Círculos

Estela vinha tentando esquecer alguma coisa já há algum tempo. E talvez por que ela não confiasse em mim o suficiente para falar sobre o assunto, eu seguia sem saber do que se tratava. A verdade é que eu acho que ela era incapaz de confiar em quem quer que fosse. Era um caso de desconfiança cínica que às vezes me parecia engraçado, mas que tinha também algo de trágico.

Ela empurrou mais um copo de vinho goela abaixo e foi se deitar na rede na varanda.

Não me disse porra nenhuma sobre o que vinha lhe consumindo por dentro naquela noite. E no fundo eu preferia que fosse assim, por que não estava com uma cabeça muito boa pra mistérios.

Eu fiquei na minha cama, fingindo que estava lendo um livro, quando na verdade estava com o pensamento perdido entre as palavras, que não se juntavam nem faziam qualquer sentido pra mim. - A única coisa que é 100% garantida é a morte – Estela me disse uma vez, do alto da sua maturidade de vinte e poucos anos. E mesmo que ela tenha apenas repetido algo que eu lhe disse no passado, as palavras soaram como se fossem de propriedade dela, e ficaram reverberando na minha cabeça na exata maneira em que ela falou.

Em pouco tempo ela começou a roncar e a rede parou de balançar. E eu fiquei me perguntando se ela tinha caído no sono pelo cansaço por 36 horas sem dormir, ou pelos comprimidos que tinha tomado junto com o vinho.

A chuva começou a cair pesada do lado de fora e eu corri pra fechar a janela do quarto. Estela não se mexeu, mesmo com os salpicos de chuva caindo sobre o seu rosto. Peguei-a no braço e carreguei pra a cama, com todo o cuidado do mundo para que não acordasse. Joguei uma coberta sobre o seu corpo e apaguei a luz do quarto.

Vesti uma bermuda, uma camisa e peguei o guarda chuva que Estela tinha deixado jogado em cima da mesa da sala. Eu precisava de uma cerveja, mesmo que para isso, eu tivesse que atravessar um dilúvio pra chegar à barraca mais próxima. Desci as escadas e tomei a rua, tentando fazer com que o guarda chuva não fosse levado pelo vento.

2

Não é como se eu fizesse questão de conhecer pessoas, mas eu realmente precisava estar perto delas de vez em quando. Talvez pra que eu não me sentisse tão anormal quanto eu sentia que era. Eu achei que eu só precisaria de alguns goles, mas as latas foram se acumulando no balcão ao meu lado, e quando estava perto da meia noite, o dono da barraca disse que precisava fechar, e todas as pessoas que estavam ao meu redor, conversando sobre os mais diversos assuntos, pagaram suas contas e foram embora, debaixo de chuva. Peguei mais três latas para levar para casa, paguei e fechei a minha conta. Peguei também uma carteira de cigarros, - Gift Azul – Uma das marcas mais baratas à venda. Por que Estela dizia que não fazia sentido querer luxo quando se tratava de se matar lentamente. Ela não fumava por vício, mas por desdém pela vida. Ou pelo menos dizia que era isso.

Entrei em casa, ensopado e deixei o guarda chuvas aberto para que escorresse. Estela ainda estava dormindo, mas havia afastado o lençol e estava completamente descoberta. Costumava dormir só de calcinha, por ser extremamente calorenta. Mas eu tenho certeza que nos dias frios, ela fazia isso apenas para me atentar a libido. Não que nós estivéssemos transando com frequência... Com certeza era menos do que eu gostaria, e certamente era bem menos do que no início.

A tensão sexual era algo que definia nosso lance, como ela costumava chamar o que tínhamos, talvez por receio de chamar de relacionamento. Nos primeiros meses, raro era o dia nos encontrávamos e não terminávamos na cama. Assim, ela gostava de passear nua pela casa, e me provocar com olhares insinuativos sempre que podia.

É FODA quando você que foder, mas tem a cabeça cheia demais para fazer isso de uma maneira sincera. - Faça qualquer coisa, mas não me foda burocraticamente – Ela disse logo no primeiro dia. E eu ri, por não ver como seria possível misturar burocracia com sexo.

Mas enfim, a vida ia se mostrando fluxo interminável de tédio e de repetições das mesmas coisas. Mesmo que eu nunca tivesse me sentido entediado pela presença de Estela, acho que ela estava quase lá em relação a mim. O tempo era a cruz de todo mundo. – Ela me disse também, no primeiro dia, citando Bukowski. – E só agora eu percebi que ele estava certo sobre isso.

Sentei na minha cama do lado de Estela, e rabisquei esse último pensamento no canto de uma página do livro que eu vinha tentando terminar de ler.

Larguei o livro de lado e fechei os olhos. Mesmo sabendo que o sono não chegaria tão cedo.

3

Acordei com o barulho da porta batendo. Levantei assustado da cama e dei de cara com Estela com as mãos cheias de sacolas de super mercado.

- Não tinha nada pra comer na geladeira. Não sei como você sobrevive aqui sozinho – Ela me disse, aparentando bom humor.

