O CORDEL E A COMUNICAÇÃO - PARTE II

A POESIA DE CORDEL, criações, não está morrendo... Continua viva tal como a alma do povo que a canta, por todo o país, origem num passado do tempo da Praça Dom Vidal, popular Praça do Mercado, em Recife, espécie de centro nervoso dos poetas populares, por onde passaram quase todos os cordelistas e fizeram rodas de cantoria; comparando, a Praça do Mercado é para a poesia o que La Plaza de Toros de Madrid é para os espanhóis, La Monumental. Grandeza do concreto, embates internacionais, centro de cultura popular, aqui os poetas, humildes cantadores, levam aos ouvintes as mais belas estórias da poesia nordestina. Mesmo sem o calor das vibrações de outrora, o poder da COMUNICAÇÃO continua preservado na ternura das estrofes criadas pelas novas gerações: estas, mais escassas e à sombra de influências e conceitos elitistas. ----- Nome CORDEL pelo fato de folhetos suspensos e atados por cordéis, quando nas feiras, expostos à venda. ZÉ ÔIO DE GATO, grande poeta pernambucano, justificou sua dúvida, turistas pedindo "literatura de cordel"... e comprando seus folhetos. ----- Sim, literatura de cordel ou folheto, poesia popular que às vezes fala de si própria: metalinguagem. ----- Os folhetos de JOÃO JOSÉ, outro pernambucano, esclarece os registros de coisas assim, folhetos sempre impressos constando da capa apenas seu nome e o título da obra, terceiro elemento lá dentro: "Literatura de cordel, antiga poesia popular". ----- O maior reinteresse pelos folhetos deveu-se ao ensaísta-escritor, Secretário de Educação e Cultura de Recife, entre 1975 e 1978, ARIANO SUASSUNA, com "A pedra do reino", 1971, cravada de influências da linguagem popular, algumas personagens viveram no passado de ouro do cordel: base de sua obra, o cordel! Livro precipitou motivações junto as camadas intelectuais, papel de ligação entre criação popular & interesses e teorias eruditas. De modo geral, quem lê cordel, tem do poeta popular impressão rude, figura primitiva quase infantil e ingênua, mas na verdade é muito mais seguro do que podem imaginar, por sua personalidade vigorosa, falando de igual para igual, sem medo ou preconceito. ----- Na situação de autor, para SUASSUNA é difícil avaliar, mas sabe que "A pedra" indiretamente pesou sobre o reino da poesia popular, o suficiente para reativá-la, benefício dessa sofrida arte. ----- A Gráfica de Casa do Folheto, na Fundação da Casa das Crianças Pobres de Olinda, Pernambuco, fundada em 1971, durante algum período ajudou os poetas nas publicações dos folhetos, transação comercial na base da "conga": originais impressos ali, poeta recebendo 20% do valor total do negócio, o restante ficava para a própria Fundação. Lamentavelmente, a Casa do Folheto faliu... "Quebrava o galho da gente..." - lembra saudoso o grande DELARME MONTEIRO, gráfico de profissão e leitor de VICTOR HUGO, DUMAS, ALENCAR, SUASSUNA, HERCÍLIO e outros, clássicos e modernos. Ele diz: "Meus temas são chegados a fantasias, lendas, princesas, dragões... porque a vida chão que a gente vive, carece de poesia." Mora num quarto, sofrendo de catarata, no fundo da abandonada Casa das Crianças... ----- "Por isso meu negócio é perturbar os outros, principalmente com satanás ou estórias picantes, como a do filho que fez da mãe picadinho, sem essa coisa de princesas e príncipes encantados, porque sou um desencantado dessa vida", reclama o também gráfico e poeta SEVERINO MARQUES DE SOUZA JÚNIOR, apelido "Palito, o invisível" - morando numa casa velha em Olinda, trabalha em Recife, ganhando muito menos que no tempo da Fundação, cinco originais engavetados. Mesmo com revezes, um grande sonhador, esperançoso no destino das palavras, filhos e filhas com os nomes programados de Marcus, Demetrius e Marcelus (gladiadores romanos), Soraya (rainha do Yran), Margareth (princesa da Inglaterra) e Cleópatra (rainha do Egito), por último, o menino Atlas (deus da força). ----- Como DELARME e SEVERINO, muitos poetas precisam de ajuda e... "muitos praticamente desapareceram até da Praça do Mercado", diz LIÊDO MARANHÃO DE SOUZA, dentista de profissão, estudioso apaixonado de cordel, exibindo seu livro "O mercado, sua praça e cultura popular" - num trecho ele diz que a praça está hoje praticamente "fechada", extinta, poucos folheteiros e poetas em banquinhas de livros, perto do estacionamento; acabou a cantoria, somente a barulheira de um mercado. ----- Em 1972, SUASSUNA então no Departamento de Extensão Cultural (DEC), Universidade de Pernambuco, junto com LIÊDO, imaginou um plano de ajuda, editando mensalmente os trabalhos, um dos quais com prêmio de 2.000 cruzeiros - com isto, ressurgiram os trabalhos. ----- Em outra regiões brasileiras, sempre o desejo de de um ponto de venda de cordel - no município de Duque de Caxias, RJ, o mesmo que estar em casa, ponto para onde convergiram muitos cordelistas nordestinos. Intercâmbio com os postos distantes, uma espécie de troca de trabalhos. Arte do cordel, "cheia de emoção / o poeta se