COLODINOS - CAPÍTULO 03

Contudo, na noite de sábado pra domingo o encontro ficou realmente muito interessante, a harmonia entre os participantes era perfeita e os deixava bem à vontade, a hora de partirem aproximava se, e por isso queriam aproveitar o máximo ali juntos, pois embora não falassem todos sabiam que outro encontro reunindo toda a família talvez num acontecesse nunca mais. Muitas emoções; o clímax alcançara marcas extraordinárias e maravilhosas, recordações surpreendentes e gargalhadas intermináveis, enfim, momentos de profusa alegria produziam efeitos afáveis em todos daquela família ali naquele recanto mineiro onde foram criados.

A casa onde se hospedaram como já foi falado era uma casa imensa, dessas casas grandes sedes de fazendas de séculos atrás, mais de trinta cômodos, construída nos moldes coloniais há mais de duzentos anos, porem majestosa, e esplendidamente bela ali às margens de um ribeirão de águas cristalinas. Entre outros cenários de beleza o ribeirão era o mais imponente, pois chamava as atenções com seu leito descendo manso logo ali depois do terreiro da cozinha, fazendo vários contornos ladeados por macias gramíneas verdes sob as sombras das laranjeiras e muitos outros pés de frutas. Desse ribeirão foi puxado um canal que descia forte e passava debaixo da casa e serpenteava por longa distancia pra tocar o velho monjolo dia e noite e transformar quartas e quartas de milho em fubá, canjica ou canjiquinha, e mais abaixo, entre tantos pés de frutas regava um lindo cultivo de hortaliças, e continuava descendo serenamente até se despejar nas águas de outro ribeirão, e esse cortava mais de dez quilômetros de distancia até bater no rio grande. No outro lado, bem na beira do barranco, no meio de umas viçosas moitas de taiobas imergia um ingazeiro imenso, galhos enormes, eram interessantes, pois havia galhos que iam de uma banda à outra do ribeirão, sombreava as águas, e estavam carregados de frutos maduros, onde se via nuvens de passarinhos, eram sanhaços, azulões, patativas, bico de pimenta, melros, bem ti vi, e de vez em quando um casal de João de barro à porta de sua casinha num pé de embaúba ali perto, fazendo couro aos outros e arrulhando freneticamente as asas, e todos cantando alegremente enquanto bicavam para abrir as cascas e retirarem os deliciosos bagos de ingá doces como mel. Na outra banda, numa soca de arroz, à beira de um brejo, muitos passarinhos, garças caminhando devagar nas águas rasas à caça de peixes, gaivotas barulhentas ciscando o terreno encharcado atrás de alguma coisa pra comer, quando em vez revoadas de paturis e pássaro preto soldado, de papos cheios se levantando alegres em passeio pelos ares indo pras bandas das várzeas pantanosas da beira do rio grande. O sol abria frestas entre as folhas das arvores que encobriam o ribeirão, batia sobre a superfície das águas aquecendo a, e a tornando morna e muito agradável para o povo brincar e tirar seus mergulhos na volta do dia. Noites de semanas santas invariavelmente de luas cheias, claras como o dia, e o povo aproveitava pra sentar se às margens do ribeirão e passar horas e horas encantado com a beleza da natureza e ouvindo o barulho cadenciado das águas, e ao mesmo tempo proseava e contemplava o curso d’água indo sereno, recebendo por entre as ramagens dos galhos das árvores os raios prateados da lua que o iluminava até onde as vistas alcançavam, e tornando ali belíssimo o panorama. Sobre o ribeirão, de quando em quando pequenas pontes de construção antiga em madeiras rústicas, ou mesmo algumas pinguelas, que permitiam a travessia entre as margens. Assim que começava escurecer o silencio era quebrado pelas rãs, sapos e pererecas coachando sem cessar nos brejos logo ali por perto. Durante o dia patos e marrecos em algazarras sobre a correnteza faziam incessantes mergulhos em busca de alimentos no fundo das águas. As árvores em flores exalavam flagrâncias inconfundíveis chamando a atenção das abelhas italianas, arapuás, jataís e inúmeras outras espécies que não se cansavam de trabalhar no engenhoso processo de visitar os polens e colher o néctar para produzir mel. Flagrâncias irresistíveis dessas flores de coloridos diversificados perfumavam o ambiente e o tornava num cenário de belezas raras, principalmente por conta dos voos sincronizados dos beija flores que dançavam de um lado para o outro e as beijavam com alternância admirável. Nos galhos dos pés de frutas pássaros multicoloridos cantando ou bicando suas refeições do dia. Quando alguém ia abanar o arroz que havia sido acabado de pilar e jogava o farelo no meio do terreiro, fervia de galinhas rodeadas de pintinhos, deles pequenos, outros já frangotes nascendo penugem já quase no ponto de se separar da mãe pra largar o choco e começar a botar, havia também galinhas de angola cheias de filhotes e outras criações, bem como os canários da terra, tico – tico, tiziu, corre trio, bem ti vi, rolinhas, fogo pagou e tantos outros que desciam em nuvens das árvores ao redor da casa e assentavam no chão pra aproveitar a fartura de alimentos. Os terreiros da casa eram sempre varridos com esmero logo pelas manhãs, e neles, logo que o sol esquentava, num lugar ou noutro, entre as criações, patos, marrecos, gansos, as galinhas, os perus e um lindo casal de pavão, alem de alguns leitões que escapuliam das mangas e fuçando por ali, via se também os sabiás de peito roxo, mansinhos de um jeito que quase dava pra alcançá-los com a mão e sempre espontâneos em suas belíssimas sintonias musicais, realçando a beleza e o sossego da vida ali na roça. Quando despencava uma fruta madura lá de cima e caía dentro d’água, via se cardumes de lambaris, muitos deles pequeninos, entretanto havia também muitos lambaris pratas de nadadeiras e cauda amarelo ouro e os de cauda vermelha com rajas escuras ao longo do dorso, esses bem maiores e todos agitando as águas do ribeirão em saltos para disputar pedaços de comida. Borboletas de cores estonteantes embelezavam ao redor da casa com seus coloridos dignos de reflexão, bailando sobre os jardins repletos de flores em cores nas mais diversificadas tonalidades, principalmente sobre as pétalas das rosas brancas que se juntavam às outras e exalavam suas fragrâncias perfumadas no recinto e indo ao longe. Mais adiante, especialmente nos fins de tarde, na hora que o sol começava a entrar, jorrando belíssimos raios dourados sobre um espigão de serra, onde os pastos em vários pontos eram agraciados com as belezas dos ipês roxos e amarelos, densamente floridos e conferindo aos visitantes um cenário deslumbrante onde ovelhas e também muitas cabras leiteiras pastando tranquilamente, umas brancas, outras pretas e havia também as malhadas, andando devagar e com as pernas abertas por conta dos ubres cheios ao ponto de estourar, acompanhando os animais, as vacas holandesas e caracus, essas de cor escura ou de tom amarelado com enormes estampas brancas, produzindo cenário de beleza rara sobre o alto de pastagens verdejantes. Essas vacas leiteiras, bem como as cabritas supriam a fazenda com o leite para produzir os deliciosos queijos de coalho, coalhada, arroz doce, quitandas como broas e bolos de fubá e o biscoito de polvilho, ingredientes indispensáveis pra realçar o estado de espírito de harmonia e paz ali no campo. Essa casa, quando foi escolhida para recepcioná-los foram realizados diversos reparos para corrigir algumas avarias no velho telhado pra tirar as goteiras, as imensas portas e janelas, divididas em duas bandas, foram repintadas numa suave tonalidade azul claro, e suas paredes haviam sido caiadas de fresco na cor amarelo claro, assim como era a pintura original de muitos anos. Restaurações de grande importância, pois a tornou num ambiente alegre e de acomodação agradável, portanto estava impecável e bem preparada para recepcionar e proporcionar inarráveis momentos de conforto a todos os membros dessa família mineira, alguns vindos de lugares distantes e de diferentes partes do país para participarem daquela reunião familiar ali naqueles sossegados dias da semana de páscoa, onde podiam matar as saudades e as tantas curiosidades sobre tudo do lugar.