Esfreguei meus olhos e fui até o banheiro. Escovei os dentes e lavei o rosto displicentemente, enquanto Estela arrumava as coisas na cozinha. Quando saí, ela já estava sentada à beira da mesa, tomando um copo de Iogurte e fumando um cigarro.

- Comprei fruta, pão, queijo e iogurte.

Me sentei ao seu lado e peguei uma maçã da fruteira. Dei uma mordida e meu estômago pareceu receber bem a comida, depois de uma noite de bebedeira. Estela nem de longe lembrava a pessoa taciturna da noite anterior, e eu achei finalmente que todo pensamento sobre tédio tinha sido algum tipo de exageração de minha parte. Ou uma forma qualquer de bad trip de quem está simplesmente cansado.

- Pensei que você não estaria aqui quando eu acordasse hoje. – Disse-lhe.

- E porque você pensou isso?

- Porque o tempo é a cruz de todo mundo.

Estela ficou um tempo me olhando fixamente, deu um último trago e lançou a bituca de cigarro no cinzeiro de barro sobre a mesa.

- O que você quer dizer com isso?

- Nada. Foi só uma viagem errada que tive ontem.

- Tudo bem. Não precisa falar se não quiser.

- Tudo bem. – Eu disse finalmente.

Ela finalizou o copo de iogurte e se espreguiçou na cadeira.

- Preciso ir pra casa. Mas antes vou tomar um banho. Estou podre.

Balancei a cabeça concordando e ela sorriu. Não demorou muito no banheiro e saiu logo depois, deixando minha casa com cheiro de Xampu, e uma toalha molhada jogada em cima da minha cama. Ela era tão desleixada quanto eu. Em certas coisas era até pior. E acho que me apaixonei tanto pelo desleixo, quanto pelo pessimismo existencial e pelo seu cinismo ocasional. Estávamos unidos também pelo nosso cansaço do mundo. Talvez isso, no fim das contas, tenha nos tornado imunes ao tédio. Ou talvez eu tivesse completamente errado sobre isso e ainda não soubesse.

4

Estela me ligou de madrugada, com a voz visivelmente alterada de quem havia chorado.

- Ele está morto. – Ela me disse, soluçando.

- Ele quem?

- Chinaski.

- O seu gato?

- Sim.

- Como foi isso?

- Não sei. Quando acordei ele estava estirado, na porta do banheiro.

- Tem certeza que ele está morto?

- CLARO QUE TENHO, CARALHO! EU SEI DIFERENCIAR UM GATO MORTO DE UM VIVO.

- Tudo bem. Desculpe.

- Eu não consigo nem olhar pra ele. – Disse, desabando em lágrimas.

- Tenha calma, meu bem.

- Você pode vir aqui?

- Agora?

- Sim.

Estava chovendo torrencialmente desde o começo da noite, e Estela morava num bairro que costumava ficar debaixo d´água nessas situações. Apesar de tudo, eu não queria deixa-la na mão.

- Tudo bem. Vou pedir um Uber.

- Ta certo. Quando tiver chegando me avisa.

- Ok.

Desliguei e abri o aplicativo, torcendo que alguém topasse me levar pra o outro lado da cidade no meio de um dilúvio.

Não demorou muito pra que eu chegasse à casa de Estela. Por ser de madrugada, não havia muitos carros na rua. Antes de descer do carro eu percebi que ela estava na portaria do prédio me esperando. Paguei ao motorista e corri até ela, tentando não me molhar muito. Ela me deixou passar pelo portão e depois me agarrou, ainda soluçando.

- Meu bem. Essas coisas acontecem. – Eu lhe disse.

- Não acontecem simplesmente. Foi a vizinha que botou veneno pra ele.

- Tenho certeza que tem um lugar reservado pra esse tipo de pessoa no inferno.

- Espero que sim. Ela gosta de encher a boca pra dizer que odeia animais. Que se pudesse matava todos.

- O capeta deve estar ansioso por ela.

Estela abriu um sorriso amarelo, mas logo voltou a chorar.

- Deixa eu ver onde ele está – Continuei.

Ela me pegou pela mão e me levou até o banheiro. Lá estava Chinaski, estirado. Dava pra ver que um pouco de sangue escorreu pela boca dele e manchou o chão. Provavelmente por culpa de algum tipo de veneno. Me senti triste por Estela. Por ter que ver aquele tipo de coisa. O gato não gostava muito de mim. Era extremamente ciumento com a dona. Tinha o costume de urinar nas minhas sandálias, e sempre que eu me deitava com Estela, ele vinha para o meio de nós dois. Tentando disputar a atenção dela.

Voltamos para a sala, Estela se sentou no sofá e fumou o que parecia ser o último cigarro da carteira.

- Você tem um saco grande? – perguntei.

- Pra que você quer um saco?

- Pra colocar ele dentro.

- Você quer jogar o meu gato no lixo?

- Não no lixo. Mas temos que tirar ele do banheiro.

- Eu quero enterrar ele.

- Podemos fazer isso amanhã.

- Eu não vou conseguir dormir com ele morto aqui dentro. Tem que ser hoje.

