Química I

É madrugada e o relógio analógico segue a cada segundo quebrando o silêncio, mostrando que já passa das 3h, e o vazio pesa no ar. O sono, que há tempos deveria ter chegado, continua a me evitar, deixando minha mente vagar sem descanso. Sentado na cadeira acolchoada, onde me disponho a ler tentando cansar as vistas, de repente fecho os olhos, buscando lubrificar as vistas e tentando a sorte de encontrar um pouco de paz, mas tudo que vejo é você.

Na escuridão do quarto, você aparece como uma visão clara e nítida, de tal modo que posso jurar até sentir teu cheiro. Está sentada na cama, com o joelho direito erguido, enquanto o outro repousa de forma relaxada. Sua postura é tranquila, mas há algo na maneira como você se mantém que prende minha atenção.

Sua cabeça está levemente erguida e inclinada, criando um ângulo que faz com que parte do seu cabelo caia suavemente sobre o olho esquerdo, escondendo-o parcialmente. Esse detalhe, quase casual, te dá um ar misterioso e encantador que não consigo ignorar e me demoro te olhando.

Levanto-me da cadeira onde me encontrava sem ânimo e logo me dirijo a cama, e me sento mais perto de você. Mesmo sabendo que é apenas uma imagem criada pela minha mente cansada, o desejo de estar mais perto de você é irresistível. Ali, no meio da noite, tudo parece real demais para ser apenas um sonho.

Você abre a boca, e o silêncio que antes era parcial por conta do relógio, agora era quebrado por nossa conversa. Cada palavra que trocávamos estava carregada de intenções, e cada vírgula, exclamação e interrogação transformavam esse diálogo em algo mais íntimo, mais profundo. Não demora muito e já estamos transando com nossas ideias, teorizando assuntos triviais e divagando sobre coisas que mudariam o curso da sociedade e assim, nossos pensamentos se entrelaçam de forma inextricável.

Eu sonho dentro de um sonho, e nesse espaço etéreo, onde somos dois estranhos em uma busca além da conexão que já havia sido estabelecida. Nos permitimos atender ao desejo que lateja em nós. Você se aproxima, senta no meu colo, e nossos corpos se encaixam de forma tão perfeita como se sempre estivessem destinados a isso. Estamos nus, não só fisicamente, mas emocionalmente, desnudados pelas palavras que trocamos para explanar e os silêncios no olhar atencioso.

Seus gemidos se tornam o som claro e plausível de seus argumentos, e cada frase que sai da sua boca dita o ritmo dos seus movimentos. A profundidade das suas ideias se manifesta em posições que assumimos juntos, cada uma mais criativa e envolvente do que a anterior. Preciso dizer: adoro sua flexibilidade.

Enquanto você fala e se movimenta, é como se eu estivesse sentindo o sabor de sua pele, sem desviar meus olhos, mantendo-os fixos aos seus, completamente atento à melodia que emana da sua voz. Sinto enquanto desagua em mim, teu prazer por minha atenção. Estou confuso, perdido nessa transa intelectual que desafia o limite entre o real e o onírico.

As pessoas transam, fazem sexo, às vezes amor... Mas ali, nós não fazemos isso. Nós fodemos da forma mais explícita que nossos corpos e mentes permitem. É algo que certamente viria a constranger e causar inveja em qualquer um adestrado com fortes pudores. Estamos com nossa pele entranhadas umas nas outras, sentindo a veia, a carne, a vida pulsar no outro, encontrando prazer nas nossas semelhanças e excitados pelas nossas diferenças.

O quarto ao nosso redor desaparece, e de repente, é como se fossemos nós na tela de Jeff Koons em “Made in Heaven”, onde cada pincelada retratava essa experiência, essa fusão de corpos, mas nós tinhamos um conceito a mais… Nossas mentes. E, como na arte, cada um que observar terá uma visão diferente ou nenhuma.

Acordo do sonho e sinto o êxtase do orgasmo que compartilhamos. A realidade cai sobre mim, trazendo com ela o peso do cotidiano, mas ainda estamos excitados, gratos e, paradoxalmente, insatisfeitos. Somos uma antítese viva, motivados por essa insatisfação que nos leva a desejar sempre mais.

Acordo do sonho principal e me pego refletindo a insanidade de desejar uma pessoa amiga. Mas parando pra ser racional, faz muito mais sentido. Afinal, o que nos excita vai além do físico, é algo profundo que vasculha os medos e os sonhos, são os assuntos banais do cotidiano aos intelectual. É tudo visceral. Isso promove o desejo de se conectar de todas as formas possíveis, e principalmente de transcender o simples para tocar o sublime.

Yuri Izidio
Enviado por Yuri Izidio em 02/09/2019
Reeditado em 31/08/2024
Código do texto: T6735122
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