UM POUCO DE JAPÃO - PARTE II

2---APOSENTADOS - COMPARAÇÕES & CONTRASTES

B R A S I L - Começarei sobre a estória da cama. Não, não é um conto erótico, mas é a pedra inicial. Casaram, foram residir num quarto pequeno de sobrado coletivo perto do centro da cidade e a solução prática foi um sofá de armar, ou seja, uma parte larga e a caminha do chão. ELE acordava cedo, levantou-se atrasado, desequilibrou-se, caiu sentado sobre a parte mais estreita e quebrou dois pés altos da tal caminha... À tarde, improvisou um aramado com arame. Estavam de mudança para uma casa. Acontece que a mulher era "chatíssima" e cismou porque cismou e cismou com uma cama inteiriça e sem cabeceira - apenas estrado e colchão. Nem loja nem marceneiro! Todo exibidão: "Sei como fazer!" ELE se reformara do quartel, arrumara um emprego para trabalhar com madeira, fazendo prateleiras para casas e tapumes de obras. Viaduto perto de casa ficou pronto, não teve dúvida - madeirame de boa qualidade, sobra iria para um aterro público, o chefe permitiu que levasse... Carregou tudo numa única viagem, chão do ônibus... (E por acaso abriria a mão para táxi?) Construiu a cama, comprou o colchão e a estreia foi com uma colcha original, de seda grossa japonesa, tons de verde, estamparia de gueixas e dragões. Certa madrugada ELA acordou com a voz dele quase em gritos: "Não ensino mais nada porque já falei três vezes. Minha mulher é professora e com ELA é somente 1 - 2 - 3... Acima disso, o aluno que estude sozinho!" O cara estava sonhando, imaginava-se ainda sargentinho perante os soldados. Ai, virou para o lado e deu um soco no peito da mulher que arrastou a camona de rodinhas, puxou o lençol e se estatelou no chão, entre a cama e a parede. O Gigante bruto acordou sobressaltado, assustado, "Cadê a Ratinha?" - sem ter como explicar e se desculpar... apenas 'lembrava' a sensação de um sonho. Ganhou como prêmio um "pesadelo" - "1, 2, 3... três noites no sofá, sozinho na sala". --- Depois disso, ELE adoeceu de um modo bastante sério e não pôde mais trabalhar. Ficava nervoso, sentia-se um inútil ainda moço, resmungava, dormia, sonhava com soldados e tábuas, tábuas e soldados; tevê, sofá, cochilar; às escondidas, lia os muitos livros da mulher, inclusive romances japoneses, desejou ter uma gueixa particular, encantado com a mitologia grega, o harém de Zeus... Descobriu na pracinha perto de casa um grupo de senhores bem mais velhos que costumavam gratuitamente ("bico de pato") jogar cartas de baralho. Boa distração. Tranquilizou-se. --- Menos tempo em casa chateando a esposa!!!

