OLHOS APERTADOS

Não questiono REENCARNAÇÕES. Mas que EU a conheço desde um tempo anterior, conheço sim........ Pior. Casamento acertado para a próxima... reencarnação.

1---A moça casou e o presente do patrão francês do marido foi um QUIMONO JAPONÊS legítimo. Largo, solto porque não veio junto o OBI, faixa que fica na cintura. Durante a gravidez, era o que mais gostava de vestir. Exatamente a um ano e um mês após o casamento, nasceu a menina. Época de pré-guerra, governos se desentendendo ou ou se aliando daqui e dali, confusa a soldadesca, os povos ainda não sabendo muito bem (aliás, jamais povo sabe na paz e menos ainda em guerra alguma!) quem estava certo ou errado. "Autoridade não pedem: mandam! A vizinha judia alemã veio visitar horas após o nascimento e a achou esquisita: "Branca, desbotada, olhos apertados... Ela é japonesa!" ----- 2---Cresceu um bocadinho, entrou com o pai num bazar de gente amiga, não mexeu em nada, só ficou olhando, mãozinhas para trás, direitinho como a mãe ensinara para vencer tentações. O dono da loja mandou que escolhesse um presente. Pasme, caro leitor! ELA pegou um bibelô colorido, uma gueixa, sorriu para o objeto de louça, encostou-o no peito, pronunciou baixinho o nome HARUKO-SAN (um reencontro?!), fez uma reverência à moda japonesa e agradeceu ao comerciante: "ARIGATOU!" Ainda não havia televisão no Brasil, se já conhecia as palavras de outra vida anterior, muito menininha, três anos incompletos nesta, que fique a 'lenda' para quem possa explicar. ----- 3---Um pouquinho maior. Sem explicação real, adoeceu nos exatos dois dias (na casa, papai e mamãe só tentaram analisar depois) em que bombas atômicas foram atiradas sobre o JAPÃO - febre muito alta, corpo quentíssimo. Durante algum tempo, horrorizava-se com o desenho infantil em traje que até então adorava - na barra do vestido, joaninha (em algumas culturas, símbolo de boa sorte e fartura) branca, bolinhas vermelhas, com um mini CRISÂNTEMO atravessado na boca, descansado sob enorme COGUMELO azul. Esperou muitos meses e, a própria sem entender muito bem a reação chorosa, pessoalmente jogou o vestido numa fogueira de festa junina. Diríamos hoje: exorcizar fantasma. Aí, sem psicologia que não época não era ainda muito popular, curou-se sozinha do "trauma" (?) e voltou a comer estrogonofe. ----- 4---Vinte anos de idade. Namorou um nissei paulista. Estória chata Mandão, ciúme imaginário, nome dela começa em Ma... Ele modificou criou MAIKO, traduzia (mentira!) "aprendiz de gueixa", e só a chamava assim. ELA obediente e subordinada?! Nunca. Aonde fossem, passavam por um casal de irmãos, ele tirando onda de valente do judô (covardia, isto sim) com todo mundo. A paixão dele durou nove meses de "aturação"......... mútua. Chegou a ir com ele a um restaurante japonês no centro da cidade, não enfeitado para turista - simples, sem requinte, poucas mesas, perto do escritório central de estaleiro nipônico, famoso na época. Ela-não-sabia-que-já-sabia: manejou o hashi (palito) com perfeição logo no primeiro instante e "reconheceu" yakisoba e tempurá de camarão, que jamais vira ou comera antes desse jantar; tomou saquê, comprou doce de feijão e um chinelo de palha na lojinha anexa. ----- 5---Nunca soube quem era, mas os via no bairro carioca onde morava - a uma certa distância, um homem alto (nissei?) passava com dois meninos pequenos, por certo filhos, e a cumprimentava em reverência, sempre na calçada do outro lado, ELA respondia. Uma tarde ele acenou com a mão, gritou "SAYONARA!", a moça respondeu, o trio nunca mais foi visto, devem ter mudado para outro lugar. ----- 6---Primeira vez na cidade de São Paulo. Muitos cartões postais e folhetos, mas ainda estreante ao vivo na PAULICEIA DESVAIRADA. Amiga foi esperá-la na rodoviária, hospedou-a e passaram os dias de carnaval entre cinema e passeios pelo centro. Aprendeu o caminho do bonde, indo e vindo - veículo jamais sairia do trilho. Mas a folga da amiga acabou e já na quarta-feira voltou ao cargo de recepcionista num grande hospital público. Arriscou-se a andar sozinha, bonde, saltou, uma ruela fora da via principal e entrou num mercado de nome nipônico, "Kit........." - entrou. Colocou na cestinha doce de feijão, aquele de corte (já conhecia), um peixe salgado, 'zoiúdo', extremamente miúdo (bonitinho)... e foi agarrada pelo braço. Um segundo de susto. Uma brasileira de olhos grandes, 'normais' cumprimentou em reverência, ELA respondeu igualzinho. Aí, a outra começou a dizer que talvez fosse algum "segredinho japonês - de avó, de mãe", usou de muitas gentilezas e perguntou o que fazer com massa de soja, um produto amarelo em plástico lacrado. Nunca tinha visto tal coisa, apresentada ao pacote de soja naquele instante, agarrada pelo braço, como insistir em brasilidade? Ora, há muitos anos fazia parte de um clube de leitoras de certo jornal feminino, ELA criou na hora uma receita que "levava"a tal soja carne moída ou frango, e couve picada em tiras bem fininhas. Sopa. Tomar em terrinas, sem colher. "Explicou" que no Japão era outro vegetal verde, não couve.... E ainda falou em nova reverência: "Banzai!" - se a verdadeira tradução é 'dez mil anos', ELA usou no sentido de tradição, antiguidade. E ainda computou a massa de soja para si própria! ----- 7---Segunda vez em São Paulo. Chegou às cinco da manhã, acertara com amigo judeu de pegá-la às sete. Não percebeu, mas estava casualmente com um vestido de estamparia floral, modelo transpassado na frente, isto é, duas metades sobrepostas, 'sugerindo' (sem intenção) um quimono estilizado a quem olhasse. O nissei TAXISTA jovem como que enlouqueceu.... Chamou-a, não interessada em táxi, agradeceu de longe, mas aí fez reverência para ele, foi a conta: levava passageiro, voltava, carro vazio, acenava para ELA, mostrava dinheiro e ao mesmo tempo fazia gesto negativo, simbolizando gentileza gratuita. Aquilo rendeu - muitos passageiros para perto, breves retornos. Foi ficando nervosa e eram reverências de um a outro. Por fim, táxi saiu, amigo chegou, não viu mais o nissei. ----- 8---Muitos anos depois estava numa repartição federal para anual recadastramento. Pegou senha para ser chamada, sentou-se e de repente veio alguém com o recado para dirigir-se a determinado balcão. Oficial militar nissei a viu de longe, orientou que a atendessem imediatamente - prioridade e eternas reverências à distância!!! ----- 9---Rio de Janeiro. Meio perdida num mercado municipal, dirigiu-se a uma lojinha apenas para pedir informação. Aparência de vazia, mas ouviu um barulho, proprietário possivelmente japonês nativo, arriado arrumando vitrine, levantou-se instintivamente colocou em mãos dela uma garrafinha de saquê e falou com sorriso: "PURESENTE!" (forte sotaque) - dificuldade em pronunciar grupo consonantal que não existe no idioma japonês... Ué! "ARIGATOU!" O que dizer além disso? Mais uma vez em estado de choque. ----- 10---Sempre morando no Rio de Janeiro, foi residir numa antiga região rural onde outrora havia COLÔNIA AGRÍCOLA JAPONESA. Vez por outra, vê um deles no banco, no mercado, na padaria... e o gesto de cumprimento sempre se repete.

