GUEIXAS NA PAULICEIA DESVAIRADA

1---A figura da GUEIXA é quase impenetrável para os ocidentais. Centenas de milhares de turistas ocidentais buscam todos os anos desvendar o mistério dessas mulheres nas longas noites de Tóquio. Para esclarecer, GUEIXA não é o que você talvez esteja 'pensando'......... Nesta palavra japonesa, a partícula 'guei' significa arte e 'xa', pessoa - tradução seria algo como pessoa-arte ou mulher que faz de sua vida uma arte. Em bom português, levando em consideração a profissão, uma anfitriã refinada-intelectualizada-encantadora-espirituosa, que cobra por sua 'finesse', graça e prendas femininas para fazer companhia ao homem à mesa, em jantares ou chás cerimoniosos (cama só se ela quiser, companheira eventual de aluguel em serviços de mesa... e cama). ----- Antropólogos, sociólogos e outros estudiosos estrangeiros pesquisaram a manifestação cultural e social das gueixas na sociedade do Japão e concluíram: "Nada é mais japonês do que essas criaturas refinadas."

2---Em São Paulo, ser GUEIXA se aprende em ESCOLA, por exemplo, a da senhora ('madame' é acima do Mediterrâneo!) SUGUIMOTO /ou qualquer outro sobrenome nipônico/ onde belas jovens são treinadas na requintada arte de ser gueixa, emaranhado de sutilezas que só os japoneses sabem apreciar. Aulas também dadas pelo professor de 'kotô', instrumento musical de cordas colocado no chão para ser tangido. Ao servir um jantar, ela precisará combinar o sublime e o simples, exaltando seu feminismo. E toda vez que se vestem (não é despem!), as moças repetem uma tradição com mais de mil anos - começam calçando o 'tabi' (meias com pequena costura para separar o dedo maior) e o 'zori' (chinelo ou tamanco de sola grossa, de madeira e tiras) e prosseguem nos arranjos do quimono; hoje, a maquilagem é mais simples, ocidentalizada. ----- "Gueixa é tudo, menos prostituta", primeira lição para a 'maiko', aprendiz da milenar arte oriental de encantar o homem com a beleza física e o espiritual da mulher, lição que se estende a todos que a imaginam protagonista do amor remunerado - equívoco até ofensivo para os homens que utilizam a profissional na arte de entreter em alto nível: falsa/falha interpretação, desconhecimento. ----- SUGUIMOTO prepara as 'maikos' utilizando o método 'minarai', que significa aprender observando. Por exemplo, preparar vagarosamente um arranjo floral de 'ikebana', ver os detalhes do trabalho, e suaves os passos da dança clássica 'nihon buyô'. Também segurar entre os dedos o 'tashi' (pauzinhos de comer), levar as iguarias do prato à molheira e de lá à boca, sem deixar cair um pingo à mesa; parece fácil, mas tem um fator complicante muito forte: enquanto age, muita habilidade para não roçar na comida dos pratos nem tocar-derrubar os pequenos e delicados vasos de porcelana de saquê com a manga balançante e extremamente larga do quimono, à altura dos punhos - arregaçar as mangas, sinal de má educação à mesa.