Gonçalves, o irmão mais velho, pra contar as estórias e matar saudades dos tempos que viveu ali naquele recanto ao sul do interior mineiro, zona rural do município de Passos, veio com filhos e netos, procedentes do noroeste paulista, região que ainda jovem nos vinte e cinco anos de idade, isso há quase cinco décadas, escolheu para morar e constituir sua família. Contudo, nunca se esqueceu, e jamais deixou de amar o pacato lugarejo onde viveu, junto aos pais, irmãos, alguns parentes e amigos, naqueles tempos felizes da sua infância e juventude. Portanto, retornar ao lugar e se reunir com quase todos os membros da família, falar dos tempos de criança e sobre as tantas estórias, era uma alegria imensa. Não mediram esforços para fazerem a viagem e participarem daquele encontro, diziam radiantes de satisfação.

De forma semelhante, vindo porem da distante região nordeste, sul do Maranhão, onde mora há quase quarenta anos, chegava JJ Jeduei com vasta experiência de tantos lugares por onde andou por todo esse tempo, mas principalmente cheio de felicidade em poder participar daquele encontro maravilhoso onde todos podiam lavar suas almas falando de maneira simples, alegre e sincera sobre seus passados, seus presentes e suas perspectivas de vida futura. Os outros, o Zé, o João, Divar, Sérgio, o Zé veio (papai), as meninas, a Cida, a Lena, a Fatinha e a Sandra, obviamente entre dezenas de parentes queridos das gerações mais novas, e embora alguns desses houvessem se distanciados e vivido por temporadas em outros lugares, mas agora estavam todos morando perto um do outro ali na região. Todavia, todos se reuniam felizes e ansiosos para aproveitar a oportunidade de poder falar sobre as exuberantes estórias de suas vidas ao longo de todos esses anos.

Domingos Andrade
Enviado por Domingos Andrade em 06/08/2019
Reeditado em 09/08/2019
Código do texto: T6714094
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