A CARTA NA GARRAFA - UM CONTO EM CORDEL

Vou contar pra todos uma história

Que vivi, pois mudou minha vida

Embarcando nessa trajetória

Fui, de casa, pra trazer comida

Meu mais velho irmão me acompanhava

Porém eu sequer imaginava

O que me aguardava nessa lida

Saímos da beira do recife

Do rio onde a pomba bate as asas

Na canoa de madeira simples

Num sol quente, forte feito brasa

Uma volta fomos dar no mar

Nem sabia se íamos voltar

Sem destino ao sair de casa

Íamos pescar na água doce

Mas queríamos ver a salgada

Mais teimoso que criança eu fosse

Porém temia essa jornada

Meu irmão e eu fomos mais longe

Ao buscar um mais longo horizonte

Tudo isso pra uma boa pescada

Eu e ele éramos ligeiros

Eu olhava e a rede ele jogava

Tanto peixe belo e sorrateiro,

Lá do fundo a rede arrastava

Decidimos ir pra mais distante

Quanto mais a canoa ia avante

Mais distante de casa ficava

Percebi olhando para o céu

Que o tempo ia escurecer

Quando demos conta todo o véu

Dessas nuvens veio enegrecer

A canoa no mar solta ao léu

No instante um raio, qual pincel

Mostrou o quadro que ia chover

Porém essa chuva brava era

Vento forte como um tufão

“Nossa mãe, que em casa nos espera

Deve estar com mui preocupação”

Ao dizermos isso um pro outro

Começou-se um agitar revolto

Tempestade no meu coração

Ondas fortes que nos atingiam

Impediam de sair do mar

Quanto mais força os dois faziam

Mais as ondas iam arrastar

Percebemos que não tinha jeito

Não havia escape. E eu suspeito

Que pra casa não ia voltar

Meu irmão e eu desesperamos

Ao ver que a rede ia tombar

Num sopapo do mar afundamos

Caindo a rede em alto mar

A canoa ela não virou

Mas a rede que a gente pescou

Se perdeu sem poder resgatar

Procuramos algo em nossa bolsa

Na mochila nada havia lá

Nós fizemos então outro esforço

Pra tentar sair do “mei” do mar

Quando a tempestade acabou

Perdida no mar ali ficou

A canoa sem poder voltar

Lá meu irmão começou falar

Dos bons tempos que é ser criança

Faz as coisas meio sem pensar

Na inocência de que tudo alcança

De repente eu o vi chorar

Ali eu já pude constatar

Não havia pra gente esperança

Não se sabe quanto tempo foi

Frio e fome, dias tão cruéis

O sol quente veio e castigou

Nossa pele da cabeça aos pés

E as águas do salgado mar

Com o vento calmo a nos levar

Sem destino ao último revés

Intentamos ver uma vez mais

Nossa bolsa em busca de comida

Vimos ali uma garrafa de água

Que trouxemos pra beber na lida

A caneta e papel num feixe

Pra marcar quem pescava mais peixe

Mas marcou, o destino, a nossa vida

Bebemos a água que lá havia

Porém ficamos ali por dias

Nosso corpo aos poucos enfraquecia

Fome, sede e dores que sofria

De repente vi meu irmão cair

E nas águas vi ele sumir

Tendo a solidão por companhia

Não olhei mais para trás ali

Decidi enfim me entregar

Uma ideia me ocorreu e assim

A caneta e o papel fui pegar

Uma carta então eu escrevi

Na garrafa, o papel eu meti,

E joguei-a no meio do mar

Eu chorava de saudade e dor

Longe de toda a minha família

Desmaiei e tudo se apagou

Quando um sopapo do mar sentia

Senti que estava perto da morte

Quando abri meus olhos, pra minha sorte

Tinha atracado numa ilha

Muito me alegrei quando acordei

Mas senti um enorme vazio

Sem o meu irmão eu me notei

E sentia muita fome e frio

Nessa ilha eu fui procurar

Algo pra poder me alimentar

E achei um coco seco e esguio

Não sei quanto tempo eu passei

Minha alma ali estava sozinha

Então vi que vinha lá do mar

A garrafa que jogado eu tinha

Quando fui correr pra carta ler

Algo estranho lá eu reparei

Que aquela carta era a minha

Era aquela a minha carta, sim

Mas usei, do papel, só a frente

Ao olhar toda a parte de trás

Tinha uma letra diferente

Essa era letra do meu irmão

Que na folha do outro lado, então

Escreveu algo surpreendente:

“Quando vi você ali, escrevendo

Uma carta igual a um ‘adeus’

Muito o coração me foi doendo

Não queria perder um dos meus

Você de costas não viu que eu

Ajoelhei longe do lado seu

E uma oração eu fiz a Deus

Então Ele, que é Misericórdia

Fez-me ver algo que eu não notei

Quando eu fui me virar de costas

Um pedaço de terra eu olhei

Pulei no mar pra ver mais de perto

Voltei para a canoa bem certo:

Era uma ilha que avistei

Quando eu ia te falar da ilha

Antes de voltar ‘cê desmaiou

Não me viu nadando nessa trilha

Pois sua força inteira se acabou

Nas forças finais que me sobraram

Fui a canoa empurrando a nado

A canoa, então, o mar levou

Até me cansar eu te empurrei

E chorei de emoção ao ver

Que de longe na ilha avistei

Você lá na terra a adormecer

Eu agradeci a Deus e disse

‘Obrigado Deus, não permitiste

Que eu visse meu irmão morrer’

Essa carta eu escrevi depois

Que você me viu no mar cair

Porém o que eu fiz na hora foi

Buscar a caneta que ia sumir

Quando eu voltei ‘cê’ desmaiou

E ao se levantar, alucinou:

Não me viu, mas eu estava ali.

Você escreveu a sua carta

E eu peguei ela no ‘mei’ do mar

Na parte de trás usei o verso

E ao ler a sua fui chorar

Escrevi minha parte toda a mão

Dentro da garrafa pus, então

E joguei depois de te empurrar

Se você receber essa carta

Não va comigo se preocupar

Não suportaria sua morte

Então afundei em seu lugar

Mas não fique triste, meu “cuscuz”,

Eu te amo! Ass: JESUS

Mas não chore que eu vou voltar!”

Uma homenagem ao poeta DEO.

Leiam suas obras e entenderão.

Leandro Severo da Silva
Enviado por Leandro Severo da Silva em 12/07/2019
Reeditado em 16/07/2019
Código do texto: T6694405
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