O canto do Uirapuru – parte 2

Inaiê saiu da oca com uma plumaria amarela, que se destacava da pele vermelha dançando com o caminhar da índia que trazia uma beleza digna de uma filha da tribo dos Kayapó. Seus negros cabelos cobriam um dos seios, exibindo toda a sua feminilidade e sensualidade. As pinturas de jenipapo delineavam sua pele tornando o seu corpo mais curvilíneo do que de costume, as ancas fartas e seus seios empinados davam um ar de sacerdotisa da mãe terra.

Os índios fizeram uma fila, cercando-a como a uma deusa. E ela caminhou com leveza entre eles como tal, e cada rosto que via lembrava seu passado na aldeia, de como ficou isolada antes de se tornar mulher, dos cortes com dentes de piranha para renovar seu sangue, a liberdade que sentiu ao poder ter o homem que quisesse, mesmo que, ela nunca tenha desejado homem algum da tribo.

Lembrou-se também do Mebióki, ritual onde as mulheres expulsavam os homens da ngob a casa dos homens e tomavam de conta, organizando depois uma grande festa, os homens que não fossem bons durante o ano eram os que mais sofriam no mebióki. Ela sentiria saudade daqueles tempos.

O cacique se aproximou dela finalmente, a hora havia chegado.

- Inaiê - ele disse - É agora filha do meu sangue também, assim como meu filho Botã com o qual você esta se casando hoje.

Ela respondeu baixinho: - Estou feliz meu novo pai.

- Botã venha ver sua mulher! - gritou o cacique, porem, não obteve resposta alguma - Botã! - voltou ele a bradar agora com mais violência.

O índio não aparecia de lugar algum, e o cacique chamou um curumim para ir saber o que havia acontecido, mas, não foi necessário. Um índio maltrapilho com sangue pelo corpo saiu se arrastando de detrás das arvores.

- Cacique... - gemeu o índio baixo e caiu de costas no chão.

Todos correram ate ele e o cercaram, Inaiê chegou primeiro e questionou onde estava Botã. O índio apontou para dentro da mata e contou que estavam caçando quando surgiu um grande javali com presas enormes, eles tentaram vence-lo, mas era inútil, foi ai que Botã o enfrentou com as mãos nuas derrubando-o no chão.

Os olhos de todos abriram-se sabendo que Botã era um grande guerreiro, e maravilhados com aquilo prestaram mais atenção ao que o índio ferido falava. Ele contou que quando estava prestes a perfurar o javali com sua faca um pau voou ate sua cabeça e o impacto o derrubou.

- Foi o curumim de cabelos vermelhos cacique...- sussurrou por fim o índio desfalecendo nos braços de Inaiê.

Os olhos do cacique se encheram de lagrimas. Contra o curupira ele não podia, e nenhum dos índios se atreveria mesmo pelo amado Botã.

- Todos para dentro, acabou a cerimônia. - disse tristemente ele - Tupã escolheu sua virgem.

A chuva começou a cair fina e todos os índios se recolheram após enterrar o índio falecido, porem, Inaiê ali ficara observando a chuva cair e se misturar com suas lágrimas.

Um gemido alto e triste saiu de sua boca ecoando por todos os lados como um urro de uma onça ferida, ela sabia o que ser a virgem de Tupã significava.

Longe dali o Uirapuru havia pousado e observava um belo jovem de cabelos negros e corpo musculoso com um enorme galo na cabeça.

Um canto suave e longo ecoava na mata vindo da Guaíba, o jovem se ergueu com os olhos brancos como o leite de seringueira e o Uirapuru esvoaçou espantado ate onde o som vinha.

E lá estava ela seus cabelos loiros colados ao corpo molhado reluziam e seus olhos verdes brilhavam como esmeraldas recém lapidadas hipnotizando o índio.

"Ei loira" chilreou o Uirapuru "O que quer com esse índio ai?" E sem parar de cantar ela respondeu melodicamente: - Esse é meu por direito, no tempo que eu quiser, por ordem de Tupã, o contrato foi feito.

"Tupã?"

- Sim passarinho encantado, o que é meu esta aqui, e o que é seu esta guardado. - Cantou a loira misteriosa.

O uirapuru voou pra cima dela mas com uma bofetada foi atirado ao chão. Ela se curvou na direção do índio

e o abraçou e assim as águas engoliram os dois sob a visão do pássaro.

Edmilson Mendes
Enviado por Edmilson Mendes em 25/07/2019
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