- Tá caindo um dilúvio lá fora, Estela.

- SE VOCÊ NÃO VEIO PRA AJUDAR, ERA MELHOR TER FICADO EM CASA.- Ela gritou histericamente.

Tentei ficar calmo e não gritar com ela de volta, pela seriedade do momento. Então parei em sua frente e falei.

- Você não precisa gritar comigo. Não é nada que não possa ser resolvido.

- Ok. Desculpe.

- E onde você acha que nós poderíamos enterrar ele uma hora dessas?

- Tem um terreno baldio aqui na rua.

- E como vamos cavar a cova? Com as mãos?

- Meu irmão tem uma pá. Ele está reformando a casa dele que é aqui na rua. É só nós pegarmos emprestada.

- Tudo bem. Se você não quer que eu coloque ele num saco me arranja uma toalha.

- Tá.

Estela se levantou e foi até o seu quarto. Voltou com uma toalha vermelha e uma capa de chuva. Eu vesti a capa, fui até o banheiro e enrolei o gato morto na toalha. Quando voltei, ela estava mais calma e segurando sua sombrinha na mão esquerda. Saímos debaixo de chuva, e paramos no quintal da casa do irmão dela, para pegar a pá que ela havia dito que estaria lá. Caminhamos pela rua mal iluminada e com água nos tornozelos. Meus sapatos estavam ensopados, mas àquela altura eu já não ligava mais pra nada. Só queria colocar o gato debaixo da terra e me deitar numa cama quente e seca.

O terreno baldio ficava no fim da rua, mas felizmente havia um poste aceso perto, o que achei que tornaria o meu trabalho um pouco mais fácil. Só que aí sem nenhum aviso a luz do poste se apagou, e ficamos completamente no escuro. Eu, Estela e o gato morto. A chuva diminuiu de intensidade e Estela conseguiu ligar a lanterna do celular pra clarear o nosso caminho. Por ficar acima da altura da rua, o terreno ainda não tinha sido tomado pela água. Então, ansioso pra terminar o serviço, eu coloquei o gato no chão e comecei a cavar, entre uma touceira de mato e o canto de um muro. Como a terra estava úmida, não foi muito difícil no início. Mas aí eu comecei a encontrar várias pedras, o que tornou o trabalho cada vez mais complicado.

- Cava mais fundo. – Estela falou.

- Não estou conseguindo. Tem muitas pedras aqui.

- Mas ainda está muito raso.

- Vamos enterrar ele assim mesmo, já dá pra cobrir o corpo.

- SE VOCÊ NÃO CAVAR OS SUFICIENTE, OS CACHORROS VÃO SENTIR O CHEIRO E ACHAR ELE – Ela gritou, balançando os braços furiosamente.

- Então vem aqui e cava, porra. – Respondi e larguei a pá no chão.

Ela esticou o braço com o celular para que eu pegasse. Se abaixou e pegou a pá.

Começou a cavar freneticamente. Brigando com as pedras e com os pedaços de raiz que estavam no caminho. Até que o buraco começou a fazer água e ela já não conseguia ver o fundo direito.

- PORRA! – ela gritou, transtornada, e voltou a chorar.

Tomei a pá da mão de Estela, enterrei o gato do jeito que o buraco estava e cobri a cova da melhor forma que pude. Voltamos pra casa, e em todo o caminho Estela esteve calada. Abriu a porta e foi direto pro banheiro. Eu tirei a capa de chuva e deixei do lado fora, antes de segui-la. Assim que Estela saiu, eu tomei um banho quente e fiquei apenas de cueca. A única parte da minha roupa que não estava ensopada.

- Dorme aqui. Não quero ficar sozinha. - Ela me pediu.

Eu assenti com a cabeça e ela me pegou pela mão pra que a seguisse pro quarto. Não demorou muito para que ela dormisse. Fiquei abraçado com ela debaixo dos lençóis, e quase senti falta do gato tentando se infiltrar no meio das nossas pernas.

5

Passei uns dias sem ver Estela depois da morte do gato. Eu percebi que ela não estava no humor para ter ninguém por perto, então acho que fosse apropriado lhe dar algum espaço. Na semana seguinte ela apareceu na minha casa com uma garrafa de vodka barata (Slova) e com um olhar de quem não vinha dormindo muito bem.

- Posso dormir aqui hoje? – Ela me perguntou, antes mesmo de entrar.

Deixei que ela entrasse, sem dizer nada e ela largou a mochila que trazia consigo no sofá.

Eu sabia que havia algo de errado com ela. Mas também sabia que não valia à pena tentar falar sobre o assunto, sem que ela tomasse a iniciativa.

- Você tem refrigerante aí? – Perguntou-me.

- Não. Mas tem limão e gelo.

- Serve.

Estela foi até a cozinha. Cortou limão e jogou junto com algumas pedras de gelo dentro do liquidificador. Depois misturou a vodka e bateu por alguns segundos.

Voltou com dois copos cheios da mistura e me ofereceu um. Bebi por educação, temendo a ressaca do dia seguinte.