reparte / com todos na multidão......." - autor BARBOSA LEITE, morador honorário de Caxias, tido como "o maior literatizado de todos os cordelistas da Baixada"; foi por iniciativa sua que a famosa feira dominical ganhou cantadores de cordel como atração, porém estranhamente sofrendo súbitas perseguições da fiscalização, mesmo tendo a carteirinha de profissional com direito de cantar e vender os folhetos na rua. BARBOSA registrou o fato com loas métricas e rimadas de contestação. No Rio, cordéis mais vendidos na zona sul, Ipanema e Leblon, noites repletas de boemia, intelectuais e turistas. ----- A LITERATURA DE CORDEL, na opinião de OLEGÁRIO FERNANDES DA SILVA, de Caruaru, nascido em 1932, agrega 3 condições: diversão, arte e instrução, milhares de pessoas aprendendo a ler nos folhetos. ----- Num passado, romances lindos eram vendidos, porém cordéis de de 64 páginas diminuíram para 32, mais baratos. Mesmo assim "Caruaru de ontem e de hoje", de JOSÉ SEVERINO CRISTÓVÃO, saiu em quarta edição e foi vendido em Londres, Paris e outras partes do mundo - tal sucesso de vendagem é raro, feiras do interior fatalmente montadas em novelas televisivas no meio da praça, de consumo fácil que a leitura dos folhetos, compêndio também com HQ, revistas policiais, de sexo, de artistas, ah, e mais leitores que saíram do catolicismo para crenças proibitivas, como o caso do filho do cordelista analfabeto EVARISTO (na Paraíba, poeta era cantador /ou tirador/ de coco, o refrão respondendo versos...), que não o 'pode' ajudar mais. ----- LIÊDO se assusta com a morte iminente da poesia popular --- SUASSUNA contesta que televisão e cinema não descacterizam a arte, pois ao contrário o cordel apanha as estórias projetadas no vídeo, as transforma e devolve recriadas à sua maneira, às vezes com mais força. ----- o cordel ainda é a leitura de milhões de brasileiros. espécie de jornal do povo do interior, poeta é o repórter. JOSÉ SOARES passou a escrever na capa de seus folhetos "José Soares, poeta repórter" - outra a estória de um matuto que só acreditou na ida do homem à lua depois de ler o cordel. ----- Rica, a imaginação popular, mesmo nas estórias de inspirada tragédia em estrada ou enfrentamento a ladrões - 23 estrofes, variando de 4 a 22 versos, do poeta ANTÔNIO GONÇALVES, poeta que conta os desencantos de um tempo cheio de ilusões roubadas: não faltam estórias de amor, crimes, santos e guerreiros, abrigados por LIÊDO em sua "Classificação popular da literatura de cordel", que inicialmente divide as publicações em FOLHETOS e ROMANCES, de acordo com o número de páginas, folheto de 8 a 16, romance 24-32-48 e 64, sendo estes dois últimos não mais publicados, originais engavetados, 'relíquias' do passado. Pelo alto custo da impressão tipográfica, hoje o papel é inferior, barato, impresso em tipografias rústicas do sertão, como no caso do paraibano JOSÉ FRANCISCO BORGES, o "J. Borges", que imprime suas xilogravuras. ----- Surgiu o chamado editor-proprietário, egresso das fileiras de cantadores, às vezes também poeta, que explora o companheiro pagando um mínimo por título vendido. ----- LEANDRO GOMES DE BARROS foi o primeiro editor-poeta de cordel. Paraibano. estabeleceu-se em Recife e por volta de 1917 anunciava em grande estilo 500 folhetos, mais de 1.000 estórias - com sua morte, essa gigantesca produção foi publicada pelo genro e escritor PEDRO BATISTA; em 1920, a viúva vendeu grande parte dos direitos autorais ao poeta e editor JOÃO MARTINS DE ATHAYDE, o pioneiro na editoria de cordel, que terminou bastante rico; no fim da vida, meio 'jaburu' e caducante, vendeu a gráfica, grande quantidade de folhetos e direitos autorais - morreu em 1959. Enquanto lúcido, em 1948, adquiriu do poeta JOÃO FERREIRA DE LIMA o folheto de 8 páginas que contava "As palhaçadas de João Grilo", tempos depois ATHAYDE ampliou para 32 e mudou o título para "Proezas de João Grilo", folheto que é sucesso até hoje, triagem e venda calculada em um milhão e duzentos mil exemplares - personagem introduzida por SUASSUNA em seu "Auto da Compadecida". Mais tarde, ATHAYDE comprou ao poeta paraibano JOSÉ CAMELO DE MELO REZENDE os direitos do romance "O pavão misterioso", de fama selada a um dos mais vendidos --- na mesma época, o poeta paraibano JOÃO MELQUÍADES lançou edição plagiada do "Pavão", sem referência ao nome do autor /fonte/ e colocando o seu no lugar. ----- Para proteger os direitos autorais de cordel, a velha Associação Nacional dos Trovadores Violeiros, com sede na Bahia, criou um estatuto que exigia do poeta o envio de um exemplar de sua autoria, retrato e dados sobre sua vida.

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LEIAM meus trabalhos "o AUTO DA COMPARECIDA" e LITERATURA DE CORDEL: tem ímã e xilogravura".

NOTA DO AUTOR:

ARIANO SUASSUNA - 1927/2014.

FONTE:

"De repente, o cordel" - Rio, revista PETROBRAS, n. 285, 7-8-9/1978.

F I M

Rubemar Alves
Enviado por Rubemar Alves em 14/07/2019
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