COLODINOS - CAPÍTULO 07

Ironia ou não, num certo dia, Bira estava vindo da roça à tardezinha, o sol já baixo, com uma enxada, uma cabaça e o embornal com as vasilhas do almoço nos ombros, vinha junto com o filho Baltazar, moleque de uns treze anos, magrelo, desengonçado, fundo das calças rasgado de tanto viver sentado nas sombras das árvores lá na roça. Vinham bem à moda dos preguiçosos, devagar, sem olhar para o tempo e ambos pra se distraírem, assobiavam que repicava.

Olha o que aconteceu, disse João Gordo, ao despontarem se numa curva do caminho, Bira à frente, sem ter como fugir para os lados por causa de umas moitas cerradas de espinho de agulha, e bem à sua frente, estava o famigerado jagunço sentado numa pedra, com a carabina no colo, e escavacando as unhas com um punhal. O forasteiro era do jeitinho que o povo dizia, usava um enorme chapéu de pelo amassado para um lado, ocultava o rosto, os cabelos era um emaranhado que ficava quase todo fora do chapéu. Sua barba era grande e desgrenhada, uma figura realmente pavorosa. Parecia se desleixar daquele modo pra impressionar mais ainda os oponentes na hora das afrontas. Quando o homem avistou os dois camaradinhas o seu modo de agir assemelhou se ao voou de um abutre em ataque mortal sobre uma presa indefesa, pois revelou destreza fora do comum, e mal Bira que vinha na frente conseguiu por as vistas nele ele já tinha enfiado o punhal na bainha e estava de pé com a carabina em punho, engatilhada e no ponto de atirar. Bira que não era valente merda nenhuma, deu um grito como se tivesse morrendo e caiu prostrado em cima dumas moitas de gravata. Fechou os olhos e esperou o sopapo da bala vinda da carabina do homem. Pois tinha certeza que um jagunço daquela magnitude, talvez pior do que aqueles do sertão da Bahia que ouvia falar, jamais ia errar um alvo fácil como era ele ali naquele momento. Entretanto o destino foi lhe bastante complacente naquela hora, nunca imaginava sair vivo dali, pois, por razões desconhecidas o homem não puxou o gatilho, provavelmente tenha passado por sua cabeça o pensamento de não valer a pena gastar munição com aquela imundice e todo aquele movimento não passou dessas cenas rápidas, porque se o sanguinário tivesse levado a sério o Bira teria se fulminado naquele mesmo instante.

Porém, Bira antes de se fraquejar e cair no chão, se amarelou, as pernas bambearam, tentou covardemente sorrir querendo mostrar se amigo, entretanto, percebeu que poderia deixar o homem mais irritado e incomodado com a presença dele e do filho Balta. Tratavam o rapazote por Balta. O povo comentava que o jagunço era pautado com o demônio e naquela hora Bira viu que fazia sentido, pois como se fosse uma sombra ele sumiu vertiginosamente no meio das rochas e em seguida embrenhou se dentro da mata.

O cagão que estava acabando de desmaiar de tanto medo, percebeu que o sujeito havia sumido dali, aí fez um esforço descomunal pra se levantar, recobrou as forças das pernas, levantou se, desvencilhou se das coisas que levava as jogando no meio do mato e disparou numa carreira doida e nem viu chegar ao terreiro de casa, todo ralado e a camisa esfarrapada dos espinhos dos gravatás, e quase sem fala, tamanho o apuro que passou.

Dali pra frente Bira sumiu do meio do povo com suas estórias de valentia, pois parece que ficou encabulado e achando que por causa de ficar contando aquelas coisas fez atrair aquele episódio horrível que por pouco o teria feito saltar para o outro lado do mundo. Ficou Imaginativo, quando em vez olhar triste fixado para um determinado rumo, desmotivado da vida e com aparência de quem conjetura; poxa, quase fui dessa vez. Foi por pouco! Mal começava escurecer se recolhia pra dentro de casa alegando estar com defluxo e não podia pegar uma gota de sereno. Mas essa malandragem não funcionou, pois o povo percebeu logo que ele estava mesmo era borrando de medo daquele homem de alta periculosidade rodear a casa durante a noite e lascasse bala pra cima deles ali mesmo dentro da casa.

