Travessia

Virou a esquina. Surgiu para o mundo. Olhou desconfiado. Viu o

novo, fitou o desconhecido. Lançou-se à sorte. Surgiu como quem nunca

existiu. Andou um passo pela calçada. Quase caiu, como se nunca tivesse

andando antes. Viu ao seu lado a imagem nítida de duas pessoas

conhecidas, amadas. Sentiu o amor maternal, a presença paternal. Sentiu

um calor. O sol a pino. Sentiu-se livre, como se saísse de um útero

apertado.

Andou mais um passo, equilibrando-se melhor. O tempo fluindo,

passando mais depressa do que deveria, como se não tivesse amarras nem

pena daquela alma mortal. O tempo, esse fiel, e ao mesmo tempo infiel,

acompanhante, que anda ao lado dos transeuntes. O tempo que o seguia,

encalço, pela calçada esburacada daquela via ainda um tanto

desconhecida.

Mais um passo. E o caminho seguia. Andou mais. Foi seguindo sua

travessia ainda um tanto desconfiado. Caminho à frente, ainda não

explorado. Cada novo passo, um novo aprendizado.

Mais passos. Pessoas cruzavam seu caminho. Pessoas, ligeiras, o

ultrapassavam. Era estranho. Uma infusão de sentimentos. A cabeça a

mil. Pensamentos de raiva, de ódio, misturados a doces melodias, a

lembranças vívidas, a paixões momentâneas. Algumas pessoas eram

agradáveis, sorriam, davam bom dia, boa tarde, boa noite, ou apenas

sorriam. Outras, com a cara emburrada, nada diziam. Sem sorrisos, sem

alegria.

Mais passos. A calçada ia ficando mais familiar. As pedras já faziam

algum sentido. Nem tudo era tão desconhecido. O caminho ia se fazendo a

cada centímetro percorrido. Era inevitável o medo do que não era

compreendido, a mescla inerente de sentimentos ambíguos, a inépcia por

ainda não saber o que estava à frente. Era estranho. Muito estranho.

Até que, uma visão. Uma face clara como a neve, iluminada como o

sol, plácida como um dia quente de verão. A beleza transfigurada. A mais

bela imagem vinha ao seu encontro. O coração batendo forte. Curiosas

sensações, ainda não experimentadas. Pela primeira vez, a caminhada

parecia fazer algum sentido. Tudo o que viera antes perdeu sua

importância.

Algo inexplicável acontecia. Ela foi se aproximando, cada vez mais.

Até que cruzou por ele, mas sem sequer notá-lo. Sem sorrisos, sem

alegria. E aquilo que era euforia, transformou-se em um novo sentimento.

Raiva. Ódio. Mais que isso, decepção.

Mais um passo, e ainda se lembrava dela, de sua desdenha, de sua

falta de consideração, de sua insensibilidade. No passo seguinte, a

lembrança se esvaiu. Um passo depois, ela já era passado, ficara alguns

metros para trás. Mais um passo, e outra surgiu, ainda mais linda, ainda

mais resplandecente. Começaria tudo de novo. A face clara, o sol, o dia

quente de verão. O coração disparado mais uma vez. As curiosas e

intensas sensações.

(...)

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Eder Ferreira
Enviado por Eder Ferreira em 31/07/2019
Reeditado em 31/07/2019
Código do texto: T6708855
Classificação de conteúdo: seguro
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