O canto do Uirapuru – parte 3
A mulher que perdeu o marido antes de perder a virgindade era declarada virgem do poderoso Tupã. Ainda com os adornos Inaiê fora entregue ao pajé para que esse a preparasse ritualisticamente e a levasse ao centro intocado da mata, a morada do emissário de Tupã, o espirito anhangá.
O seio da mata virgem era um lugar cheio de sombras e misterioso, nenhum índio se atrevia a ir ate lá. Somente o pajé treinado habilmente nas artes místicas da mata era permitido adentrar nos domínios de anhangá.
- Espirito branco eu solicito sua presença - disse o pajé.
Da mata uma nevoa branca se uniu e aos poucos a figura do veado branco tomou forma, o temido espirito que podia enlouquecer e matar os índios, anhangá.
- O que quer comigo índio velho - disse a voz vibrante que ecoava por dentre as arvores, não dava para saber se vinha da nevoa ou se vinha de lugar nenhum.
- trago a escolhida de Tupã.
O cervo branco olhou para a índia desolada por seu fim trágico, inúmeros sentimentos debatiam-se dentro de Inaiê, e o espirito podia senti-los como em si mesmo. A perda do marido não doía tanto, mas a vergonha que sua tribo nutria por ela, os olhos de todos encarando-a. Isso não podia suportar, preferia então tornar-se para sempre mulher do poderoso trovão. Mesmo que para ela isso fosse o exílio.
- Pois bem velho, vou levar essa cunhã.
O espirito expirou uma fumaça azul pelas narinas e essa cercou Inaiê, fazendo-a adormecer, então, a fumaça se transformou num enorme macaco e a agarrou.
- Tupã lhes concedera um desejo por isso, o que querem?
- O cacique pediu que ele nos livre do curupira.
- Vou dizer a Tupã o que pedem - disse a fumaça em forma de macaco - Mas é um desejo difícil.
E assim saltou para longe, para os domínios do Deus trovão.
O Uirapuru voava triste e não cantava em luto por saber o que havia ocorrido com sua amada Inaiê.
"Virem de Tupã" ele pensava consigo. Quando os olhos de fogo que dançam na mata se destacaram cada vez mais e os cabelos vermelhos como sangue caídos nos ombros se fizeram presentes na frente do pássaro.
- Diz ai pássaro feio, o que esta fazendo que não canta.
"Curupira é você?"
- Não bicho feio é a sua mãe, quem mais seria? - disse gargalhando o curumim de cabelos vermelhos.
"O que você quer comigo Curupira? Não vê que a mulher que eu amo foi levada de mim? E ate mesmo quando tentei salvar ela da desgraça eu falhei."
- Olha aqui pássaro feio, meu dever é proteger os bichos. E você é um bicho não é? Então vamos fazer o seguinte, vou te dizer quem vai te ajudar, já que contra Tupã eu não posso. E os malditos dos índios querem me sacanear.
Os olhos do Uirapuru brilharam, ele teria mais uma chance para poder libertar Inaiê.
"Então fala curumim feio" chilreou o pássaro imitando o Curupira.
O Curupira contou sobre um pássaro místico de cor preta com traços amarelos que foi dado aos índios por Tupã.
"Qual o nome desse pássaro e onde posso encontra-lo Curupira?"
- O nome dele é Japim e se o fizer cantar ele pode ajudar você.
Assim o Curupira contou onde achar o pássaro, e lá se foi o Uirapuru em busca do Japim, o pássaro do canto magico.