SEM TÍTULO
"É estranho dizer isso, mas, quando me olhei no espelho nessa manhã, não me enxerguei. Fiquei atônito. Minhas feições não mais eram as de outrora. Os traços que delineavam a minha face não mais percorriam os mesmos caminhos".
Será que estou a sonhar? Dei-me dois tapas nas maçãs. Não, isso não é um sonho. Longe de um devaneio, nunca me sentira tão acordado. De quem terá sido este rosto? Tinha a impressão que era familiar, mas de onde ele viera? Não sabia, mas àquele ponto isso não mais importava, acabei por gostar daquela cara. A propósito, o rosto com que nasci não era tão bonito, o crânio era grande, achatado, não ficava muito bem nas fotos. Este não. Este não era desproporcional aos ombros, tinha um nariz afilado e, embora os olhos pequenos fossem, não comprometiam a vista. Esta cabeça é a mais simétrica que já vi! Apaixonei-me. Apaixonei-me não, amei-me! Será possível um amor tão intenso por si? Não sei. Só sei que agora me amo. Mas então, o que faço agora? Não sei. Minha mulher há de acordar. Como posso lhe explicar que eu acordei assim? Não sei. Ela há de se espantar, não irá me reconhecer! E minha família? Não sei. Meu pai, minha mãe, meus irmãos. Agora não mais me pareço com eles. Aliás, já não mais me pareço com ninguém! (...)