio de olho em cima do Doutor advogado!), encontrar o armário vazio de roupas e calçados. Por certo já havia "outro" armário. em "outro" lugar com tudo o necessário - verdade ou não, o galã de 1.80 vivia assustado e ficava buscando vestígio de a-man-te. (Italiano ou japonês?) Nada. Até que numa quarta-feira ELA saiu de casa, bilhetão a lápis na porta da geladeira que iria visitar pai-mãe em outra cidade, em outro estado; informou também que chovera rapidamente (?) durante "duas horas" e a Internet desapareceu. Celular, ELA não atendeu e, um tanto fora de moda, ELE não teve inspiração de ligar para o telefone fixo da casa dos sogros. Foi para a lan house, mas em crise de amnésia súbita-emocional ("Bem feito!" - ELA diria, se soubesse...) esqueceu o endereço eletrônico dos pais dela. Fora o bilhete que depois ELE sujou de azeite, nenhuma notícia... Dias de angústia e sofrimento. O cara dormia mal, sentia (imaginariamente?) fisgadas de mosquitos-pulgas-formigas, acordava, relógio andara somente quinze minutos, chuveirada morna não resolvia. Viu em sonho uma tela de computador. Quarentena(1), abriu, escutou gargalhada sinistra e o equipamento pegou fogo, auto combustão ou Poltergeist? No que amanheceu, queimou o avental. Teve pesadelos recorrentes: um cartaz grande, única letra (do amante?), variando entre M e W - listou nomes masculinos, muitos... ELA teria virado uma sultana? (Em verdade, a mulher junta potinhos de vidro de uma geleia, ao fundo aparece a letra inicial da marca.) Quase jejum no refeitório da empresa e na padaria da esquina, perto de casa. Fechada a banca de jornais - giornalaio doente ou viajou também? Cinco no sábado, cinco no domingo, ELE publicou em Facebook dez poesias muito mal feitas... inclusive com vagos erros de ortografia (homem costuma ser inseguro nisto que chama "detalhes"). Longe, distraída, antigas amizades, outros interesses, ELA não leu, embora 'avisada' por um instinto diabólico que ELE estaria 'aprontando' reconquista... Pior é que as "outras" leram na imaginação "é para mim" e curtiram as publicações românticas - o coitado (?) previu guerra braba ao retorno da mulher........ se retornasse! Silêncio dela. No sábado, muito assustado; no domingo, a-pa-vo-ra-do. Teve ânsias de vômito na segunda-feira, tonteira e desejo urgente de pudim de leite com calda de tamarindo, fruta de infância, baixinho o muro da casa ao lado. "Estou grávido?" - mulherio calado. A pretexto de receber o técnico às três horas para consertar máquina de lavar roupa, veio mais cedo para casa. Dela, três imbecis e-mails, certamente por engano (ou 'chiste' à lisboeta): "Não esqueça de comprar semente de girassol para o papagaio." (Não há tal bicho em casa para gritar a palavra 'corno'.) Sacudiu a cabeça. Leu o segundo: "Adoro você!" (Quem?) E o terceiro (incrível horário de apenas um minuto), "Água no feijão e seis garrafas de cerveja (tudo isso) que estou voltando" (todas as mulheres do Brasil amam o carioca CHICO, também Geminiano).

Quando ELA entrou, estória tragicômica. Na antiga residência de solteira, o tempo todo. No ônibus, ao retorno do Rio, uma gravidona entrou no tal trabalho de parto e o hospital mais próximo era em São Lourenço, estância hidro mineral mineira. Não havendo vaga, o ônibus rumou para a cidade de Cruzeiro, de novo estado de São Paulo. Estranhíssimo demorado roteiro... ELA se ofereceu como acompanhante, nasceram trigêmeos... Cecília, Isabel e Peri. (ALENCAR futuro padrinho?) Feirinha de roupas e comestíveis em São Lourenço, comprou uma blusa de crochê e um... 'queijim", como se diz por lá; feirinha de doces em Cruzeiro, comprou geleias, inclusive de tamarindo, quindins "conventuais" (?) e licor baiano de cacau. (Grande aventura geográfica!) Muito peso, pacote hospedado na rodoviária de Sorocaba para marido buscar. Mostrou um folheto de cada hospital - nenhum comprovante do ônibus nem das tais compras. Beijou-o, arrumou algumas camisetas novíssimas no armário. Mais descansada, olhou as curtições das "amiguinhas" dele sem briga e sem bronca, e imprimiu os poemas. "Divórcio custa caro........ querido!!!" Melhor não perguntar nada.

ELA, num passado não muito remoto, assistira a algumas descompromissadas aulas de artes cênicas e entende muito de literatura ficcional.

E a vida continuou, sem tapas e com muitos beijos de saudade mútua.

F I M

Rubemar Alves
Enviado por Rubemar Alves em 21/09/2019
Código do texto: T6750528
Classificação de conteúdo: seguro