Estela sentou no sofá e cruzou as pernas. Ajeitou a franja que estava lhe cobrindo os olhos e tomou um gole da bebida. Ela parecia tão bonita quanto no dia que eu a havia conhecido. Apesar do cansaço que naquela época não era tão presente. Dava pra ver as olheiras marcando o fundo dos olhos e que lhe davam um certo charme, junto com o traço do lápis de olho preto que ela sempre usava.

- Você está tão calado – Ela me disse.

- Eu estava preocupado com você. Ainda estou, na verdade.

Ela balançou a cabeça e voltou os olhos pra o fundo do copo. Dava pra ver uma fumacinha subindo do copo, tal a quantidade de gelo que ela tinha colocado dentro.

- Eu não queria te preocupar falando sobre meus problemas.

- Acho que não falando, você me preocupa mais do que se falasse.

- Queria que fosse simples assim.

- Tudo bem.

- Caralho. Eu sei que não está tudo bem. Mas eu vou falar por que de uma forma ou outra você vai ficar sabendo.

Tomei um gole mais generoso da capiroska e esperei o pior. Acho que eu já estava acostumado a lidar com o pior vindo das pessoas e confesso que achei que Estela estava à ponto de confessar uma traição, ou que finalmente o tédio tivesse chegado até ela.

Poderia caber um dia dentro dos segundos que ela ficou em silêncio me olhando. Mas enfim, ela começou.

- Acho que estou doente.

- Doente de quê?

- Não sei. Pode ser câncer.

- Você está falando sério?

- Estou. Mas estou esperando o resultado da biópsia.

- Câncer de quê?

- Ovário.

- Quando você soube?

- Fiz uns exames há uns três meses. Pouco depois de te conhecer. Mas só tive certeza essa semana.

- Quando sai o resultado?

- Amanhã. Aí vou saber se é sério ou muito sério.

- Eu sinto muito.

- Também sinto muito. Não queria te envolver nisso.

Segurei a mão de Estela e ela me deu um sorriso triste de volta.

- Eu já estou envolvido.

- Não acho que essa seja uma escolha sua.

- Como assim?

- Não sei se quero estar com alguém durante o tratamento. Não sei se quero você, ou quem quer que seja por perto.

Me levantei e dei uma volta pela sala, tentando pensar no que dizer. Quis chama-la de egoísta, a princípio, mas depois conclui que no fim das contas eu é que estava sendo egoísta.

- Tudo bem. Então o que você quer que eu faça?

- Por hoje. Quero que você beba comigo como se nada disso tivesse acontecendo.

Fiquei com o olhar perdido no rosto de Estela. Enquanto ela esperava alguma resposta de minha parte. Naquele momento eu tive certeza que a vida era injusta pra caralho mesmo. E era assustador perceber que eu podia perder Estela para a morte qualquer dia desses. Eu queria saber o que falar pra ela. Mas me contentei a balançar a cabeça e esvaziar a bebida que eu tinha nas minhas mãos.

Acho que foi o suficiente pra que ela se sentisse melhor, pelo sorriso que me deu.

Esvaziamos a garrafa de vodka, e eu sequer pensei na ressaca do dia seguinte.

6

Estela saiu antes que eu acordasse. Mas arrumou a bagunça da cozinha. Achei aquilo um péssimo sinal. Eu sentia o peso da ressaca pela vodka barata, mas o pior era a ansiedade por não saber o que passava pela cabeça de Estela. Tentei não pensar nisso e me levantei antes que me atrasasse ainda mais pro trabalho. Tomei um banho rápido, vesti a primeira roupa que encontrei e fui pra a parada de ônibus. Apesar de ser inverno, naquela manhã o sol queimava como se fosse um dia de janeiro. O ônibus não demorou muito, e eu consegui um lugar pra sentar perto da traseira. Me senti enjoado e me arrependi de ter bebido tanto. Mas era tarde pra lamentar. Eu só esperava não vomitar ali e estragar o dia da pessoa que estava sentada do meu lado.

Consegui segurar o enjoo até que chegasse ao meu destino e vomitei num poste logo que desci do ônibus. Eu não tinha muita coisa dentro de mim pra botar pra fora, mas me senti melhor depois disso. Parei na cantina pra tomar um café antes de começar a trabalhar. Fiquei olhando para o copo de café, esperando que ele me levasse pra um lugar distante de toda aquela situação.

Minha divagação foi interrompida quando recebi uma mensagem de Estela pelo celular. Que dizia laconicamente.

- “O tumor é benigno, mas vou ter que fazer cirurgia e quimio”.

Tentei ligar pra ela logo em seguida, mas ela não atendeu. Minutos depois outra mensagem chegou.

- “Depois falo contigo.”

Terminei de beber o café e segui pra minha sala, tentando botar a cabeça no lugar pra conseguir trabalhar. Talvez eu precisasse de mais do que um copo, antes que o dia terminasse.

