Sobre as sombras na noite

Esse causo se passa há cerca de dezoito anos atrás quando eu ainda vivia no Maranhão, meu nome é Alfredo e eu sou um caçador. Na noite em questão eu tinha saído cedo de casa, e estava em meio à uma enorme clareira pitando meu porronca sem preocupação, quando um estalo na mata me fez ficar em alerta e pegar a minha garrucha. Olhei ao redor e corri na direção do barulho, mas não havia nada ali, decidi então caminhar e ver se achava algum veado para a janta.

Depois de algum tempo de caminhada percebi que o sol estava baixando rapidamente, virei-me para trás e percebi que era tarde para voltar pra casa.

- Marieta vai ter que arrumar algo ela mesma para jantar - disse em voz baixa - Talvez algum ovo mate a fome dela por hoje.

Voltei à minha direção inicial decidido a encontrar uma boa caça para levar para a minha mulher, "ela vai comer uma carne de veado no leite de coco amanha isso eu prometo" pensei comigo.

Mal pisei umas duas passadas largas para frente, lá estava ele, um veado de cor prateada e longas galhadas pontiagudas, ate esfreguei os olhos para ver se o que eu tinha na minha frente era real, e era.

Um veado tão alvo que parecia feito de fumaça de porronca, mas era real, completamente real. Eu armei a garrucha e preparei o tiro certeiro na cabeça, ai foi quando aconteceu a coisa mais estranha que já vi, ele virou na minha direção e me encarou como se soubesse que eu estava ali. Os olhos vermelhos como fogo de brasa, e as fuças resfolegando fumaça preta. Meu corpo congelou no mesmo instante e na minha mente ecoou uma voz vibrante e gutural "te prepara Alfredo, por que tu desafiou o veado branco, aquele que é o espírito velho da mata, o Anhangá. Quando dei por mim eu estava deitado no chão e nada de veado por perto, me levantei e bati a poeira da calça, depois juntei a garrucha, me virei e vi a segunda coisa mais estranha àquele dia, uma preguiça em pé. Ela tinha cerca de dois metros e meio de altura, minhas pernas tremeram mais ainda quando vi que a boca da criatura era na vertical e localizada no estômago. Minha mulher já havia me dito algo de um bicho assim chamado mapinguari, mas eu nunca acreditei e não sou de ter medo de fantasias da cabeça dos outros, mas fiquei realmente assustado foi quando o bicho abriu a bocarra vertical e bradou de modo animalesco:

- Alfredo!

O diabo sabia meu nome, e deve ter sido aquele veado dos olhos de fogo que contou. "Bicho maldito" pensei, mas pela minha boca so saiu:

- S...Sim?

- Tu tem cachaça?

- Não.

- Tu tem fumo

- Não eu já fumei todo o que eu tinha.

- O que é que tu tem ai Alfredo?

- Nada.

- Humm, então eu vou te comer Alfredo! - E dizendo isso pulou pra cima de mim.

Eu corri o mais que pude pra escapar daquele bicho faminto enorme com forma de preguiça, que vendo que eu fugia deitou-se nas quatro patas e começou a trotar em minha direção. Eu cortava o mato rapidamente com passadas amplas, minha experiência de caçador fazia com que mesmo correndo eu não fizesse barulho algum, diferente do meu perseguidor que estrondosamente varria a vegetação com seus passos pesados e estrondosos.

Avistei uma enorme arvore oca na minha frente, não tive tempo de pensar e pulei pra dentro do oco da arvore quase sendo pego pelas garras do mapinguari. E ali fiquei horas, escorado de costas no fundo da arvore enquanto o bicho enorme tentava entrar. Uma hora ele parou de tentar e ficou sentado do lado de fora conversando comigo, talvez na tentativa de me fazer sair.

- Alfredo, Alfredo tu tem fome?

- Tenho sim.

- Pois sai dai que eu te arranjo um tatu.

- Não obrigado eu aguento mais um pouco.

O bicho rodava a arvore procurando um meio de me tirar de lá, e eu exausto tentava me manter acordado e de pé. Já devia ser umas três da madrugada quando ele parou e sentou na frente do oco, podíamos ver um ao outro de onde estávamos e ele perguntou:

- Alfredo, tu tem mulher?

- Tenho sim. - eu respondi inocente.

- Pois depois de te comer eu vou comer ela.

- Vai ter que me tirar daqui primeiro.

Enfurecido ele avançou contra a arvore e com as garras quase a partiu ao meio, mas não conseguiu chegar ate mim.

- Mapin, tu tem sede?

- Tenho sim Alfredo.

- Eu tenho agua aqui.

- Me dá Alfredo, me dá.

- Se aproxime mais e eu te dou, vai sair pelo cano.

O bicho se aproximou e eu botei o cano da garrucha pra fora, assim que ele abriu a boca a bala vazou o estômago do mapinguari que imediatamente caiu pra trás todo esticado. Eu aproveitei e sai correndo dali o mais rápido que pude, eu tinha de chegar em casa logo, mas ainda ouvi as ultimas palavras do mapin velho.

- Alfredo tu me matou, mas nós vai atrás de tu, e tu vai pagar.

Ao dizer isso uma nuvem de sombras voou pelas arvores por cima de mim, na direção da minha casa.

-Marieta!

Apressei o passo o mais que pude, mas, só encontrei os estilhaços da casa de taipa destruída pelos monstros da noite, e uma poça de sangue que manchava todo o chão.

Jurei naquela noite destruir todas as criaturas nefastas que permeavam o nordeste brasileiro, e sobre as sombras na noite, onde elas estiverem você pode me achar.

Edmilson Mendes
Enviado por Edmilson Mendes em 24/07/2019
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