GUEIXA NA ATUALIDADE
1---Não dupla personalidade da protagonista: de dia, apenas uma criatura do presente, mulher, em KYOTO, metrópole do Japão; à noite, criatura do passado, gueixa, para distrair homens ricos e influentes. ----- Café em Kyoto, sentada, "à paisana", jovem chique-urbana-contemporânea, maquiagem leve, roupas e acessórios de grifes internacionais, celular da última geração... apenas uma MULHER. X Quimono de seda, maquiada e penteado à caráter, sendo paga para encantar os homens... uma das mais requisitadas GUEIXAS do Japão.
2---Trabalho antiquado, criatura bem moderna. A GUEIXA ATUAL é independente e transita do mundo moderno para o passado, sem esforço ou máquina do tempo, guardiã da cultura japonesa. ELA nasceu em Kyoto, pai tinha um piano-bar no bairro de Gion; fascinada pela visão das gueixas, não sabia sobre o trabalho, mas quis ser uma delas. Aos 16 anos, amigo do pai indicou uma 'okiya', casa onde as estudantes moram e são treinadas - família não se opôs porque ser gueixa é algo respeitável. ----- Poucas jovens conseguem completar o treinamento de gueixa. Em Gion, 70 aprendizes na década de 60, apenas 15 na época de nossa protagonista. Ritmo de vida bem rígido: acordar cedo para aulas de dança e canto, dormir com a cabeça apoiada num suporte de madeira para não estragar o penteado, não cobrir a cabeça com cobertor, não poder comer frango frito nas cadeias de fast-food... 'Maiko' (aprendiz) com quimono laranja, 'obi' (cinto) cor de rosa, enfeites cintilantes no cabelo, rosto pintado de branco, olhos e sobrancelhas contornados em preto e carmim - trabalho consiste em sentar ao lado dos olhos e ser uma delicada flor para eles.
3---Misterioso e fechado mundo das gueixas! Surgiram no século XVII; na década de 20, eram 80 mil; hoje, "talvez" 15 mil. O tempo impõe modificações, mas preservadas beleza e graça femininas e a GUEIXA sobrevive, no papel de entreter homens que podem pagar de US$300 a US$1.000 a hora para presenciar, por exemplo, uma particular cerimônia de chá em molde milenar. Consideradas artistas qualificadas, excelência na dança e na música tradicionais, servem bebidas, conversa animada e perspicaz com o cliente, prazer tão cheio de requintes que teoricamente prescinde do sexo. ----- A formação da gueixa (a palavra significa pessoa ligada às artes ou reinada) é extremamente importante. Seis anos de estudo e muitos sacrifícios: não namorar, não assistir tevê, viver sob a constante guarda da 'ma-ma-san' ou 'mãe-gueixa', que financia o treinamento, reembolsado pelo que a estudante ganhar durante aulas práticas nas casas de chá. Só dois dias de folga no mês. Penteado conhecido no Japão como "pêssego partido ao meio" - semanalmente, cabelo alisado a ferro, dividido em mechas e colado no lugar certo (dormir com a cabeça levantada num suporte de madeira). Após a formação, sair da 'okiya'. ----- Aí, a GUEIXA CONTEMPORÂNEA decide a AGENDA e pode estipular preços e montar horário, digamos 5 ou 6 noites por semana. ELA tem um ESCRITÓRIO em Gion, aceita reservas de casas de chá por E-MAIL ou telefone CELULAR. Sempre que vai trabalhar um cabeleireiro transforma seus cachos num coque elegante - gueixa graduada usa o cabelo mais clássico que o da aprendiz ou usa peruca (facilita para usar cabelo normal durante o dia). O compromisso de trabalho se estende até 1h ou 2h da madrugada, podendo conhecer homens importantes e interessantes.
4---Maquiagem branca, pesada, em festivais de dança; na atualidade, base normal, rímel e batom vermelhos. Quimono sempre de seda. Perfume, não, pois qualquer traço de fragrância é elemento estranho em casa de chá. ----- Gueixa de alto nível ganha cerca de US$20 mil por mês, pouco se levar em conta um quimono ao preço de US$25 mil. Gorjetas podem chegar a centenas de dólares por noite. A maior parte das trabalhadoras japonesas recebe cerca de US$1.800 mensais. ----- No passado, era comum gueixa ter patrono rico, os 'danna', geralmente casado, que pagava tudo para a amante. Ih, hoje, sistema raro... Há quem queira patrocinar artes em geral e às vezes paga um quimono e uma peruca na época da formatura, o que não significa obrigação sexual, depende da gueixa. Melhor não misturar trabalho e lazer - maioria de clientes casados, mais de 40 anos, relacionamento seria complicado. Opinião masculina, executivo de 47 anos: "Nenhuma esposa pode ter ciúme de seu marido se ele visitar uma gueixa ou uma aprendiz porque elas foram feitas só para serem olhadas. Frequento casa de chá porque gosto de ouvir o canto e ver a dança. Além disso, as gueixas têm um comportamento muito delicado sabem fazer um homem relaxar e se sentir especial." ----- Segundo a tradição, gueixa será sempre gueixa e terá que se aposentar se casar, papel incompatível com o de esposa. De fato, vida glamourosa a da gueixa, não acorrentada ao horário comercial nem ao trabalho doméstico.
5---LIZA DALBY, 50 anos, casada com americano, três filhos, moradora em Berkeley, Califórnia, a única americana a ter trabalhado como gueixa, acredita que a vida de uma profissional gueixa é a melhor opção para a mulher japonesa. Há 25 anos, escritora e antropóloga, ela passou nove meses trabalhando no bairro de Pontochô, perto de Gion, onde conduziu um estudo sobre gueixas. Experiência fascinante e é fabuloso estar com a alta sociedade. Na adolescência, ela morara no Japão, já falava fluentemente japonês e sabia tocar 'shamisen' quando resolveu ser gueixa - esses fatores aliados à seriedade de seu estudo acadêmico ajudaram a ter acesso àquele mundo fechado. Preconceitos sem fundamento - achava gueixas competitivas, mas as escolas funcionam como irmandade e há cooperação entre as gueixas. Liza aprendeu a se comportar diante de um cliente, mesmo aborrecida com comentários sexuais. Japonês bêbado pode ficar rude, mas a gueixa tem muito conhecimento sobre sexo e é capaz de contornar qualquer situação com graça e humor. Liza visita Kyoto quando pode e é otimista em relação à sobrevivência da profissão: "O mito das gueixas vai sobreviver."
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FONTE:
"Mulheres do mundo - Uma gueixa contemporânea", reportagem de Abigail Haworth - SP, revista MARIE CLAIRE, jan./02.
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