GUEIXAS OU GEISHAS, não importa... - PARTE II
Os 'japas' de hoje dizem que depois da II GM ficaram fortes o 'nylon' e as MULHERES, e a nova civilização, forjada com a vasta imperial industrialização, derrubou tabus e preconceitos, rompeu tradição de poesia e servidão feminina. Revolução: durante séculos, milênios, apresentadas como símbolo de refinamento de amor e submissão ao homem. ----- GUEIXA, a figura feminina mais carregada de literatura, história-e-estórias e lenda - personagem antiga "lá" e paradoxalmente a mais nova, porque a menos conhecida, no Ocidente, feixe de mitos e equívocos. Mesmo no Japão, contradições - profundo respeito, mas raramente encontra casamento, eles fazendo do amor uma forma de negócio, profissão. Uma gueixa de 23 anos protesta indignada e admite que ganhou presentes e dinheiro dos homens com quem esteve, mas cama por gostar, não por dinheiro. Possível. Bem mocinha e muito bonita, os pais a cederam a uma 'MA-MA-SAN', função de diretora de casa de gueixas que cuidava de 4 a 10 jovens, dando à família uma certa importância (no mínimo 50.000 ienes, 600 cruzeiros novos) - fazer tudo que 'sua mestra' mandar... Para fugir a essa obrigação, AYAKO impediu que os pais recebessem dinheiro, mas sempre sonhara em aprender o ofício das gueixas: dança, ikebana, decoração da casa, cerimônia do chá e cantar o 'nagautá'. Não terminou os estudos e aos 17 anos /antigamente, começava com 12/ entrou para a casa de gueixas. Início como 'maiko' (aprendiz), virgem até encontrar ali seu primeiro homem - durante um ano, aprendizado, percebendo de 50.000 a 60.000 ienes mensais (600 a 720 cruzeiros novos). No salão, ainda diferentes da gueixa o quimono, o penteado e a atividade - não pode distrair o cliente, só dançar - gueixa só após a experiência do amor, aí muda tudo: quimono, penteado, vida... A iniciação depende do referendum das mais velhas, um exame perante as mais vividas antes de passar ao grau seguinte, aprovada mesmo sendo virgem ou em geral porque já teve seu primeiro homem: para ser gueixa, mulher integral! Não mulher fácil e sim altiva, distante e inacessível. ----- A 'maiko' pode se tornar mulher com um amigo fora da casa de gueixas ou um cliente ou um comprador.(pode ser vendida) que chega a doar fortunas - modo de dizer - por uma jovem, com o direito de possuí-la por seis meses, um ano. Buscá - la para sua casa na casa de 'ma-ma-san' ou deixá-la no local, com direitos de exclusividade - é sua mulher que dança para ele, arranja flores e o serve quando ele desejar. ----- AYAKO virgem aos 20 anos, até encontrar um estudante americano, bonito, louro, alto, que após uns dez encontros, voltou para a Califórnia, terminar os estudos, casar-se com mulher da mesma raça - Madame BUTERFLY, amor impossível, passado X AYAKO, japonesa dos tempos modernos. ----- Casas de gueixas são frequentadas por homens muito ricos, que podem desembolsar uma pequena fortuna por duas horas de prazer. Homens em grupo de cinco a dez, fascínio especial das gueixas pois tal afluência, as casas de maior renome recebendo até setecentos clientes numa noite. Nesses encontros, as gueixas dançam, jantam com eles, servem com graça própria a comida e a bebida, conversam correntemente sobre assuntos variados - anos de estudo, são cultas-espirituosas-encantadoras; os homens mais rudes ou bêbados fingem não compreender a arte da gueixa, exageram em carícias limitadas pela 'ma-ma-san' e o intérprete explica ser "uma casa de gueixas de verdade" e não uma contratação de mulheres para o prazer, fantasiadas de gueixas. ----- Com o progresso, as fronteiras se diluíram imprecisamente, mas a falsa gueixa não sabe cantar, dançar, entreter o cliente, só conhecem o caminho para a cama, com certo refinamento e dissimulação, profissão muuuio antiga... ----- Há gueixas maravilhosas de 70 anos que falam como um filósofo, tocam divinamente o 'shamisen' e pintam com mestria. A verdadeira geisha é uma artista - em língua japonesa, 'gei' (arte) + 'sha' (pessoa). ----- O encontro com a gueixa é um ritual milenar com elementos de liturgia profana, jogo de amor e treinamento sensual, levado