Domingo de primavera

É domingo de primavera. Vinte e uma horas e dezessete minutos. Ainda se escuta as pessoas acordadas, sentadas na praça. Osvaldo se sente orgulhoso porque Eliza, sua filha, brinca sozinha pela primeira vez no balanço. Estavam todos felizes com o clima agradável, ao cheiro doce exalante das flores do jardim.

Perto dali, Gustavo, já sem força e deitado na cama de seu quarto do novo apartamento, respira os últimos ares de sua vida. Aos poucos, vai morrendo. No escuro, sem cheiro algum, pensa que poderia ter escrito algo para algumas pessoas, antes de partir.

Pensa no pai e que agradeceria por tudo que fez. Apesar dos atritos, fora tudo para deixá-lo um homem melhor. Pensa na sua mãe. A querida mãe. A pessoa que lhe deu a vida. Sempre o apoiou nas suas decisões, que sempre esteve ali, ao lado dele, nas conquistas e nas derrotas, confortando-o com palavras que enchiam de motivação.

Pensa no seu irmão mais velho e que, mesmo distante, sabia que se amavam e que um podia contar com o outro. Sempre dispostos em ajudar o que for, onde for, para o que for. Pensa na sua cunhada que lhe ajudou quando precisou e que se pudesse, falaria para continuar cuidando de sua linda família.

Pensa na sobrinha amada. O amor de sua vida. Que lhe encheu de orgulho e alegria. Gustavo chora por não ver o futuro brilhante que ela terá. Pela bondade, sabedoria que ela possui. Assim como se lembra de seu sobrinho de três anos, que provavelmente não o lembrará. Gustavo iria lhe dizer para que cuidasse de seus pais, de seus avôs, e que continuasse a ser um menino brincalhão, como fora, independente se o dia está bonito ou nublado. Mas principalmente nos dias nublados. Que nunca perca o sorriso no rosto nesses dias.

Nesse momento, o coração de Gustavo está entre uma batida mais lenta que outra e, novamente, com lágrimas no rosto, caindo sobre o travesseiro. Seu coração aperta.

Pensa nos amigos que sempre estiveram juntos nos bons e maus momentos. Que o aconselharam tantas vezes. Que o ajudaram a ter uma vida mais leve com encontros, comemorações e conversas filosóficas para compreender esse mundo solitário, caótico, complexo, triste.

Lembra-se da pessoa que fora sua amiga e queria muito lhe dizer que, mesmo afastado, desejaria o seu melhor e que encontrasse a felicidade. Pensa no seu melhor amigo. Se estivesse ali, vendo-o na cama, teria o acudido e lhe dado uns tapas para reagir. Mas não. O amigo não faria isso. Seu amigo entenderia a sua escolha. Estaria presente, se pudesse, ali do lado, até o fim.

É domingo de primavera. Vinte e uma horas e vinte e três minutos. Ainda se escutam as mesmas pessoas na praça. Ainda Eliza brinca no balanço. Todos ainda felizes com o clima agradável. As flores do jardim ainda exalam o cheiro doce.

E, Gustavo, sozinho, respira cada vez menos. Seu coração pausadamente lento bate

e bate

e bate

e...

Flavio Cezar
Enviado por Flavio Cezar em 01/09/2019
Reeditado em 05/09/2019
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