Uma lembrança amarga
Em uma tarde qualquer, uma sensação estranha é sentida pelos moradores da cidade. Há o pressentimento de que uma tragédia está por vir. Um forte clima de mistério se espalha no ar, acentuado pela tarde fria e escura de inverno. Os mais velhos diziam que sensação semelhante só foi sentida quando Lampião invadiu a cidade nos idos de 1930. Logo no início da aula vespertina, a professora organiza os alunos e os encaminha para tomar vacina em uma saleta do grupo escolar. O clima é de inquietude e medo, enquanto os enfermeiros aplicam as vacinas nas crianças enfileiradas. É visível o choro contido dos que estão sendo vacinados. Uma água escura escorre do recipiente que armazena as vacinas, e o branco das roupas dos enfermeiros está coberto pela poeira das estradas de barro. Estamos em meados da década de 1950.
A notícia da peste se espalhou com velocidade espantosa, e muita gente correu para se vacinar. Porém, as doses trazidas da capital eram suficientes apenas para as crianças em idade escolar. A epidemia de varíola, também conhecida como bexiga ou peste, já estava na cidade, e o número de doentes crescia rapidamente. Em várias ruas, as calçadas de muitas casas já eram evitadas, dissimuladamente no início e, mais tarde, de forma escancarada. Espalhava-se o boato de que o vento, por si só, já era suficiente para transmitir a peste; a desinformação reinava por todo canto, ampliando o clima de apreensão e pânico. Por toda parte — na padaria, nas lojas de tecido, na única farmácia e até nas sessões de cinema dos sábados e domingos — a bexiga era o foco das conversas, quase sempre aos sussurros. A feira livre da cidade, uma das maiores da região, encolheu e ficou às traças. Os moradores da zona rural preferiam comer sem sal e se abster do açúcar e do café a se arriscar indo à feira para fazer compras. Dizia-se que, nas cidades vizinhas, toda a população estava contaminada e que já não havia mais lugar para enterrar os mortos.
Um primo veio passar férias na cidade com os sintomas finais da varíola; apenas algumas bolhas já secas e espaçadas. Fui visitá-lo, a pedido da família, acreditando que no estágio final da doença não haveria riscos. Eu estava com medo, e ficamos a maior parte do tempo quietos, olhando para o teto, enquanto eu rogava para que as horas passassem. Logo após sair, fui tomado por uma grande moleza no corpo, com dificuldade para caminhar, e, em seguida, acometido por calafrios. Com dificuldade, consegui chegar em casa e, ainda na porta, tentei articular um pedido de socorro: um fiapo de voz escapou da minha boca; a visão ficou turva, e desmaiei. Já estava doente.
Fui o primeiro a ser infectado e o último a se recuperar da doença que atingiu quase todos os membros da família. Lembro-me do medo e do clima de terror que emanava dos olhares dos que me viam, dos comentários tensos e sussurrantes sobre meu estado de saúde, das injeções aplicadas sobre as bolhas cheias de pus, por ausência de espaço livre na pele, do sangramento constante, das erupções disseminadas por todo o corpo, desde a sola dos pés até o último fio de cabelo, passando pelo interior da boca e por toda a língua, das constantes sessões de vômito e diarreia. Lembro-me também da visita do médico da cidade que, ao me examinar, ficava o mais distante possível, impotente para ajudar ou com medo, quem sabe? A família se exasperava: "Parece que ele está com medo. Não queremos mais ele aqui; vamos dar o nosso jeito. Se Deus quiser, vai dar tudo certo."
Lembro-me também da paciência, dedicação e carinho dos familiares que não contraíram a doença e, solidariamente, cuidavam da minha higienização, dos meus delírios e das convulsões. Durante os banhos de imersão em água fervente, misturada com folhas de alecrim — tratamento terapêutico recomendado por alguma benzedeira da região —, meu corpo tremia de exaustão, e meus dentes batiam uns contra os outros com tal intensidade que pareciam granizo tilintando em uma bacia de alumínio.
A peste alcançou vários membros da família, mas iniciou e terminou comigo. Sobrevivi à morte anunciada e esperada por todos. Não sei quais efeitos colaterais ficaram impressos em meu corpo e se me acompanham até hoje. Com o tempo, as crostas secas deixadas pelas erupções cutâneas desapareceram, restando apenas a lembrança amarga do passado.