1116-EXPULSOS DO ÉDEN

EXPULSOS DO ÉDEN

Continuação de “Notícias do Éden”

A visita que o Criador fez a Adão e Eva no Éden resultou numa mudança de vida para ambos que se transformou numa desdita sem fim.

Ele chegou precedido por raios e trovões, uma barulheira infernal que atemorizou Adão e Eva. Prevendo o temporal, abrigaram-se na precária caverna onde viviam, tremendo de medo e de frio. Adão pegou algumas folhas de orelha-de-elefante, usadas na rústica cama de palhas, e amarrou-as na cintura; Eva também se protegeu cm as enormes folhas secas, do frio que antecedia o temporal.

Em toda sua magnitude o Criador apareceu.

— Adão, onde está você?

— Aqui na caverna, Senhor – Respondeu Adão, saindo acompanhado por Eva.

Ao vê-los o Criador, que não estava para brincadeiras naquela manhã fatídica, perguntou (como se já não soubesse de tudo):

— Por que vocês estão usando essas folhas. Por acaso, a pele que lhes cobre o corpo não é suficiente para aquecê-los?

— Senhor, é que...

Com a voz semelhante a um trovão, o Criador interrompeu Adão, dizendo:

— Me chame de Deus! De agora em diante, me chame de Deus!

— ... é que não temos pelos em todo o corpo, como os outros animais. Sentimos frio, sim, Senhor Deus.

— Não precisa explicar. Vocês andaram fazendo alguma besteira, comeram alguma coisa que não deviam e agora estão assim, cheios de frescuras.

Eva, que já tinha perdido aquela inocência e timidez, também falou:

— Deus, nós passamos o dia inteiro procurando o que comer, estamos sempre com fome, e nada fizemos de mal.

— Comeram daquela planta que nasce em pau podre. Adão lhe deu o nome de fungo. Podiam até morrer. Mas em vez, despertou em vocês sensações estranhas. Agora vocês estão com desejos diferentes, estão pensando coisas. Sonhando o que jamais imaginariam. O êxtase e o prazer quando estão juntos e se agarram. Acelerou a sua inteligência e compreensão.

— Sim, comemos. Juntamente com maçã, fica delicioso.

— Não era para ser assim. E como tudo tem o seu preço, vão ter que pagar por esse conhecimento, esse anseio de liberdade, esse prazer de se juntarem para procriar.

A voz de Deus foi ficando mais forte e com tons de ira.

— Por causa disto, vocês vão ter de sair deste jardim e ir procurar sustento em outros lugares.

— Mas Deus, não vejo nada demais no nosso jeito de ser. Não estamos fazendo mal para nenhuma outra criatura. — Adão tentou argumentar.

— Cale-se!

Apesar da ira manifesta de Deus, Adão, que já tinha um pouco de espírito crítico, pensou:

Grande coisa, sair deste mato que já não tem tudo o que precisamos, é só fruta e erva... E comer erva é passar bem?

— A partir de agora, você, Adão, vai ter de conseguir o que precisar com o trabalho, com o suor do teu rosto. Vai ter que trabalhar duro.

E dirigindo-se a Eva:

— Quanto a você, mulher, vai obedecer ao seu homem. E vai parir seus filhos e filhas com muita dor.

Eva, que já desconfiava que aquela sua barriga enorme não era normal, então intuiu que ali tinha uma cria, como nos outros animais. No mesmo instante, teve consciência da maternidade e seu rosto se iluminou de felicidade.

— E irão envelhecer e morrer.

Adão já não dava atenção para Deus e suas maldições. Com decisão foi ao fundo da caverna e começou a arrumar suas coisas para partir: uma faca de pedra, um chuço de madeira com ponta, um pedaço de pau forte que deu o nome de tacape.

— Eva, prepare suas coisas, vamos embora, já sei que Deus não quer mais ver nossas caras. Depressa!

Adão ia aumentado a cada minuto sua decepção por Deus, aquele que o criara e que agora, sem querer explicações, sem entender que ele, Adão, e Eva, estavam aprendendo as coisas e poderiam conviver com pacificamente, sem prejudicar os outros seres vivos.

Saíram da caverna e tomaram a direção de onde o sol nascia todas as manhãs.

— Para onde vamos? —Perguntou Eva.

— Vamos andando no rumo do nariz. Fiz algumas caminhadas por aquela região e sei que tem muitas outras frutas desconhecidas, ervas saborosas e cheirosas que não conhecemos, bichos diferentes e lá, naquelas montanhas, temos cavernas para nos abrigar.

— Ai, Adão, que azar o nosso. Comer aqueles fungos não foi nada bom.

— Pelo contrário, despertou nossa consciência, inteligência e intuição. A gente já estava mesmo querendo liberdade.

— Mas perdemos o Éden!

— E vamos construir o nosso próprio Éden. Será o nosso Paraíso!

ANTONIO ROQUE GOBBO

Belo Horizonte, 20 de junho de 2019

Conto # 1.116 da Série INFINITAS HISTÓRIAS

Antonio Roque Gobbo
Enviado por Antonio Roque Gobbo em 02/07/2019
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