7

Quando cheguei em casa, Estela estava deitada na rede fumando um cigarro. Tinha uma mochila e uma sacola de roupas em cima da minha cama e eu percebi que ela estava de saída. Eu entrei e deixei minhas coisas em cima da mesa da sala. Ela apagou o cigarro e veio andando em minha direção, como se tivesse algo pra dizer na ponta da língua. Mas não disse nada.

- Você juntou suas coisas? – Perguntei.

- Juntei.

- O que isso significa então?

- Você sabe.

- Eu tenho direito de opinião sobre isso?

- Tem sim. Mas não acho que sua opinião vá mudar muita coisa.

- Então acho que eu não vou falar nada.

- Veja só. Eu não quero estar perto de ninguém quando estiver passando pelo que vem pela frente. Eu vou perder cabelo. Vou passar por uma cirurgia que vai deixar marcas. Vou emagrecer. Vou passar um tempo me sentindo menos mulher. E eu não quero você carregando esse peso comigo. É uma escolha que talvez soe egoísta, mas é uma escolha minha. E eu acho que você me conhece o suficiente pra saber que é o que eu preciso agora.

Ela se manteve firme enquanto falava, mas sem soar ríspida. E eu sabia que o peso que ela estava carregando era muito maior do que qualquer dor ou frustração que eu estivesse sentindo pela separação. E por mais que eu quisesse pedir pra ela mudar de ideia, resolvi ficar calado.

Eu me aproximei e Estela me abraçou... E foi como se tudo estivesse certo por alguns instantes. Ela ergueu a cabeça e me deu um beijo nos lábios e não conseguiu esconder os olhos marejados. Eu nunca a tinha visto chorar. Mas com certeza pra tudo havia uma primeira vez.

- Não posso prometer que vou voltar pra você depois. Mas eu gostaria. – Ela disse.

- Não pensa nisso. Não é importante.

- E o que é importante?

- Agora.

Ela me olhou como se não tivesse entendido, mas quando eu a beijei, acho que qualquer dúvida tinha desaparecido da cabeça dela.

Estela afastou as alças do vestido em seus ombros e deixou que ele caísse no chão.

- É... O agora parece bom.

Ela sorriu, mas achei que era um dos sorrisos mais tristes que eu já tinha visto.

Apaguei a luz do quarto e observei a silhueta de Estela andando até a cama.

Me perguntei quanto tempo caberia dentro daquele “agora”

Do lado de fora, o céu começou a desabar em chuva, como se tentasse compensar o dia de sol e eu pedi que Estela enfim, esquecesse a hora de ir embora.

8

Da primeira vez que vi Estela, eu tive a impressão de que ela estava pegando fogo, dos pés a cabeça, quando ela saiu do bar com um copo de conhaque na mão e ficou me olhando da calçada.

E depois foi como se eu não existisse para ela pelo o resto da noite. Há um certo mistério em olhares demorados de pessoas desconhecidas, principalmente quando você tem dois ou três litros de cerveja na cabeça. Eu esvaziei ainda outras tantas garrafas antes de por acaso trocar algumas palavras com ela. Talvez fosse mais fácil lidar com essas coisas quando eu estava bêbado. Por que muitas vezes eu me sentia incapaz de trocar uma palavra com qualquer desconhecido se não houvesse um contexto apropriado. Então nesse caso, eu acho que o álcool terminava virando o contexto, no fim das contas. Lembro-me de ter percebido um certo peso no olhar dela... Como se ela tivesse os sentidos embotados por um desânimo e desinteresse existencial, ou talvez fosse apenas o MDMA misturado com conhaque que ela havia tomado. Vai saber.

Eu soube desde o principio que ela não era uma pessoa fácil, no entanto, eu abri minha boca e lhe disse um simples "oi".

Ela me olhou com aqueles olhos pesados e com as pupilas dilatadas, abriu um sorriso que parecia ser incompatível com o seu estado de espírito, e respondeu, "oi, moço". e de alguma forma, todas as coisas pareceram estar no seu devido lugar em perfeita sincronia.

Eu enchi um copo de cerveja e a ofereci.

"Eu sou uma pessoa legal, geralmente" ela disse. "mas às vezes eu posso ser meio fria... É bom que você fique sabendo logo" e tomou um gole do meu copo.

"Ninguém é perfeito... é o que eu acho" - Respondi.

"Se você não esperar muito das pessoas, fica mais difícil delas te decepcionarem" Ela falou, como se aquelas palavras fossem um tipo de lugar comum em sua vida.

"Acho que todo esse fatalismo realmente combina com seus olhos" – Eu falei.

"O que tem meus olhos?" Ela perguntou, tomada de curiosidade. E foi quase como se suas pupilas estivessem faiscando.

"Parecem olhos de alguém que já viu muita coisa por aí."

"Talvez eu tenha visto"... Ela sorriu e esvaziou o meu copo. "Meu nome é Estela, a propósito."

Das lembranças que tinha dela, talvez essa fosse a melhor. Agora ela estava roncando em minha cama. E eu sabia que quando acordasse, ela iria embora sem sequer olhar pra trás.

Deitado do lado dela, eu não conseguia dormir e já perdia a noção de quanto tempo eu tinha estado ali, com os olhos grudados no teto e o pensamento perdido entre lembranças do meu tempo com Estela.