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Narrador meio espantado. Eu, hein?! O francês ALAN KARDEC explicaria?

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Filme "KARDEC" - Paris, século XIX. Recriação da trajetória do professor, escritor e tradutor francês HIPPOLYTE LÉON DENIZARD RIVAIL (1804/1869), autor de "O livro dos espíritos", conhecido pelo nome de ALAN KARDEC - cuja origem, aliás, o filme explica. O drama de WAGNER DE ASSIS, inspirado na biografia escrita pelo jornalista MARCEL SOUTO MAIOR, explora episódios-chave que levaram o personagem a se tornar codificador da doutrina espírita. A narrativa começa pela indignação do já veterano professor Rivail (ator LEONARDO MEDEIROS) com a intromissão da religião no ensino básico francês. Ao mesmo tempo, Paris agita-se com a onda das "mesas girantes". Quem as movimenta? O ceticismo de Rivail e de sua mulher (atriz SANDRA CORVELONI) dará paulatinamente lugar a um interesse pela tentativa de compreender o fenômeno que virá a absorvê-lo por inteiro. No entanto, a dimensão humana sofre. no filme, 'arranhões pelo tom solene e muitos diálogos e situações. ----- "Do ceticismo ao espiritismo", O GLOBO, recorte sem data.

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NOTAS DO NARRADOR:

BANDEIRA DO JAPÃO - formato retangular branco, ao centro um disco vermelho representando o sol.

CRISÂNTEMO - selo imperial do Japão, crisântemo amarelo ou laranja com linhas pretas ou vermelhas, ou seja, traçado de esfera central e 16 pétalas em círculo.

COGUMELO ATÔMICO - resíduo da explosão nuclear sobe com muita força, forma uma espécie de jato da matéria - bolha de gás quentíssima aquece o ar em volta, em segundos esfria e se espalha como se fosse uma nuvem gigantesca.

F I M

Rubemar Alves
Enviado por Rubemar Alves em 10/08/2019
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