NOITE ESCURA RIO ADENTRO

Desde que a esposa falecera, a filha Catarina tornou-se o único motivo de alegria na vida solitária do Barão Soares Brito.

Pode-se então imaginar o desespero do pai ao ver a filha acamada, a definhar por conta de uma doença misteriosa, para a qual médico algum encontrava cura. O Barão apelou até para os mais afamados curandeiros, cujos feitiços e simpatias também nada acrescentaram à melhora da filha.

Restava, portanto, apenas uma saída: a única esperança era um milagre.

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No casarão onde moravam, havia um pequeno oratório em tributo à Virgem Maria. Quando era viva, a baronesa costumava ajoelhar-se ali e rezar, horas a fio, diante da imagem sagrada. Devoção que o Barão não compartilhava, haja vista que não era um homem apegado à religião. Tanto que, com o falecimento da companheira, chegou a cogitar em desfazer-se daquele oratório. Se assim não o fez, foi somente por respeito à memória de sua amada mulher.

Agora, depois de haver tentado de tudo para salvar a filha das garras da implacável doença, o pai mundano estava disposto a converter-se em fervoroso devoto, caso uma intervenção divina viesse socorrê-lo em seu desespero. De joelhos diante da Virgem Maria, prometeu-lhe, em troca da cura da filha, uma majestosa capela, em cujo altar assentaria aquela imagem perante a qual a sua finada esposa tanto havia rezado.

A enferma teve, então, uma súbita recuperação. As febres espaçaram-se; o apetite voltara; aos poucos, sua pele perdia o tom pálido e recobrava o viço de antes.

Em resposta a este sinal promissor, o Barão deu ordens imediatas para começar a construção da prometida capela.

Depois de tanto tempo, a felicidade outra vez aninhara-se em seu coração sofrido.

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Contudo, numa noite chuvosa e relampejante, um grito terrível veio arrancar o Barão do seu sono apaziguador.

O grito partira do quarto ao lado, onde a filha convalescente repousava.

Entrando ali, correu direto para a cama da menina.

Os olhos delas estavam abertos, arregalados... Imóveis!

Dessa forma, o cruel destino aplicava mais um golpe fatal na vida do Barão. Depois de sua mulher, agora a morte levava-lhe a filha querida.

Ensandecido pela dor, o pai revoltado apanhou no oratório a imagem da santa, pois, em sua cabeça perturbada, acreditava que a Virgem o traíra, não cumprindo com a parte dela no contrato selado e autenticado sob o manto da fé.

A galope no seu cavalo mais veloz, saiu desembestado em direção ao Rio Paraíba.

Ao longe, entreviu, em meio à chuva e à escuridão, a correnteza agitada e caudalosa. Sem medir conseqüências, esporou o animal ao encontro daquelas águas turvas...

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Desse mergulho desvairado, é bom dizer, apenas o cavalo se salvou.

Anos mais tarde, graças à rede de três pescadores, chegou a vez de a imagem emergir das profundezas do Paraíba – esse rio que até hoje conserva os ossos do Barão.

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(Conto vencedor do XVIII Concurso de Contos "Aconteceu em Aparecida", 2007.)