ao limite da exaspração erótica, sem jamais cair nela. Antes da guerra, passar a noite com uma geisha pela preocupação cultural, desenho de conhecer costumes e alma de um povo; hoje, o encontro com a gueixa está no programa 'by-night' em inglês, das agências turísticas. No país, dezenas de clubes especializados em fornecer sob taxa irrisória uma companheira para o homem solitário visitar TÓQUIO à noite - única exigência é não tirarem os sapatos enquanto estiverem juntos. Descaracterização, desnaturação e transformação no papel das gueixas no pós-guerra - a noite de TÓQUIO é a mais excitante na Ásia, no próprio mundo. Barzinhos, clubes noturnos repletos de "recepcionistas"; centenas de banhos-turcos, massagistas famosas pela alta especialização de sensações oferecidas; em alguns hotéis, no "livro de hóspedes", não páginas para assinatura e sim páginas brancas e fotos de mulheres e legenda com apelo ao sexo. ----- Nesse Japão de 100 milhões de habitantes e a quarta indústria do mundo, modernismo atropelando a tradição e surgem 'outros' tipos de gueixa, que dão nojo em AYAKO. Bom, mas na casa de "ma-ma-san", AYAKO não recusa homens, sem sensação de culpa, drama de consciência. "Para nós, japoneses (ela explica), o sexo não é pecado, tão natural como comer. O que há de pecaminoso no instinto? E o amor não é o mais forte dos instintos?" Ela não vai com qualquer um, só com quem lhe agrada, desperta interesse - ah, posição diferente porque seus pais não receberam o dote, ela sem obrigação de dívida, como a maioria das gueixas - escolhe o homem que quer. ----- No atual Japão hiperindustrializado, as grandes empresas são grande mercado das casas de gueixas e mandam clientes importantes para 'ma-ma-san" o fazer passar fim de semana no campo, moça à disposição do hóspede - ver a paisagem, o lado poético, vestir-se como quiser, tomar um banho quente - depois, todo o ritual da dança, do canto, da cerimônia do chá e em geral dormem juntos. Muitos negócios são concluídos numa casa de gueixas; quando um chefe de indústria quer convencer o outro de determinada transação, casa de gueixas é o empurrão final nos negócios, entre euforia e encantamento - não vulgarização e sim colaborar para o bom êxito das negociações... e a economia e o progresso do país. ----- Na Antiguidade, as gueixas eram onipotentes e terminavam no leito do Imperador, o deus-vivo; governadores, generais e poderosos as queriam como amantes, pois eram as mulheres mais educadas do país; até a guerra, constituíam um fato cultural e exerciam direitos personalíssimos. Prerrogativa milenar era exigir do homem especial virilidade - uma senhora de idade o submetia a um exame de corpo: gueixa, sacerdotisa do amor, casa de gueixas, templo... ----- AYAKO está consciente de que agora a gueixa está desprovida de vontade, foi mercantilizada, oferecida a um certo preço. AYAKO é exceção e pertence a uma geração de gueixas ultramodernas, independente para recusar clientes. Sua vaidade e seu desencanto. Breve se confundirão a gueixa e a prostituta. Raras agora as gueixas que têm noção do papel que lhes cabe, raros os homens que compreendem que elas não são profissionais do amor. O segundo homem de AYAKO era uma dessas aves raras e na casa de gueixas sempre pedia para ficar com ela - os dois conversavam, ela dançava para ele e preparava o chá - pagava muito bem, 'ma-ma-san' dizia ser o melhor cliente e AYAKO devia dormir com ele. Ela respondia que o homem, já de idade madura, a respeitava como se fosse uma menina, uma filha, gentil, muito alegre se a empregasse como secretária na empresa; ela vestia um quimono azul-claro, tentou desajeitada tirar a roupa, ele impediu com um gesto. ----- Geisha também sujeita a paixões e AYAKO teve várias, porém nunca amou um japonês, porque no Japão o amor é antes de tudo, talvez limitado a isso, procriação: não homem apaixonado e comunicativo com a mulher, tudo mecânico, essa insatisfeita - esperar mais de um estrangeiro. ----- Comédia estrangeira, nunca sabem como se comportar e mesmo o inglês americano faz um jogo de pantomima, comédia, o homem zangado, gueixa não sabe