3---Trocar a noiva ou esposa. Entender isto é fundamental destacar a diferença entre uma gueixa e uma 'oiram', mestranda em sexo, figura em velhas gravuras japonesas, contorcionistas da prática sexual. Em todo caso, gueixa vista desempenhando o papel alugado de segunda esposa, na escala dos hábitos da vida cultural japonesa, a companheira que não cuida dos filhos nem passa o dia desgastando-se entre panelas e vassouras, constante aprendizado das técnicas de "agradar marido". ----- Gueixa, vida de sutilezas capazes de extasiar até com um gesto de dedos ou mãos, enquanto fala ou caminha, figura etérea, o farfalhar das sedas do quimono, ela entre delicados arranjos florais e objetos de finíssima porcelana. Diz-se, não sei... é compreensível a esposa consentir ao marido uma gueixa favorita, símbolo de 'status' para a família, desde que nada falte em casa. (Com salário de metalúrgico paulista?!) No Brasil, velhos imigrantes trouxeram esta memória, porém aceitando as mudanças impostas por tempos modernos e ocidentalização das gueixas. A ESCOLA paulistana de gueixas tem endereço que pouca gente conhece, sob rígida discrição própria da raça. A senhora é gueixa, filha de gueixa, ambas treinadas pelas tradições da prestigiosa escola de Guifo, Japão; há alguns anos, rendosa a profissão de gueixa na Pauliceia, grande reputação, numerosas gueixas. Não vistas pelos olhos profanos dos ocidentais, excepcionalmente se um deles for privilegiado por um convite de anfitrião japonês, abastado para encarar as despesas. Não vista a chegada aos 'ryoteis', alguns famosos, restaurantes japoneses de copa-cozinha e numerosos 'osashiki' num comprido corredor - 'osashiki', sala de decoração simples, muito discreta, portas de correr de ripa nua e papel vegetal formando quadros, chão coberto pelo 'tatami' (carpete de palhinha de junco) - antes de entrar, deixar sapatos do lado de fora. Gueixas chegando em trajes ocidentais, kombi estacionada diante de porta exclusiva, entrada rápida para cobrir o corpo com 'dijuban', roupa íntima (dificilmente o uso de calcinha), depois quimonos coloridos, de ricos bordados, o 'obi' (cinturão de tecido também com desenhos coloridos), o 'obi-agui' (outra peça de tecido para levantar e sustentar o 'obi', cuja parte nas costas é arranjado como almofada, espécie de mochila sob as nádegas), depois ajeitar e amarrar o 'obi-chime' (cordão que irá separar o 'obi' inicial)......... tudo com as vestidoras auxiliares, sem esquecer o mínimo detalhe (falha logo percebida pelo cliente ortodoxo, conhecedor da cultura japonesa), como num claustro, onde homem não entra. Quimono não pode deixar uma prega, um vão folgado, colado ao corpo como um tubo. E os penteados? Coque na nuca, mais ocidentalizado em vez dos antigos cabelos com flores de cerejeira e alfinetes de madrepérola. Maquilagem leve, mais Ocidente que antigo Oriente (muito branco no rosto, cores fortes em lábios e olhos). Preferencialmente, nos bairros da Liberdade, Bela Vista e Jabaquara. Clientes pagando a comida, a bebida e 'talvez', por hora, o aluguel do 'osashiki'. Alguns 'ryoteis' fecharam, outros mantêm serviços, hoje ocidentalizaram-se com o 'kariokê' e robôs, as nisseis de plantão sem os trajes tradicionais, mas conservando as maneiras cerimoniosas de servir.

4---Quando requisitada, a gueixa não se limita a mostrar conhecimentos num entretenimento gracioso, de delicadezas ensaiadas ou voluntárias, de refinamento na conversa, comentários espirituosos e técnicas de servir com gestos finos - deve conhecer canto-dança-poesia, recitar 'hai-kais' com entonação suave, como em estado de devaneio, tocar 'shamisen' (instrumento musical típico, de 3 cordas e sons metálicos) e preparar chá (complicada cerimônia que exige gestos e arranjos especiais). Não permitida nenhuma grosseria, rir alto é sacrilégio imperdoável - ou levar dedos à boca, ocultando o riso. Palavra desagradável ou de baixo calão será punida com expulsão do 'osashiki' - sexo apenas alusões, insinuações sutis e educadas. O que também eleva a dignidade do trabalho das gueixas: no Japão ou em São Paulo, grosseria imperdoável, jamais apresentar a conta das despesas de uma noitada comandada por gueixas, quando se trata de cliente de elevado nível social; no dia seguinte, enviar a conta num envelope ornamentado com gravuras, o mesmo devolvido com o cheque, sem contestar cifras que incluem os serviços das gueixas. Tudo muito chique do começo ao fim - gente fina!

5---Hoje, no Japão, nostalgia pelo que os avanços tecnológicos suprimiram - as roupas e o cerimonial de vestir eram muito caros e implicavam muita perda de tempo. A era da robótica, computadores e teares robotizados, tudo se tornou mais fácil na produção de tecidos, igualmente finos, porém mais baratos e arranjos prontos, como alguns acessórios.

6---Não ressuscitado o 'riquixá' vistoso que transportava as gueixas a caminho da casa de chá ou do 'ryotel'!

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FONTE:

"São Paulo - Uma escola de gueixas", reportagem de Durval Ferreira - Rio, revista MANCHETE, 23/01/1988.

F I M

Rubemar Alves
Enviado por Rubemar Alves em 04/07/2019
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