Vivia incomodado. Cedo da noite atravancava portas e janelas, as escoravam com coisas pesadas como o pilão de socar arroz e ainda colocava penduricalhos que produzissem barulhos e o avisasse qualquer eminência de perigo. Todavia, numa certa madrugada essa invenção quase o matou do coração, pois um gato de plantão às espreitas saltara sobre ratarias que passavam justamente sobre a janela do seu quarto, derrubou a mão de pilão que a escorava provocando barulho danado ao bater fortemente sobre o catre em que ele dormia. Ele deu um grito horrível que acordou todo mundo dentro de casa. O malicioso Balta viu que a parte da frente de suas surradas ceroulas riscadas estava molhada, e percebeu também que Bira o olhava meio desconfiado e fazia de tudo pra não lhe dar as costas, mas um mau cheiro invadiu o recinto e denunciou a situação, e para o moleque vadio os modos de Bira já não faziam a menor importância, já estava de planos feitos pra contar para o povo tudo que se passou ali naquela noite.

Vivia sem lugar o coitado, e chegou a passar semanas alegando estar doente pra não ir cuidar dos serviços na roça. Chegava soar frio só de pensar em esbarrar com o forasteiro de novo na beira do caminho, pois tinha certeza que o homem ia se sentir insultado e não lhe daria uma segunda chance, passava lhe a pólvora na mesma hora e caso encerrado. Não tinha quem o fizesse caminhar para o rumo da roça. Sua lavoura morreu no mato. E o engraçado é que no começo ele ainda pelejou pra remendar o acontecido do seu jeito pra ver se não ficava desmoralizado. Entretanto, coitado, não foi possível, pois o linguarudo do Balta que no dia vinha logo atrás, sujeito novo, ágil, e principalmente por causa da situação de apuro que passava ali na hora, saltou as moitas de espinho que nem viu e escapou pela tangente, mas viu tudo que aconteceu e não poupou o pobre do Bira. Mal botou os pés dentro de casa virou pra trás e saiu espalhando no lugar e nas colônias distantes o tanto que seu pai era fraco, e pra piorar a situação ele encompridava a estória, botava mais um pouco por sua conta dizendo que o velho havia urinado e cagado nas calças de tanto medo do desconhecido. Balta estava muito desapontado, pois desde que se entendera por gente ouvia estórias do pai que lhe chegava a dar arrepios de tanto orgulho, e agora, na hora da verdade, quando esperava uma atitude heroica, o homem borra nas calças. Que vergonha! Afirmava.

Bira tava perdido, pra remediar passou a alegar que o sujeito era mesmo pautado com o cão, e por isso ninguém podia com ele. Mas se fosse o tempo do seu avô, o sujeito tinha se dado muito mal, pois o velho Jacob sabia umas rezas brabas que quebravam as forças do inimigo, e quando menos se esperava ele chegava com o sujeito amarrado, e isso quando não dava fim lá mesmo por onde encontrava. Só que Bira estava desmoralizado na comunidade, não tinha mais jeito, juntava esse fato que aconteceu no caminho da roça e as descobertas feitas pelo seu Jeremias mascate, então, ficou difícil pra ele, ninguém o levava mais a sério, não queriam saber de suas conversas, e se quisesse continuar contando suas mentiras, sugeriam uns gaiatos, assim como ele veio de outros lugares porque ninguém por lá acreditava mais nele, teria que se mudar dali pra bem longe, e ainda, com uma condição, não podia nem pensar em levar o Balta.

Daí pra frente, todo mundo, principalmente a meninada o tomaram a pagode e onde o viam faziam chacota com ele o chamando ironicamente de o respeitável Bira ou simplesmente o respeitável. Mangavam fazendo gestos como sacassem uma arma e apontavam um pro outro e fazia tá, tá, tá. E caiam na gargalhada. Aquilo pra ele era o fim. Sem meios para atenuar aquela situação de vexame ele simplesmente esboçava um risinho sem graça e chispava pra casa. Outras pessoas que tiveram sorte infeliz de ver o jagunço, mesmo de longe, traumatizaram se, não queriam mais sair de casa, tudo pra eles era eminência de assassinato, pois pressentiam que a qualquer momento o pacato lugarejo ia virar um reboliço de tiros, facadas, pauladas, enfim, quem sabe, mortes.

Esse homem vivia sempre embrenhado dentro das matas dos colodinos, vestido numa roupa que parecia de couro, nas costas, de um lado uma capanga, e no outro, uma arma que parecia realmente uma carabina. O povo dizia tratar se de perigoso jagunço vindo de terras distantes a mando de alguém para ajustar contas com algum morador. Ninguém ousava dizer, tinham medo, ficavam de bico calado, mas havia suspeitas sobre um administrador de fazendas que chegou ali na região há anos e ninguém sabia ao certo de onde ele veio, mas corria boato que veio às carreiras por causa de mal feito em suas terras de origem e agora sendo procurado pra pagar o que devia. E pelo jeito queriam acertar as contas tirando lhe a vida.

Domingos Andrade
Enviado por Domingos Andrade em 28/08/2019
Código do texto: T6731764
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