MULHER DE CALCINHA... LADRONA DE FLORES

A mulher de calcinha se sentou na pracinha, em frente à lojinha de discos. A moça estava de calcinha e com os seios pra fora... Talvez fosse bom ela estar assim, porque fazia muito sol e ela tinha marcas bem brancas de biquíni, contrastando com sua cor de pele, de morena-jambo...

Sabe, quando uma pessoa não é bonita, mas também não é feia também? A mulher de calcinha era exatamente esse tipo de pessoa, mas esse fato nem é tão importante. Tinha um pouco de barriga, porém, os músculos do abdômen eram evidentes e chamavam atenção. Seus quadris eram um pouco largos demais, exagerados como uma formiga. Suas pernas eram lisas com uma tatuagem de dragão chinês na coxa esquerda e seu rosto era incrivelmente TRÁGICO... e ... SOFRIDO..., mas apesar disso tinha muita simpatia nos olhos, com um constante e falso sorriso. Seu olhar era tão penetrante... Olhos pretos, pretos, pretos, muuuito pretos. Tão pretos que as pessoas mal podiam encarar, pois quando ela encarava de volta - de forma maravilhosamente ameaçadora... – seus pecados eram devidamente revelados pelos volumes ou odores de suas calças.

Mas, o fato que chamou mais atenção, é que A Mulher de Calcinha se pôs a arrancar todas as flores, de todas as plantas, de todas as árvores, mesmo que fossem vasos de plantas que estavam na frente (ou nas janelas) das residências em volta da praça... que eram, obviamente, propriedade de alguém. Ela tinha cabelos cheios e enrolados, que se pareceriam cabelos de anjo, se não fossem tão pretos. Passou então a colocar as flores que arrancara, delicadamente, no cabelo, e ficou se parecendo uma espécie de deusa de matas ou florestas. Mas...

Algumas pessoas ficaram realmente PUTAS DA VIDA por terem suas flores arrancadas. Outras pessoas, – homens, a maioria – ocupavam-se apenas de admirar sua nudez e reparar no trabalho que o sol exercia sobre seus peitos bicolores. Uma mulher gorda, alta, e muito forte... saiu de uma das pequenas casas. Ela carregava consigo um esfregão, de limpar telhado... Enorme, com um cabo de madeira grosso. Ela deu uma breve olhada no que sobrara dos seus dois vasos de flores. Parecia calma a princípio..., parecia não se importar... e na verdade estava até sorrindo.

Segurava o esfregão com firmeza, e o esfregão aparentava ser extremamente pesado e por ser muito grande... Desajeitado... difícil de manejar, mas nas mãos daquela mulher, não passava essa impressão. Ela se aproximou da mulher de calcinha, que agora estava sentada num banco de mármore, linda com todas as flores da praça na cabeça e um beija-flor por perto, que parecia, pouco a pouco, ganhar confiança em chegar mais perto da moça que já parecia, parte do cenário. Uma pancada alta, forte, e seca se fez.

O beija-flor voou rapidamente, quando a mulher de calcinha levou a primeira porrada do esfregão na cabeça. Não foi uma pancada de aviso... do tipo: “saia daqui, antes que...”, não. Não foi assim... A enorme mulher bateu com força, com ódio e desde a primeira agressão, todos ali já sabiam que se tratava de uma retaliação sem a menor piedade. Um homicídio pra ninguém botar defeito. Um verdadeiro show.

A mulher era habilidosa com o esfregão, de maneira que as pancadas que se seguiram não perdiam a força. Eram todas tão fortes e brutais quanto a primeira. A mulher de calcinha estava com o rosto banhado em sangue. Um sangue escarlate que amassava e borrava todas as flores de sua cabeça. Ela não gritava, apenas emitia um som gutural e afogado, pois o sangue entrava por sua boca e garganta, misturando-se com a terra do chão da praça. Tentou se arrastar... Era inútil. A cena durou apenas uns poucos minutos e logo a mulher de calcinha estava morta no chão da praça. A outra mulher pegou o que restou do esfregão e partiu calmamente, sentando-se na varanda de sua casa. Segundos depois, acendeu um charuto. Permaneceu ali por mais algumas horas gargalhando e fumando, de maneira insana e assustadora. Talvez ela... em fosse mais ela mesma... Talvez fosse outra coisa, alguma coisa terrível...

As pessoas que assistiram a cena, - das varandas e janelas – finalmente saíram de seus lugares, e foram se aproximando e cercando o corpo da mulher de calcinha, cantando uma canção fúnebre, que na verdade era uma oração... E que ali todos já sabiam cantar, mas não conseguiam lembrar direito da letra... e nem de onde, quando... ou como tinham aprendido a canção... A melodia e letra, de tão bela canção.