Também tinham três anos de diferença de idade
Tenho vinte anos, não fiz nada e nunca refleti sobre qualquer coisa que me desse paz. Em concordância com a vida, meus pensamentos sempre foram relativamente conturbados, idiotas e mesquinhos. Não acredito em nada que seja democrático, na verdade, não consigo conceber a vontade como uma ação regulada por alguma realização coletiva. Isto me definha, me fascina e me torna demolidor de mim mesmo quando penso sobre justiça, ou sobre qualquer partilha de dois sujeitos, três, ou mais. A ideia de coletividade quando se trata de uma propriedade conceitualmente refletida em algo ou alguém me entorpece negativamente, porque me vejo como sujeito que não entende essa idealidade do outro quanto igual, ou quanto portador de um direito que não se sabe ter só. Claro, não passa pela minha cabeça realizar uma injustiça relacionada aos contextos que se localizam cada pessoa, cada sujeito. Isto, em especial, é em mim apenas uma ideia conservadora de não complicar os conceitos já atingidos, conceitos de liberdade e justiça. Solitariamente em meu meio, fico com estes tons de encaixotamento, lisura e egoísmo. Não, eu não serei um personagem de meus contos, não pelo menos em relação a uma vontade envaidecida de mim mesmo, mas, concretamente aceitável e cúmplice dos escritos em papel dessa minha carne salgada e decomposta.
Cecília chegou sorrindo pela sombra que o poste produzia, parecia uma luz própria aqueles olhos redondos e mesmo assim puxadinhos. Havia ao lado dela uma menina morena, comumente confundida com sua irmã. Cecilia nem tinha irmã. Mas a menina baixinha e gorda vivia mesmo ao lado dela… ainda lembro o nome, era Lúcia. Nome de velha, sem cor. Mas havia muita força nesse nome. Cecília era curta, loirinha e magra. De repente, Walter puxou de lado o casaco que vestia, fazia isso todas as vezes que alguém chegava perto. Só se esquecia disso quando estava bêbado, ou muito alegre… na verdade, também quando seus amigos mais íntimos chegavam. Pra ele eles não faziam diferença. Ele fazia isso pra disfarçar a gordurinha que tinha na cintura. Walter sempre estava com mais de uma camisa e com uma calça despojada. Era um menino muito intuitivo, via os olhares, sentia medo e rejeição. Um tanto estranho. Mas eis que Cecília se aproxima, sorriu, levou o pulso aos olhos e percebeu abobalhada que não havia posto o relógio aquele dia.
- Ei, tu tem horas?
- Quê…
- Horas.
- Ah. Uhum. Pera.
- Perando - E riu.
- É nove e vinte e cinco.
- Valeu - E saiu.
Ela esteve interessada. Viu os olhos do menino, sentiu seu envergonhamento e achou peculiar, achou bom, achou bonito. Walter é que ficou maldizendo em sua mente coisas que não tinham fundamento algum - “Eu sou um otário” - Pensou. Mas como nada que existe no céu ou no inferno são meras vontades divinas descontroladas, o ônibus 65 passou suspirando fumaça por canos cancerígenos. Walter deu sinal, Cecília disse “Tchau” para a amiga gorda e linda e correu pra pegar o ônibus. O ônibus veio parando em freios preguiçosos, Walter olhou pro lado e a menina realmente sorriu para ele. Eis um nervosismo ensurdecedor.
- Tu pega esse, é? - Disse ela.
- Uhum, pego. Tu mora por lá também, né - Disse ele, com a respiração saltando na frente da voz.
- É, nunca tinha te visto - Sempre terminava uma frase sorrindo, e que sorriso maldito, quebrava os dentes e solava na cara do menino abobalhado.
- É, moro sim - E o ônibus parou.
Entraram juntos, sentaram juntos, envergonharam-se juntos, moraram juntos. No fim do mês de agosto, três anos depois, feriram-se juntos e não se falam tem quatro meses.