Me perguntei quanto tempo eu ainda tinha pra perder com ela, enfim.

9

Mas agora ela tinha ido embora. E eu não sabia como recomeçar a viver. Tentei ainda conviver com as pequenas coisas que ela havia deixado espalhadas pela casa, mas depois de uma semana, me rendi e joguei todos os objetos que me lembravam dela dentro de uma caixa, que escondi embaixo da cama. Enfim... era estranho não ter notícia. Não ouvir uma palavra de quem se fez presente por tanto tempo. Era quase como um caso de falecimento.

E eu me sentia um tanto assombrado com o fato de que talvez eu não fosse vê-la nunca mais. Apesar de tudo isso, era uma questão de tempo pra que eu superasse a falta dela. Tudo era sempre uma questão de tempo. Eu só não sabia o que fazer com todo o tempo livre que eu tinha agora.

Beber parecia uma solução aceitável de início. Mas depois de algumas ressacas, comecei a me contentar a escrever uma coisa ou outra que eu pensava, mesmo que fosse só pra apagar tudo depois de escrito. Talvez eu estivesse enganado a respeito dela desde o início. Ou talvez essa só fosse mais uma ideia paranoica da minha cabeça. Difícil saber quando se está no olho do furacão. Quando se está com a cabeça enfiada até a altura do pescoço dentro de um buraco escuro, no peito de outra pessoa. E digo isso sem qualquer exagero. Por que eu acho que aos poucos eu imergi quase que completamente na vida dela. E acho que pela primeira vez na minha vida eu não tinha me sentido sufocado por isso.

O pior de tudo era a constante ansiedade que ela me causava. Nas pequenas ausências, seguidas de alguns momentos extremamente singulares, diante de toda a pluralidade das minhas relações afetivas passadas. Mas talvez eu estivesse realmente enganado sobre Estela, e tudo não passasse de um tipo de engano ou de engodo.

Vai saber.

Eu sentia constantemente uma sensação de que isso tudo já não importa e que enfim eu estava perdendo tempo simplesmente por pensar.

perdendo noites de sono...

perdendo, enfim.

10

Às vezes eu sentia como se o tempo estivesse escorrendo pelos meus dedos... Os dias iam se sucedendo, e as horas se acumulando sem que eu me desse conta. Nos dias de semana, eu acordava pela manhã e me arrastava da cama para o banheiro, escovava os dentes, e dava uma cagada quando conseguia, e por fim, tomava um banho frio. Frequentemente nem o contraste da água gelada em minha pele morna era suficiente para que eu me sentisse um ser humano produtivo. Me enxugava displicentemente e vestia a primeira roupa que encontrava no armário. Sair de casa era outro tormento. O sol feria meus olhos, e eu seguia me arrastando até o ponto de ônibus. No ônibus eu sempre dava de cara com outras pessoas de cara emburrada, transparecendo cansaço ou sono. E aí eu catava as moedas do bolso e entregava ao cobrador. Percebi que podia fazer um cobrador feliz ao entregar a passagem em moedas de pequeno valor. Por isso eu sempre separava os meus trocados com antecedência. Isso lhes facilitava tanto a vida que muitos chegam até a agradecer e me dar bom dia

Atravessava o ônibus tentando não esbarrar nas pessoas, me sentava, quando havia alguma cadeira vazia, e esperava chegar ao meu destino. O trabalho era a mesma coisa de sempre, tirando os raros momentos em que podia exercer minha criatividade. O tempo passava e eu contava as horas para voltar para casa. Anoitecia e eu encarava o trânsito em um ônibus sempre lotado. As pessoas pareciam ainda mais cansadas que as da manhã. Ao chegar ao meu bairro, parava no mercado, comprava algo para jantar e às vezes conversava um pouco com a vendedora que quase sempre puxava assunto. E então eu carregava minhas sacolas para casa, com um certo alívio por dar de cara com a porta. - Sobrevivi mais uma vez. Muitos não tiveram a mesma sorte. – Eu sempre pensava. A gata preta estava lá como sempre, me esperando. Junto como todas as minhas coisas fora de lugar, que eu me recusava em arrumar. Mas estar em casa era sempre um alívio, pois finalmente eu poderia tomar um banho. Era comum que eu ficasse encarando a água escorrer por um tempo antes de me deixar molhar, como se tivesse hipnotizado. Aquele ritual sempre se encerrava quando percebia que muito tempo havia passado e eu finalmente tomava coragem de encarar a água fria.

Me peguei ali, depois de um dia particularmente difícil, com os olhos fixos no chão do banheiro. Eu estava ofegante, como se tivesse acabado de sobreviver a um afogamento.

Entrei debaixo d´água, e as coisas foram aos poucos se acalmando. Respirei fundo e fechei os olhos. Quando os abri, senti que estava tudo novamente sob controle. Me ensaboei, enxaguei o corpo e fechei o chuveiro. Enxuguei-me e vesti apenas um calção. Eu não sentia fome para jantar.