porquê; ela ri, ele ignora a razão - duplo embaraço. Cama ou não? Encontro sempre numa atmosfera ambígua, equívoca. AYAKO prefere os europeus pois americanos bêbados são rudes. Certa vez, um milionário do Texas, mulher e filhos em seu país, foi à casa de chá, quis montar um apê para ela em Tóquio, "romântico" ter amante no Japão, jatinho para visitá-la, sentir-se poderoso - ela recusou, o americano não lhe agradava e diante do "não", deu socos no espaço, queria quebrar tudo. gritou furioso com AYAKO e 'ma-ma-san', mais espantado que zangado, "absurdo como uma gueixa não está à venda". ----- Gueixa recebe por mês 150.000 ienes (1.000 cruzeiros novos), e também gorjetas e presentes. Tem despesas elevadas - um bom quimono (500 cruzeiros novos), roupas, perfumes, cosméticos. No Japão das surpresas, um sindicato as protege, com direito a greve. Ela faz economias, teve cerca de 200 clientes, só mais um ano de gueixa, depois viajar, gastar dinheiro, gozar a vida. Não sabe de deseja casar-se, pois no Japão homem casado vai com as gueixas e ironicamente ela não suportaria isso. ----- YUMI, 16 anos, em tudo o oposto de AYAKO: moderna e emancipada à ocidental, preferiu tornar-se modelo - importa-se com a sobrevivência de alguns valores tradicionais, mas sob o ângulo de geração insubmissa. Gueixa? Mas independente, ar superior à repulsa da sujeição milenar da mulher. Ocidentalizou-se. Cabelos repartidos por uma risca, repuxados nas têmporas; sob a fronte, dois imensos olhos 'beat', moda de Carnaby Street, curtíssima mini-saia. Viver com sinceridade. Mãe morreu aos seus 3 anos de idade; pai - advogado importante e conservador - opôs-se à realização de seu plano de ser modelo aos 13 anos, veto irredutível. Aos 14, fugiu de casa e foi morar com amiga, desenhista de uma casa de moda e pousou durante algum tempo como modelo fotográfico em revistas "só para homens". Posa seminua, com roupas íntimas. Fuga a duas décadas atrás? O pai daria uma surra e traria de volta para casa. Aos 15 anos, YUMI conheceu o amor, férias na praia com duas amigas e conheceu um rapaz mais velho, 19, produto dos tempos de ocupação, tipo nipo-americano, filho de um oficial das tropas de MacArthur e uma japonesa; morava nos States, estudava engenharia. Namoraram, uma vez foram para uma barraca de campanha, longo tempo, sem ninguém por perto. YUMI sorri, uma ponta de inocente ou indiferente, "...muito tempo lá dentro"; a aventura na praia durou apenas esse dia. "Seria somente um beijo... ele, lábios macios" - à saída, YUMI chorou, não acostumada com aquilo, depois achou que gostara, pensara amor de verdade - depois desse dia, nunca mais chorou. Teve medo, impressionada, temerosa, rompeu com ele e na manhã seguinte voltou para casa, sem avisar as amigas. Na escola, nunca ouvira falar do que acontece com um rapaz e uma moça - as amigas falavam de beijos, pouco sabiam sobre o amor. YUMI contando: "John, esse namorado, meio gordo, maciço, físico de lutador, mas bonito rapaz. Voltei a encontrá-lo por motivo prático: eu havia esquecido dois vestidos em seu carro. Um mês depois encontrei-o em Tóquio, ele me procurou, galante em dizer que sentira falta do meu perfume. Ainda mais três encontros e eu soube depois que viajara para os Estados Unidos." ----- Agora tudo é possível. Ela trabalha num bar, à noite e recebe salário fixo para fazer os clientes beberem - 70.000 ienes por mês (900 cruzeiros novos) e o trabalho como modelo pode lhe render quase isso. E obtém muito mais: vestidos, presentes, joias, sem nenhuma crise de consciência. Levanta ao meio-dia, trabalha como modelo, dança à noite, vivendo ou não a sua própria vida?
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LEIAM meus trabalhos "Japon, né?" (seriado), "Comida japonesa" e "Doçurinhas japonesas".
NOTAS DO AUTOR:
"Fazer tudo o que seu mestre mandar..." - "Boca de forno?", brincadeira popular infantil, recitativo dialogado que estimula agilidade, velocidade e capacidade motora.
FONTE:
"Gueixas, adeus", de JEAN PAUL LAGARRIDE - SP, Ed. Abril, revista REALIDADE, n. 33, fev./65.
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