O canto do Uirapuru – parte 4 – final

Uirapuru voou fundo na mata em busca do pássaro místico, cantando sem parar para poder chamar a atenção do Japim.

- Uirapuru!

Esbravejava o pequenino pássaro com toda a força de seus pulmões, porem, a mata mantinha-se silenciosa. As lágrimas se acumulavam nos olhos do Uirapuru, em sua mente ele podia vislumbrar os cabelos negros da cunhã que fazia sua vida ser mais feliz. Mesmo com tantos pássaros na floresta, e com as fêmeas de uirapuru, ele nunca tinha sido feliz como quando Inaiê cantava.

- Uirapuru!

E dessa vez não foi o Uirapuru quem cantou, ele abriu os olhos assustado e parou no ar olhando ao redor.

- Oi passarinho. - Por detrás de um galho saiu um pássaro preto com listras amarelas.

“Japim”

- Sim, o que quer?

"Quero que me ajude a trazer minha amada Inaiê de volta”

- Ela é de tupã agora, e eu não tenho nada haver com seus problemas, por que eu ajudaria a trazer ela de volta?

"O curupira me contou o que Tupã fez com você, não precisa servi-lo mais, e seria uma ótima maneira de se vingar”

- E onde eu me esconderia da fúria do trovão?

"A aldeia dos Kayapó”

O Japim, fechou os olhos por um instante talvez imaginando o que poderia acontecer se traísse o deus trovão.

- Tá bem, você me comoveu um bocado, vou te ajudar, mas assim do jeito que você tá não é páreo pra Tupã.

O pássaro preto então entoou um cântico antes nunca ouvido, o canto próprio com propriedades místicas e curativas antes experimentado pelos índios agora esquecido pelos mesmos. O Uirapuru se lançou para trás e depois foi ao chão com estrondo se retorcendo de dor, as penas começaram a cair todas, e o corpo crescer violentamente, o bico se abriu ao máximo rasgando a pele do pequeno pássaro e desta já morta no chão um índio com cabelos negros e corpo musculoso, coberto de muco do corpo do falecido uirapuru surgiu.

- Como é teu nome pássaro índio? Perguntou o Japim.

- Pode me chamar de Guirá.

- Ha ha! Nome engraçado para um índio - riu o pássaro preto e continuou - Primeiro tu vai ter que entrar na casa do Tupã.

- E isso é difícil?

- Não entrar não é difícil, o difícil vai ser tu sair de lá com a cunhã, mas eu vou te ajudar.

Assim os dois correram para a morada do deus do trovão, onde já estava Inaiê. Deitada aos pés do trono de pedra de Tupã, coberta de plumas, jazia ainda inconsciente. Tupã sentado com um cocar de penas vermelhas, acariciava docemente os cabelos de Inaiê.

- És minha cunhã! - disse o deus, mas, este não obteve respostas.

Na porta o pássaro e o índio conversavam:

- Você deve correr e pegar uma pedra lisa e acertar no peito de Tupã, isso vai atrasa-lo um pouco.

- Esta certo vamos ver se vai funcionar.

O índio cavucou no chão e achou uma pedra do tamanho de um punho, apertou firme a pedra entre as mãos e correu para dentro do templo de pedra ate o salão central, onde se encontravam o deus e a índia.

- Ei Tupã.

O deus se virou para ver, e uma pedra veio pousar em seu peito deixando-o sem folego, quando percebeu o índio já tinha pego Inaiê nos braços e se dirigira para a porta de saída.

Com um grito potente Tupã desferiu o som ecoante do trovão que lançou o Guirá e Inaiê longe e os dois caíram às margens de um lago. Com a agua no rosto Inaiê acordou desnorteada, e logo que viu o jovem índio apaixonou-se com o primeiro olhar. Ali estava sua liberdade, seus dias livres mesmo com o coração aprisionado dentro do peito de Guirá.

O índio beijou-a longamente por uns instantes.

- Como senti sua falta minha amada.

- Não o conheço, mas sei que o busquei toda a vida.

- Cantaremos juntos pela eternidade meu amor.

- Pois bem, me desafiaram. - bradou o deus trovão que se achava diante deles - Irão passar a vida como Uirapurus os dois para cantarem ate a morte.

Ergueu os braços e formou com as mãos uma luz azul brilhando que dançava entre seus dedos, e quando estava prestes a lançar seu corpo paralisou e o tempo parou por um instante.

- Chega! Disse uma voz sussurrante no ar.

- Pai? - perguntou Tupã.

O casal atônito tudo observava, enquanto a energia de dispersava das mãos de Tupã.

- Eu sou Nhanderuvuçu, o que é, foi e será, e o proíbo de fazer mal a esses amantes, de hoje em diante nada os fará mal.

O tempo voltou a correr, só que dessa vez os dois estavam sós sem nenhum deus ou criatura que os observasse, estavam em paz e se amaram nas margens do lago chamado Guaíba.

E aquele que escutar bem poderá ouvir o canto do casal nas tardes quentes, quando Inaiê e Guirá entoam o cântico antigo dos kayapó.

- Bô medipê bô medipê nahi noaiê êtê!

Edmilson Mendes
Enviado por Edmilson Mendes em 26/07/2019
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