Abri o computador botei música pra tocar. Peguei o celular e vi que havia duas mensagens de Estela.

“Preciso conversar com você”

“posso te ver?”

11

Eu não quis que Estela viesse a minha casa. Preferi ir até a casa dela. Parecia mais simples. Ela abriu a porta pra mim com um sorriso estranho na cara. Eu entrei e ela fechou a porta atrás de si.

- Se senta. – Ela disse.

E eu me sentei no sofá da sala.

- Quer beber alguma coisa? - Ela perguntou.

- O que você está bebendo?

- Vodka.

- Então bota uma dose pra mim.

Ela me serviu uma dose de vodka com suco de laranja e gelo. E bebeu um gole do próprio copo.

- Como você está? – Perguntou-me.

- Bem, na medida do possível. – Menti.

- Que bom.

- E você. Como está?

- Estou bem.

- Pensei que você estivesse fazendo quimioterapia.

- Só depois da cirurgia.

- E quando vai ser?

- Não sei. Talvez daqui dois meses... Depende.

- Tem alguma coisa errada?

- Não. Só que a médica disse que acha que pode não ser tão sério. E eu estou um bocado abaixo do meu peso.

- Ah. Entendi.

- Olha. Eu tenho algo pra te contar.

- O que é?

- Eu estou saindo com outra pessoa.

- Está?

Ela foi até a varanda e se sentou na grade. E eu segui até bem perto, esperando que ela me respondesse sinceramente.

- Estou. – Ela falou.

- E por algum motivo você resolveu me dizer isso agora...

- Você ia ficar sabendo de alguma forma. Preferi que fosse eu a dizer.

- Então havia algo de errado conosco?

- Não posso medir o que tivemos, pelo tamanho do meu gozo, ou do seu. - Ela disse, andando pela beirada da varanda, do décimo sexto andar... Como se tivesse asas e uma queda não significasse nada.

Engoli seco, mas ela sorriu, e continuou.

- Às vezes eu preciso de mais. Às vezes eu preciso de menos. Não que tudo seja insuficiente... ou sufocante.

Eu simplesmente preciso de algo diferente, meu bem.

Assenti com a cabeça e menti

- Preciso ir no banheiro.

- Não quero te perder - Ela disse, caminhando para a sala.

Segui pra o banheiro silenciosamente, desviei pra a cozinha e tomei uma dose direto da garrafa de vodka que ela tinha aberto... Peguei o elevador de serviço enquanto ainda sentia a ardência da bebida queimando minha garganta e as palavras que ela disse queimando meus ouvidos.

“Que se foda”, pensei... Depois daquilo tudo, eu também estava precisando de algo diferente.

No térreo, pedi um papel e caneta ao porteiro e comecei a escrever.

Eu já falei tudo o que sentia... mais de uma vez.

E na verdade eu talvez tenha pecado,

pelo excesso.

Talvez um pouco de silêncio tivesse sido melhor.

Mas agora do que isso importa?

Estou perdido, mas é nessas horas que me acho.

E enquanto estou sentado no chão,

juntando os cacos de minha vida

é que minha consciência parece chegar ao seu estado mais são.

Depois me ergo, refeito, como se fosse outro.

Depois que a ressaca se vai e as lágrimas são lavadas de meu rosto

eu sempre estou pronto para algo novo.

Apesar de que dessa vez eu tive medo de não estar.

Mas como diria Belchior, a verdade é que o novo sempre vem, (queira você ou não). Dessa vez não vou olhar para trás. Nem me perguntar o que fiz de errado.

Talvez eu viva uma coisa nova. Talvez não.

No fundo não importa.

Vou viver comigo mesmo. E talvez, diferentemente de você

eu consiga um dia me olhar no espelho e não entristecer,

cheio de arrependimentos.

Por que no fim das contas, quando não existe culpa

é tudo mais fácil.

R.

Dobrei o papel e pedi que ele entregasse a Estela.

Saí de lá me sentindo meio idiota.

12

A ausência dela me comia por dentro. Mas eu continuava em minha tortura auto infligida. Com o tempo, confesso que as horas iam perdendo o sentido para mim. Tanto fazia, noite ou dia. Eu não tinha sono da maneira convencional e se eu fechava os olhos era por cansaço ou desespero.

Eu seguia esvaziando garrafas de vinho e a cerveja, mas era como se o álcool se esvaísse pelos meus poros, e não me permitisse ficar bêbado de forma sadia. Eu tinha um delírio aqui e outro acolá e minhas palavras iam se acumulando desordenadamente em textos incompreensíveis. Essa rotina era repetida dia após dia, e a ausência dela continuava me corroendo. Me sentia realmente como um idiota. Quase um novo tipo de otário.

E tudo isso pra quê? Ou por quê? Eu me perguntava...

Às vezes um cara tem que reconhecer que tá fodido e levantar os braços...

Uma rendição honrada. Mas eu não me renderia por enquanto...

Não enquanto meu fígado suportasse mais uma bebida, e meu estômago não me ameaçasse botar tudo pra fora. Não enquanto meu coração ainda aguentasse mais uma porrada ou outra, e enquanto não me mandassem para um hospício.

