O Olhar do Pai

Uns 18 anos ele tinha naquela época. É, acho que era isso mesmo. Morava sozinho numa pensão lá pelos lados do centro da cidade. Região de zona mesmo. Era o que dava para pagar.

Uma manhã de domingo alguém bate à porta do quartinho. Era o pai.

Tinha uns 56 anos o pai. Homem do interior, de poucas palavras e olhar severo que, no fundo, (e isso ele não sabia naquela época) era ternura disfarçada. Trazia embrulhado num jornal um terno de sarja cáqui. Sem falar nada, entregou o pacote ao moço; ele, o moço, sem tirar os olhos dos olhos do pai, agradeceu.

Sem rodeios o velho disse: Filho, vamos ‘no Santos’?

Então o moço percebeu que ele queria ver o mar. Tinha feito aquela viagem toda só para isso. E simplesmente disse: vamos sim, pai.

Colocou o terno que o velho trouxera e saíram para ver o mar.

Naquela época ia-se a Santos de trem. Foram então até a estação, railway, como se dizia e pegaram o trem para Santos.

O trem era puxado por roldanas até o topo da serra e os passageiros iam escutando os barulhos e sentindo os sacolejos. Depois, lá em cima, soltavam as polias e o trem ‘despencava’ até o litoral, pelo menos era essa a sensação dos ocupantes.

O moço e o pai, calados, vez ou outra se olhavam nos olhos. O velho não era de muita prosa e seguia firme, sem dar mostras de qualquer emoção.

A aventura terminava na avenida Ana Costa. De lá tomaram o bonde. O pai seguia impassível e o bonde foi se arrastando por mais alguns metros. Lá na frente mais uma curva e então...O Mar.

O moço nem conseguia olhar o mar, só conseguia ver o olhar do pai que era maior que o mar.

Desceram e caminharam até a praia. O pai olhando o mar, sem coragem de se aproximar daquela grandeza.

Num dado momento, com voz rouca pediu: traz um pouco da água pra mim, filho.

O moço caminhou até a beira e, mão em concha, trouxe um pouco da água para o pai.

O velho olhou nos olhos do moço, cheirou e provou da água: ‘sargada’, ‘sargada’, repetiu e o moço disse: sim pai, salgada.

Ficaram por ali a tarde toda contemplando a imensidão, depois foram embora.

Naquele momento as coisas começaram a fazer sentido para o moço e ele pensou: “É isso o que quero viver, é isso que quero para mim: olhar a vida com o olhar do meu pai quando viu o mar!

(baseada num fato contado pelo ator Lima Duarte)