O DADO GIRA
Parece que todos em volta da mesa esperam ele pousar, como se, com isso, tudo se resolvesse, o destino inteligente ali, naquelas bolinhas pretas. A mulher de cabelos da cor de areia esconde, por trás dos óculos, a oração silenciosa. O homem de chapéu coco, oculta o sorriso presunçoso. A menina, que estava ali para arrumar dinheiro para a doença do pai, já perdeu até a virgindade na aposta e não tem mais nada a perder. O soldado da cidade vizinha parece despejar as mágoas da batalha perdida; a roupa ainda banhada com o sangue seco do amigo morto, reluzindo nas luzes oblíquas do local abafado. O ex-presidiário parece tentar se esconder atrás de todos, pensando que ninguém o reconhecerá assim. Apesar de tudo, o delegado ao seu lado, de capa de chuva preta, já sabe de tudo, só espera ganhar mais umas conquistas, insaciável como é, pois nem mesmo a virgindade da moça lhe bastava. O charuto nos lábios parece o suficiente para aquela velha de cabelos longos, que não tinha nada, nem mesmo uma família depois que a epidemia se instalara. A voz alterada pela bebida detona o chefe do local, atento ao dinheiro que roda na mesa.
O dado cai.
A mesa vibra.