UM POUCO DE JAPÃO - PARTE IV
1---CINEMA - Filme de TRAN ANH HUNG, franco-vietnamita, baseado numa das mais conhecidas obras da literatura moderna japonesa, livro "Nowergian Wood", do lendário HARUKI MURAKAMI (por sorte fã de HUNG, que dirigiu "O cheiro do papaia verde" e "Cyclo"). Best seller lançado em 1987, vendeu dez milhões de exemplares só no Japão, traduzido para mais de 30 línguas, apelo universal: drama sobre o primeiro amor, as dores da passagem da adolescência para a vida adulta /para alguns, travessia fatal/ e perdas inevitáveis... Mesmo com sinal verde do romancista, ainda quatro anos até o início da filmagem - roteiro escrito pelo diretor em francês, tradução para o inglês exposta ao dono da estória, muitos ajustes para filme falado em japonês, mantendo pelo estrangeiro, que desconhece o idioma, a delicadeza e a crueldade da trama. HUNG lera o livro em 1994, logo na expectativa de um longa. Para o leitor/espectador, estória do amor na juventude e dolorosamente perdido... até reconciliação com a vida. Quem não se reconhece no contexto?! Produtores como intérprete para falar com os atores. Distribuição em 36 países. ----- "Nowergian Wood", título tirado de canção dos BEATLES, predileção sonora do protagonista. Estória passada em 1969, alguns traços autobiográficos, do universitário TORU WATANABE (ator KENICHI MAITSUYAMA), como pano de fundo a agitação política da época, geração atropelando tabus, e a paixão por NAOKO (atriz RINKO KIKUCHI, que representara uma adolescente surda em "Babel"), amiga de infância, divisão entre eles de uma tragédia: suicídio do namorado dela, melhor amigo dele. O anti-herói luta desesperadamente para que a atormentada jovem não desista da vida - a meio do caminho, ele encontra MIDORI (atriz KIKO MIZUHARA, modelo estreante no cinema, rosto lindo e conhecido no país), mocinha bem resolvida e liberada, agora paixão por sua beleza e vontade de continuar viva. ----- NAOKO, sombria e suave ao mesmo tempo - angustiadas, mas delicadas cenas de sexo, câmera focalizando rostos dos atores. ----- Diretor sentiu-se "um guardião do livro". Principal pedido de MURAKAMI: "Um bom filme."
2---LITERATURA - "Eu sonho. Às vezes acho que é a única coisa certa a se fazer." Frase /mantra para o autor?/ dita por SUMIRE, protagonista de "Minha querida Sputnik", livro de HARUKI MURAKAMI, escritor traduzido para 42 línguas, milhões de cópias vendidas, leitura complexa com doses colossais de psicanálise-surrealismo-filosofia-introspecção. Vinte e um livros, muita coisa... celebração mundial, mas caso de amor e ódio com japoneses - pela obra "O incolor Tsukuru Tazaki e seus anos de peregrinação", apesar da venda de 1 milhão de exemplares no Japão, acusado de ser "ocidental" demais, assemelhado a americanos, como ERNEST HEMINGWAY (de quem é fã). Em literatura enigmática e surrealista, o pop star MURAKAMI aborda sonhos, sendo difícil distinguir real nas estórias ou interior da mente dos personagens. Mistérios cercam os temas centrais da trama. ----- Algumas obras: "Crônica do pássaro de corda" - Segredo do poço que abduz. Ele, 30 e poucos anos, desempregado, casamento infeliz - o gato some, a mulher o deixa, ele se vê sem saída e vai 'refletir' no fundo de um poço - nesta obra prima de Murakami, poço é portal para uma série de acontecimentos bizarros, início num quarto de hotel, seduzido por mulher desconhecida. / "Minha querida Sputnik" - Caos na roda gigante. Parque de diversões e a bela empregada Miu enxerga a janela de seu apartamento do alto da roda-gigante e vê um homem nu, de quem fugia, fazendo sexo com... ela mesma! (Digo EU: Freud explicaria?) Viravoltas e viagens, livro divertido e sensual. / "O incolor Tsukuru e seus anos de peregrinação" - Pianista paranormal Tsukuru Tazaki vê a aura das pessoas, dividindo-as por cores. Sua vida muda quando quatro amigos rompem com ele, sem nenhuma razão: Onde estão? Por que sumiram? Muito jazz, sexo e surrealismo. / "Norwegian Wood" - O suicídio do adolescente Kizuki, ponto de partida para o único romance realista de MURAKAMI: o amigo Toru e a namorada em saga de dor, introspecção e descobertas sexuais, a fim de entender o motivo da tragédia. Belo e triste retrato da juventude japonesa de então... (E a de hoje?)
3---SONHO & FILME - "Nada se faz sem ser sonhado antes. Tudo o que o ser humano fez neste planeta, primeiro foi sonhado" - afirmação do psicanalista LUIZ ALBERTO PY e explica dois tipos de sonhos e de sonhadores: uns criam projetos que alimentam a engrenagem do mundo e geram mudanças; outros se aprisionam dentro de sonhos impossíveis. No filme "O caminho da vida", de AKIRA KUROSAWA, o mendigo substitui os cuidados com o filho doente pela ilusão de uma bela casa. "Não repetir rotinas, para isso não é necessário sonhar. Mas de qualquer construção, criação ou acréscimo, cada 'tijolinho' de todas as realizações foi antes sonhado" - define PY que defende a importância de se sonhar acordado: "A gente tem que sonhar." Mas alerta não substituir a realidade. "Existem dois tipos de sonhos - um é prelúdio que antecipa a realidade; outro se torna substituto do real e a pessoa passa a se satisfazer com ele, que chamo de "sonho masturbatório", a pessoa não precisa realizá-lo: goza com ele e não faz mais nada - este é o sonho do neurótico, que prejudica a possibilidade de realização", psicanalista teoriza. ----- "Os sonhos construtivos são sinal de saúde mental', explica o psiquiatra CARLOS EDUARDO GOULART BRITTO. Ressalta que pessoas reprimidas não costumam fazer planos de futuro porque são pessimistas. "O sonho cria esperança e expectativa. Planejar e sonhar são boas vitaminas para o bom humor e o bem-estar desde que não sejam sonhos utópicos, impossíveis de se realizar. Criando metas positivas para sua vida, o sonhador ganha motivação - antecipa ganhos e se vê capaz de realizações - é uma atitude motivacional. Agora, sonhar exageradamente, criando ideais que nunca vai realizar, torna o sujeito um sonhador alienado. ----- "O caminho da vida", cenário favela de Tóquio. Um mendigo sonha com 'a casa maravilhosa' que "terá" um dia e todo dia acrescenta algo (o cineasta mostra como seria essa casa dos sonhos) - durante o filme, o menino adoece e o pai só fala na casa... No final, criança já morta e ele o sacode, diz que a casa vai ter piscina, uma maravilha. ----- "Coisa muito patética", lembra o psicanalista.
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NOTA DO AUTOR:
Interessante leitura, "1968: o ano que não terminou", livro de ZUENIR VENTURA.
FONTES:
"Nada se faz sem ser sonhado antes" - Rio, jornal O GLOBO, 11/10/09 --- "Beste-seller japonês sobre o primeiro amor chega aos cinemas", artigo de GLÓRIA SARMENTO - Rio, jornal O GLOBO, 4/12/10 --- "Os mistérios de Mrakami" artigo de LAURA ANCONA LOPEZ- Rio, revista MARIE CLAIRE, nov./14.
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