J A P Ã O - Síndrome de passar mais tempo com marido aposentado em casa? Sim, décadas no papel de esposa e mãe. Namorados? Eram cartinhas de amor ("eterno enquanto dure", lei de um poeta brasuca), poemas, hai-cais... Tempo passando, fim do romantismo, ELE ainda trabalhava: críticas à comida e ao trato com a casa. Desespero dela com a aposentadoria... dele. ELA adoeceu, "síndrome do marido aposentado" (RHS em inglês). Com a aposentadoria, acabou para ELE a sociabilidade, os amigos e não havia como preencher de um modo sadio aquele 'mundão' de tanto tempo livre - sofá, tevê, cochilar, dar ordens à mulher, em especial 'proibi-la de ter... amigas. Aí, olha a coitada com úlcera no estômago, erupções na pele, passou até a gaguejar. Psiquiatra diagnosticou RHS, termo surgido em 1991, criação do doutor NOBUO KUROSAWA que lhe iniciou uma terapia. Muitas idosas na mesma situação. Mas como fazer para ficar a maior parte do tempo 'longe' do marido desocupado? Não filosofia moderna de jovens (ELES & ELAS), mas de marido antigo, mais de 65 anos, princípios rígidos exigindo da mulher total obediência, mesmo ELE tendo passado a maior parte do tempo longe da família - saía de casa ao amanhecer, trabalhava, saía com os amigos e clientes... Modernamente, os pais não moram junto com os filhos casados, tradição desaparecendo cada vez mais. São ELE & ELA, juntos apenas os dois o tempo todo... sem a menor poesia. Casados há mais de 20 ou 30 anos? Divorcio agora! (Taí, EU bem poderia ser um escritor de livros de autoajuda para idosas conviverem bem com o marido antigo... aposentado! Ah, e quando EUZINHO for também um aposentado?) --- No JAPÃO, a cultura impede que as pessoas expressem os sentimentos e as idosas não têm com quem compartilhar a ansiedade. Atividades pós-aposentadoria?! No momento presente, 3.000 grupos de ajuda a aposentados que, no mínimo, passaram a ser mais independentes (mulher para servi-lo o tempo todo?!) comunicativo com a esposa, aprenderam artesanato, bijuteria, cerâmica... e também a cozinhar e limpar a casa. --- Menos tempo em casa chateando a esposa!!!

FONTE:

"O tormento das japonesas na terceira idade" - Rio, jornal O GLOBO, 23/10/05.

3---HQ - "Urbano, o aposentado", de A. SILVÉRIO - Saudosista -- Solo exótico em outro planeta, imagina-se em traje e capacete de astronauta, lendo jornal na poltrona habitual: "Maria!" - ELA, zangada secretária do lar, cenário de casa: "Estou ocupada... Eu já conheço a sua coleção de jornais antigos sobre a chegada do homem à lua." / Leitor olhando banca de revistas e jornais expostos. ELE: "Você gosta de notícias interessante, rapaz? Neste jornal de 1987 blá-blá-blá-blá-blá..." // Mandão -- Maria, espanador na mão. ELE: "Cuidado! Não tire a antena do lugar! Não troque meus troféus de posição!" ELA segurando cesto com roupas. "Nada de lavar a minha camisa da sorte, Maria!" // Inventor -- ELA, espiando... "Maria!" ELE, jaleco branco: "Meu novo creme dental caseiro está pronto!" // Incomodativo -- Na pracinha, perante o "estátua viva", braços para a frente, pires para as moedinhas: "Tédio!" Inspirado, coloca papéis na mão do outro: "Meu relatório sobre o campeonato de boliche é muito interessante!" / Comenta com o amigo, na pracinha: "Cansei de passar o dia em casa na frente da TV." Avista a cigana, sentada a espera de cliente: "Algum programa interessante passando na bola de cristal?" // Nova ocupação, homem-almanaque -- Inseto esvoaçante, onomatopeia BZZZ, grito vem da cozinha: "Aiiiiiiiii!" - ELE, óculos de aro vermelho, capa solta sobre as costas e botas: "Calma! O homem-almanaque sabe tudo sobre abelhas!" / Onomatopeia GRRRR, aparelho elétrico em função, Maria, mãos nos quadris, esperando. ELE: "Os primeiros liquidificadores surgiram em blá-blá-blá-blá-blá..." ELA: "Obrigada, senhor-almanaque." / Na pracinha, namorado para a namorada: "Isto é para você, querida!" Urbano imediatamente com o traje fantasioso: "O homem-almanaque conhece dicas ótimas para conservar o seu bicho de pelúcia!" // Guloso --- No banco da pracinha, um monstro vermelho sentado. Dona MARLENE, amiga, professora de português-literatura aposentada, especialista em doces: "Vamos fazer um bolo formigueiro, com chocolate?" ELE: "Boa ideia!" Onomatopeia PUF! ELE: "O tédio sumiu!"

F I M

Rubemar Alves
Enviado por Rubemar Alves em 16/08/2019
Código do texto: T6722020
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