Cada vez mais longe

O relógio marca duas da manhã. Insônia, nada de novo. Vou à cozinha, abro a geladeira e pego a garrafa de vinho. Encho meio copo, o coloco em cima da mesa e fico pensando. Pensando um pouco mais. Derramo tudo. “Foda-se, não vou beber hoje”. Volto para o quarto, e ao lado da cama, meio que jogado desajeitadamente com outro papeis, está o convite. Olho a data. O casamento, juntamente com a viagem, está marcado para dia 10 de dezembro. Eu tinha treze dias. Mas quanto tempo era necessário para se aproximar de alguém? Quanto tempo era necessário para reaver o tempo perdido? Passaram-se vinte e dois anos e nunca consegui ser mais que um estranho! Já consigo imaginar o dia, sei que ela estará linda com seu véu e todas as flores e pessoas que ela ama ao redor. Com as coisas dispostas do jeito que ela sempre sonhou. Sei que vou a cumprimentar, dar os parabéns e ela vai receber com um sorriso no rosto como sempre fez. E vamos continuar fingindo que temos alguma proximidade. Fingir que temos algum outro laço além do mesmo sangue. Não, não temos. Eu não estive presente em nenhum momento de sua vida, seja triste ou feliz. Nunca estive do mesmo modo em que ela nunca esteve presente na minha vida também. Mas, mesmo assim, continuamos ali, ligamos por uma linha que nunca se quebrará. Eu sinto não poder estar próximo, e não culpo a vida por ter nos ter negado isso, dessa vez ela não tem culpa; fui eu, eu que não quis. Sei também que quando ela voltar para sua terra natal eu direi: “ Boa viagem, você será feliz!” e sentirei uma espécie de alívio e tristeza; de dor e remorso. E mais uma vez endurecerei meu coração e verei o avião partir para longe, para longe, para cada vez mais longe...