O Tempo
O tempo.
Um tempo.
Certa vez, perdi tempo. Não pude mais encontrá-lo desde então. É sempre assim com as coisas que perco: sempre estão justamente onde eu nunca lembro de procurar. As coisas que se perdem não retornam jamais. Mesmo tendo todo o tempo que me resta, aquele tempo que perdi me faz falta. Não sei o que fiz dele, não lembro. Lembrar seria recuperar, e assim eu vou esquecendo pouco a pouco as coisas que perdi: primeiro as cores, depois os traços... Mas a falta, esta não se perde. A angústia da ausência é a lápide indestrutível das coisas que se vão. E o tempo que perdi fez-se presente como nenhum outro através dessa angústia. Sei que não sou mais o mesmo daquele tempo. Aquele que lá existia se perdeu com os momentos que foram carregados pelo fluxo incessante do relógio e do calendário. O tempo é capaz de corroer qualquer coisa se não tomarmos cuidado. E, quando menos esperamos, vira pó. Foi assim que me perdi no tempo, naquele tempo, no tempo que não volta mais, no tempo que não lembro onde deixei. Morri com a lembrança. Se algum dia encontrar aquele tempo, provavelmente não reconhecerei quem fui. Julgarei ser algum estranho, o dono daquele tempo, tão diferente do que hoje sou. Então deixarei que aquele tempo desapareça para sempre, enterrado nas areias que não saberei distinguir se são do destino ou do sonho. Quando estiver velho, quanto tempo já terei perdido! Quanta falta me fará, como sofrerei com a angústia do esquecimento, o luto pelos momentos que nem sei se vivi! Quantos futuros-passado, quantos futuros órfãos de presente deixarei pelo caminho quando meu próprio presente for órfão do meu passado esquecido. Esse que hoje sou amanhã será apenas um rosto em fotografia cujos traços se confundirão com os de meu pai, de meu avô, e talvez ainda de meu filho e de meu neto. A partir do primeiro esquecimento, já me torno velho. O tempo de minha vida, este tempo que já empurro pro túmulo antes mesmo de meu corpo tombar, é o que mais tenho e o que mais perco.