Ah. Seria glorioso terminar louco, escrevendo poesia abstrata, e pintando as paredes com minha própria merda.

Talvez no fim, eu tivesse essa sorte.

13

Eu sabia que ela era uma causa perdida. Mas ainda assim abri a porta. Ela entrou e não disse nada.

Se sentou no chão da sala e acendeu um cigarro.

Eu fiquei olhando a forma que ela batia as cinzas, quase como se tivesse um tique nervoso. E a forma com que tragava a fumaça. Como se tivesse um gosto ruim, mas ainda assim lhe satisfizesse um desejo com cada tragada.

E ela seguiu sem dizer nada.

Quando virei de costas ela finalmente abriu a boca.

- Eu sei que estou errada. Mas o que você quer que eu faça?

- Você me fere. Vai embora e volta para ferir de novo. Tem horas que eu quase não posso mais respirar quando penso nisso. Eu me embriago e ando em círculos pela cidade volto para casa e enfio a cabeça debaixo do travesseiro... e penso... Espero o tempo passar, mas ele não passa. E eu não consigo aceitar as coisas como elas são.

- Bem dramática a sua forma de falar. Mas você tá aí vivendo a sua vida também.

- E você queria que eu parasse de viver, por acaso?

- Você diz que sente tudo isso, mas anda por aí bebendo e flertando.

- E o que você tem a ver com isso? Eu bebo. Eu saio por aí e flerto. E saio com outras pessoas também. Afinal não tenho vocação pra qualquer clausura que seja. Nem por você, nem por ninguém.

- Ainda bem que você assume que não é nenhum santo.

- Olha. As pessoas perguntam o que está acontecendo comigo e eu não sei o que falar. Não tenho nada razoável para contar. E me mantenho mudo, em vez disso. Eu queria não pensar no que você anda fazendo, nem na sua inconstância, nem no seu egoísmo. Queria pensar direito. Racionalmente. E tudo estava indo bem até você aparecer de novo pra falar as coisas que fala e deixar os ecos do que você diz roendo os meus ouvidos.

- Se é assim eu vou embora.

- É melhor.

Estela saiu e não olhou pra trás.

A porta ficou aberta e percebi que ela havia deixado o cigarro aceso, queimando no cinzeiro.

14

Depois da ilusão, veio a realidade, e com a ausência dela, veio a saudade. Mas meu coração, que já não era tão frágil, seguia aguentando, enquanto tentava consertar as coisas que deixei quebrar. Sobrou muito pouco de mim intacto pra contar história. Mas as ruas e os bares seguiam do mesmo jeito, as paredes da minha casa continuavam no mesmo lugar, junto com as roupas no armário, e a cerveja que ficou por beber na geladeira... Eu tinha apostado no cavalo errado e tinha caído da sela. Sem dinheiro, sem amor, sem sorte... Logo eu, que tinha plena certeza de que estava fazendo a coisa certa uns meses atrás. Era engraçado como certezas viram pó diante dos nossos olhos. No fim foi como se ela tivesse me dito... “não posso ficar com você, por que quero estar com outros... ” e se foi. De novo.

Quantas vezes isso ia se repetir? Eu esperava que não mais.

Me sentia vazio e impotente, por não ter palavras para lhe dizer além de todas as que já tinha lhe dito. Algo que fizesse tudo voltar a ser como era no começo.

Talvez eu não eu tivesse realmente me enganado com ela e tudo não tenha passado de um mal entendido.

E tudo ficava pior quando eu tentava relembrar os últimos meses de nossa história... Como se eu fosse me engasgar com todo aquele absurdo que eu não conseguia engolir.

“Eu não quero te perder”

Aquilo era quase mais absurdo do que todo o resto. Se ela não quisesse, não me perderia, afinal.

Resolvi pôr um fim ao drama. Abri o computador e comecei a digitar tudo o que me vinha na cabeça, sem me preocupar muito em fazer sentido.

Eu não vou escrever mais,

Sobre as mesmas coisas...

Sobre como você me destruiu,

por dentro.

Acho que estou me repetindo nas reclamações, e perdi o jeito.

Talvez você não precise de um cara como eu, para andar de mãos dadas por aí.

Ou pra viver aqueles planos que fizemos.

Talvez você precise do outro,

Que de uma hora para outra parece merecer mais atenções e preocupações que o cachorro velho que vos escreve.

Por isso eu não vou escrever mais,

Sobre você ou sobre nós dois,

Ou sobre a tragédia que é descobrir as mentiras 'bem intencionadas' que escorreram da sua boca e que eu acreditei.

A tragédia das horas que esperei e você não chegou.

Mas a espera cansa.

Cansei.

Adeus.

R.

Enviei pra o e-mail de Estela, fechei o computador e abri uma cerveja.

Essa sim, nunca tinha me deixado na mão.

Rômulo Maciel de Moraes Filho
Enviado por Rômulo Maciel de Moraes Filho em 06/08/2019
Reeditado em 24/08/2022
Código do texto: T6713792
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